segunda-feira, 25 de outubro de 2010

o nascimento de sakyamuni

m_4ab51656e0e343968a9f8156acf22d91 O Nascimento de Sakyamuni

Sakyamuni, o fundador do budismo, nasceu nas colinas que ficam ao sopé do Himalaia, como filho de Shuddhodana (Arroz Puro), o soberano do clã Sakya. Sua mãe foi a rainha Maya. Gautama (Melhor Vaca), era o nome da família e o seu primeiro nome era Siddharta (Desejo Satisfeito). Os Sakyas constituiam uma pequena comunidade cujo reino localizava-se próximo à fronteira da Índia, ao sul do Nepal central. A capital dessa localidade se chamava Kapilavastu. Essa comunidade era composta de pessoas que se dedicavam à agricultura e à criação de gados. Daí se supõe o nome do soberano, Shuddhodana, e o sobrenome Gautama. Não se sabe ainda com exatidão a origem de Sakyamuni. Não existem provas nem tampouco fatos que neguem que ele era indo-ariano.
Acredita-se que os Sakyas eram politicamente dependentes de Kosala, que fazia parte dos “dezesseis grandes países” da Índia antiga. Ao sul ficava Magadha, um dos “dezesseis grandes países”. O pequeno território dos Sakyas ocupava uma posição política um tanto fraca e precária, prensado por essas duas grandes potências.

Lê-se nas escrituras budistas que Sakyamuni nasceu nos Jardins de Lumbini, onde hoje se situa a cidade de Paderia, ao sul do Nepal. A localização de Lumbini foi comprovada historicamente por um dos Editais do Pilar do Rei Asoka, descoberto nessa área por A. Führer, em 1986.

Com relação à data de nascimento de Sakyamuni, as opiniões divergem e não se encontra uma conclusão definitiva. De acordo com as tradições budistas asiáticas, ele viveu na metade do século X a.C., porém as pesquisas modernas tendem a retardar essa data. As duas opiniões que prevalecem atualmente é de que Sakyamuni viveu de 560 a 480 a.C. e de 460 a 380 a.C. Ambas coincidem com a tradição de que o Buda viveu oitenta anos; entretanto, há entre elas uma disparidade de cem anos quando se refere à época do seu nascimento. Em todo caso, acredita-se que Sakyamuni viveu em algum tempo no século quinto ou sexto antes de Cristo.

A renúncia ao mundo e a vida errante

clip_image002Não existem registros detalhados quanto ao período da vida de Sakyamuni que vai da sua infância à juventude. Conforme a tradição budista, sua mãe Maya morreu no sétimo dia após o nascimento e ele foi criado por sua tia Mahaprajapati Gautami. Casou-se com Yashodhara (Respeitável Dama) com quem teve um filho, Rahula.

Na sua juventude, o príncipe Sakyamuni viveu na riqueza. Ele era dotado de uma inteligência aguda e de uma hipersensibilidade. Refletia sobre o significado da vida e do mundo, procurando a verdade eterna. Possuía uma natureza profundamente introspectiva e talvez por isso tenha renunciado a sua vida luxuosa para seguir as austeridades religiosas. Pode-se dizer que os motivos que o levaram a renunciar à vida secular estejam ligados à verdadeira essência do budismo.

Estes motivos aparecem na estória dos Quatro Encontros. Parece que esses encontros aconteceram em quatro ocasiões diferentes quando o jovem príncipe saiu do palácio, em Kapilavastu, para dar um passeio. Saindo pelo portão do leste, para o primeiro passeio, ele encontrou um homem enfraquecido pela idade avançada. Saindo pelo portão sul, num segundo passeio, viu uma pessoa doente. No terceiro passeio, ao sair pelo portão do oeste, defrontou-se com um cadáver e finalmente, saindo pelo portão do norte, encontrou um asceta religioso. Supõe-se que esses encontros foram decisivos para a sua determinação de renunciar ao mundo.

Esta estória talvez não passe de uma lenda, porém ela mostra que Sakyamuni, mesmo sendo jovem, interessava-se pelos assuntos que se relacionavam com o mundo interior e com a natureza do sofrimento humano. O homem idoso, o doente e o cadáver representam os problemas da velhice, doença e morte que ao lado do nascimento, ou da própria vida, são chamados de quatro sofrimentos — problemas fundamentais da existência humana. Esses sofrimentos são inerentes à própria vida e assim, eternamente, estão fora do alcance da tecnologia e do poder da ciência para solucioná-los ainda que a civilização progrida. Em resumo, o motivo que levou Sakyamuni a renunciar ao mundo foi para solucionar os quatro problemas universais do nascimento, velhice, doença e morte.

clip_image004Ao decidir-se a renunciar ao mundo, Sakyamuni abandonou a sua posição social de príncipe com todas as honras e glórias e partiu em busca da verdade. Iniciando sua vida religiosa, ele viajou em direção ao sul e ficou em Rajagriha, capital do reino de Magadha, onde se dedicou à prática com o seu primeiro mestre, Alara Kalama, que havia atingido “os domínios do nada” através da meditação. Sakyamuni atingiu logo o mesmo estágio porém não ficou satisfeito pois não encontrou a resposta que procurava. Seguiu um outro mestre, Uddaka Ramaputta, que havia atingido “os domínios além do pensamento”. Sakyamuni tornou-se mestre desta forma de meditação, mas continuava insatisfeito. Esses dois primeiros mestres não conseguiram auxiliá-lo a encontrar o que procurava.

O despertar

Sakyamuni abandonou os dois mestres da meditação e passou para a prática de austeridades. O asceticismo era muito praticado nessa época e era considerado com muito respeito por aqueles que buscavam uma vida religiosa. Ele escolheu um lugar à margem do rio Nairanjana, próximo à cidade de Uruvela, distante de Gaya, ao sul de Rajagriha, e começou sua prática do asceticismo. As austeridades consistiam da suspensão temporária da respiração, jejum, controle da mente e outras práticas. Sua finalidade era fortificar a vontade e atingir a emancipação com a mortificação do corpo chegando ao limite da morte para finalmente vencer o sofrimento. Parece que Sakyamuni continuou as práticas ascetas durante seis anos e submeteu-se à prática com assustadora rigorosidade, ultrapassando os outros ascetas que ficaram muito impressionados. Entretanto, Sakyamuni não conseguiu encontrar o que buscava com as práticas ascetas e assim acabou rejeitando-as.

clip_image006A fim de recuperar seu corpo enfraquecido pela automortificação, ele passou a alimentar-se de coalhada que lhe era oferecida por uma jovem dessa cidade que se chamava Sujata. Recuperando as energias, seguiu em direção à uma árvore pippala (denominada também de assattha ou ashvattha) perto de Gaya. Sob esta árvore ele ficou sentado e entrou em meditação e finalmente atingiu a iluminação e se tornou um Buda ou o “Iluminado”. Dizem que ele estava com trinta e cinco anos nessa ocasião (e outras fontes dizem trinta).

Mais tarde, o local onde Sakyamuni esteve sentado em meditação passou a se chamar Buddhagaya (agora chamado Bodhgaya) em homenagem à sua iluminação. A árvore assattha passou a se chamar árvore Bodhi.

Durante as cinco semanas após sua iluminação, Sakyamuni permaneceu sentado sob a árvore Bodhi e nas três semanas seguintes, percorreu as áreas próximas envolvido pela alegria da emancipação. Entretanto, apesar do júbilo, ele sentia-se preocupado com o pensamento de que sua iluminação à Lei da Vida fosse de difícil compreensão e sua mente vacilava se deveria ou não tentar ensinar aos outros o que havia atingido. Nessa hora, o deus budista Bonten (Brahma) apareceu e pediu a Sakyamuni para ensinar a sua iluminação às pessoas e ele finalmente concordou. A história da aparição de Bonten é considerada como a representação do conflito íntimo de Sakyamuni quanto a ensinar ou não a Lei.


Colocando em movimento a roda da Lei

clip_image008Assim que decidiu ensinar a Lei, Sakyamuni levantou-se do lugar de sua meditação. Primeiro, lembrou-se respeitosamente dos seus dois primeiros mestres e desejou pregar-lhes a Lei, porém os dois já tinham morrido. Em seguida, pensou em ensinar também aos cinco monges que com ele havia praticado o asceticismo. Naquela época quando Sakyamuni abandonou a prática asceta, estes monges afastaram-se pensando que ele havia desistido de buscar a verdade. Eles foram para o Parque do Gamo (atual Sarnath) perto de Baranasi (Benares) onde continuaram suas austeridades. Este local era também chamado de Rishi-patana ou “o local onde os eremitas se reúnem”.

Como o nome mostra, naqueles dias os praticantes religiosos se reuniam nesse local. Com a decisão de ensinar a Lei aos cinco monges, Sakyamuni deixou Bodhgaya e seguiu para o Parque do Gamos. Os cinco monges, quando viram Sakyamuni se aproximar, ignoraram-no por considerá-lo um apóstata. Entretanto, quando ele chegou perto, os monges ficaram impressionados pela sua dignidade e ouviram sua pregação.

Este foi o primeiro sermão de Sakyamuni, que é conhecido como “colocando em movimento a roda da Lei”. Entre os cinco ascetas, Kaundinya foi o primeiro a compreender as palavras de Sakyamuni e imediatamente tornou-se seu discípulo. Os demais também compreenderam logo seu ensino e se converteram. Nessa época, o Sangha ou a Ordem Budista se formou e os três tesouros do Buda, da Lei e da Ordem Budista (Sacerdócio) foram estabelecidos.

Atividades da propagação

Após o primeiro sermão, as atividades de Sakyamuni para ensinar e converter as pessoas avançaram rapidamente. Ele voltou do Parque do Gamo para Baranasi onde converteu Yasha, filho de um homem muito rico. Em Baranasi, cerca de seis pessoas tornaram-se seus discípulos. Daí ele voltou ao local da sua iluminação em Bodhgaya, onde converteu três irmãos que eram líderes dentre os ascetas brâmanes: Uruvela Kashyapa, Nadi Kashyapa e Gaya Kashyapa. Ao mesmo tempo, os seus seguidores que eram em torno de mil pessoas, também se tornaram seguidores do Buda. Assim, a pequena comunidade budista cresceu de uma vez contando com um grande número de seguidores.

Acompanhado por seus milhares de novos seguidores. Sakyamuni seguiu para Rajagriha. Aí, o Rei Bimbisara espontaneamente converteu-se ao budismo e se tornou um adepto leigo. Ele construiu o mosteiro Bosque de Bambus nas redondezas da cidade e doou-o ao Buda.

clip_image010Foi em Rajagriha que Shariputra (Sharihotsu) e Maudgalyayana (Mokuren), que mais tarde se tornariam dois discípulos mais importantes de Sakyamuni, se converteram ao ensino do Buda. Eles eram discípulos de Sanjaya, um dos seis pensadores influentes que se livrou das velhas tradições brâmanes. Sanjaya tinha 250 discípulos incluindo Sharihotsu e Mokuren. Todos eles abandonaram Sajaya e entraram para a Ordem Budista.
Durante os 45 ou 50 anos desde que atingiu a iluminação até sua morte, Sakyamuni continuou a sua viagem pela Índia e propagou ativamente seus ensinos.

Entre os lugares por onde andou, as cidades em que ele concentrou mais esforços foram: Rajagriha em Magadha; Shravasti, capital de Kosala; Vaishali, capital de Vrijii; e Kaushambi, capital de Vatsa. E foi, particularmente, em Shravasti e Rajagriha que ele permaneceu por muito mais tempo e expôs a maior parte dos ensinos do que em outros lugares.

Já nos referimos às atividades de propagação do Buda em Rajagriha.

Além do mosteiro do Bosque de Bambus, Gridhrakuta (Pico da Águia) e Saptaparna-Guha (Gruta das Sete Folhas), onde a primeira assembléia para compilar os sutras realizaria mais tarde, eram os lugares favoritos para sua pregação. Mahakashyapa (Makakasho), que após a morte de Sakyamuni tornou-se o líder da Ordem, também era natural de uma localidade próxima a Rajagriha.

Nos últimos anos de Sakyamuni, aconteceu uma desgraça em Rajagriha: o Rei Bimbasara, protetor do budismo, foi morto por seu filho Ajatashatru (Ajase) que apoderou-se do trono. Mais tarde, entretanto, Ajase arrependeu-se de sua ação e se tornou seguidor de Sakyamuni.

Em outra cidade, Shravasti, um rico comerciante chamado Sudatta converteu-se ao budismo. Este fato favoreceu decisivamente para a propagação do Budismo nessa cidade. Sudatta era também chamado de Anathapindada, ou “benfeitor dos necessitados”. Como o nome indica, ele era um homem virtuoso que dava comida aos pobres e desamparados. Quando esteve em Rajagriha a negócios, ele foi ver Sakyamuni que se encontrava no mosteiro do Bosque de Bambus e se tornou seu seguidor. Ao voltar para Shravasti, ele recebeu um pedaço de terra nos arredores da cidade onde construiu um mosteiro e o doou à Ordem Budista. É o famoso mosteiro Jetavana, que ao lado do mosteiro Bosque de Bambus são considerados os dois locais centrais a pregação de Sakyamuni. O mosteiro Jetavana parece ter-se tornado no local central das atividades de Sakyamuni na época dos seus três meses de retiro que acontecia na temporada da chuva, durante vinte e cinco anos, desde o vigésimo ano após ter atingido a iluminação, até um ano antes de sua morte. Isto significa que as atividades da propagação centralizaram-se em Shravasti em Kosala onde se encontrava o Mosteiro Jetavana. Inclusive Prasenajit, o rei de Kosala, e sua esposa, a rainha Mallika, converteram-se ao budismo.

Naturalmente, Sakyamuni acabou trazendo seu ensino à sua terra natal, Kapilavastu. Após atingir a iluminação, ele fez várias viagens que resultaram na conversão de seu filho, Rahula; seu meio-irmão mais novo, Nanda; seus primos, Ananda, Aniruddha e Devadatta; e um barbeiro chamado Upali. Como é bem conhecido, Devadatta, mais tarde, se opôs a Sakyamuni e tramou a desunião na comunidade budista. Inclusive instigou Ajatashatru a assassinar o pai de Bimbisara.

Sakyamuni permitiu também que a sua mãe de criação, Mahaprajapati, entrasse para a comunidade budista, formando assim a Ordem das Monjas Budistas.

A ruína de Kapilavastu e do clã Sakya foi uma tragédia que ocorreu no último ano de vida de Sakyamuni. Conta-se que Vidudabha, rei de Kosala e o filho de Prasenajit, conquistaram Kapilavastu e destruíram os Sakyas para satisfazer o ódio que nutriam por eles.

Não só Sakyamuni mas seus discípulos também se esforçaram na propagação da lei. Entre esses discípulos, Mahakatyayana, natural do Estado de Avanti, na parte oeste da Índia central, conseguiu converter muitas pessoas, inclusive o próprio rei Purna que propagou os ensinos do Buda, na terra de sua origem Sunaparanta, que se situava ao norte da atual cidade de Bombay, na Índia Ocidental. Assim, mesmo nos dias de Sakyamuni, o budismo se propagou não somente na Índia central como também nos locais mais distantes.


Entrar no Nirvana

Supõe-se que Sakyamuni faleceu com oitenta anos de idade. Um ano antes, ele permaneceu em Gridhrakuta em Rajagriha de Magadha. Nessa época, Ajatashatru, rei de Magadha, estava tentando conquistar a confederação de Vrijji. Sakyamuni sugeriu-lhe que, uma vez que o povo de Vrijji segue as sete regras para a prosperidade que ele havia ensinado, seria difícil conquistá-lo e assim persuadiu-o a desistir de sua ambição. As sete regras são: 1) reunir e discutir sobre a distribuição de bens; 2) manter o respeito mútuo entre o rei e seus súditos e realizar todos os trabalhos em perfeita união; 3) observar as leis do estado evitando mudanças arbitrárias; 4) obedecer aos pais e respeitar os mais velhos; 5) manter o decoro entre o marido e mulher assim como entre os homens e mulheres; 6) honrar os santuários dos deuses; e 7) proteger os praticantes religiosos e fazer oferecimentos a eles. Sakyamuni deixou estas diretrizes ao mundo religioso e mais sete preceitos semelhantes a fim de assegurar a continuidade da Ordem.

clip_image012Por fim Sakyamuni deixou Rajagriha e partiu para sua última viagem. Seguindo em direção ao norte, ele passou por Nalanda e chegou a aldeia de Palati onde viu a construção de um castelo fortemente reforçado e predisse que esse local teria um futuro próspero. Essa era a aldeia de Pataliputra (atual Patna), que mais tarde se tornou a capital de Magadha. A seguir ele atravessou o Ganges e chegou a Vaishali, capital de Vrijii, onde Sakyamuni pregou a Lei a uma cortesã chamada Ambapali, que doou a sua plantação de mangas à Ordem.
Depois disso Sakyamuni seguiu para a aldeia de Beluva nos arredores de Vaishali, onde passou seu último retiro da temporada de chuva. Durante esse retiro, Sakyamuni adoeceu seriamente e sofreu dores violentas. Dizem que um demônio apareceu e estimulou-o a entrar no Nirvana, mas Sakyamuni recusou e disse que não poderia morrer até que transcorresse mais três meses.
Sakyamuni recuperou a saúde e partiu de Vaishali. Continuou sua pregação em muitas aldeias, chegando a Pava no local denominado Malla. Nesta aldeia Sakyamuni adoeceu novamente após comer uma refeição oferecida por Chunda, ferreiro dessa localidade. Está registrado que sua doença era acompanhada de diarréia e hemorragia intestinal. Dizem que a comida oferecida era de carne de porco ou alguma espécie de cogumelos.

Apesar da dor, ele continuou sua jornada e chegou a Kushinagara (atual Kasia). Num bosque de árvores Sal, nos arredores da cidade, Sakyamuni calmamente deitou-se sobre o seu lado direito com a cabeça voltada para o norte, disse suas últimas palavras e faleceu.

Quando Sakyamuni adoeceu seriamente em Vaishali, durante seu último retiro na temporada da chuva, ele disse: “O que a Ordem espera de mim? Tenho ensinado a Lei sem fazer nenhuma distinção entre as doutrinas exotéricas e esotéricas. O Todo Iluminado não mantém sua mão fechada como se escondesse algo de seus discípulos.”

Como seu fim estava próximo, Sakyamuni deixou aos seus discípulos as instruções referentes à Ordem. Ele disse: “Não deve, pensar que as palavras do seu mestre não existem nem tampouco que perderam seu mestre. Os ensinos e preceitos que lhes ensinei serão seu mestre.”

Dessa forma Sakyamuni explicou que em vez de depender de uma pessoa específica como seu líder, os seus discípulos deveriam confiar na Lei como seu líder. Anteriormente, ele havia dito que não se considerava o líder da Ordem.

Mais uma afirmação famosa que ele fez para o Sangha (Ordem Budista) durante o último retiro: “Portanto, vocês devem ser suas próprias lâmpadas1. Tome a si mesmo como seu refúgio. Não busque refúgio fora de si mesmos.”

clip_image014As últimas palavras de Sakyamuni foram: “A morte é inerente a todas as coisas compostas. Busque a sua salvação com dedicação.”

Os Mallas de Kushinagara receberam os restos mortais de Sakyamuni e os cremaram sete dias depois. As cinzas foram divididas em oito porções e entregues a Ajatashatru, rei de Magadha, aos Licchavis de Vaishali, aos Sakyas de Kapilavastu e aos outros. Foram construídos santuários2 para proteger as relíquias, assim como o receptáculo usado na cremação e as cinzas do fogo. Assim, dez santuários foram construídos em várias partes da Índia.

Notas
1) Lâmpada: A palavra dipa, que aparece numa outra versão do texto, significa “lâmpada” tanto em sânscrito como em pali. Entretanto, uma outra versão sânscrita lê-se dvipa (“ilha”) em vez de dipa.

2) Santuários: Túmulos com forma de cúpula, originalmente construídos para manter os restos mortais. Dizem que antecedem o budismo e originaram-se dos túmulos para sepultamento. A Iluminação de Sakyamuni e seus Ensinos
Compreensão da Lei da Vida

Como foi a iluminação de Sakyamuni? Como lhe foi possível tornar-se Buda? Conforme pudemos ver, a razão de sua renúncia ao mundo era o desejo de solucionar o problema dos quatro sofrimentos: nascimento, velhice, doença e morte. Conclui-se que o que ele atingiu seja a chave desta solução. Este é um dos pontos mais importantes que devemos ter em mente quanto à compreensão dos ensinos do Buda.

Simplificando, Sakyamuni despertou para a Lei da vida que permeia o universo, a natureza, o ser humano e todos os outros fenômenos. Aqui “Lei” significa uma verdade externa ou princípio. Sakyamuni iluminou-se para a verdade de que todo o universo é uma entidade e que nada existe à parte da Lei da vida.

clip_image016Imaginemos por um momento o seu íntimo quando se sentou sob a árvore Bodhi. Sakyamuni, após recuperar sua saúde, entrou em meditação. A meditação é uma forma de ir além do nível comum da consciência. Sakyamuni provavelmente atingiu os domínios da inconsciência e finalmente deve ter experimentado um momento em que seu próprio ser fundia-se com a vida cósmica. Nas primeiras fases da meditação, conforme registrado, ele estava consciente de sua mente estar cercada pelas paredes externas, por assim dizer, do seu corpo, e também pelas circunstâncias externas. Em outras palavras, ele ainda estava consciente da distinção entre o eu e o objeto. À medida em que sua meditação prosseguia, ele provavelmente deve ter atingido as profundezas de sua mente. No fim do processo da meditação, ele deve ter entrado no imenso oceano da vida onde todas as diferenças entre o corpo e a mente, o eu e as circunstâncias, são totalmente eliminadas. Conseqüentemente, ele deve ter experimentado um sentimento dinâmico em que seu corpo e todos os fenômenos ao redor dele passavam pela formação e desintegração em harmonia perfeita com o ritmo da formação e desintegração manifestado pela Lei da vida. Em outras palavras, ele compreendeu a verdade eterna de que o ritmo da vida cósmica mantém, na essência, seu próprio corpo e todos os fenômenos. Diante dos olhos iluminados de Sakyamuni, a relação mútua de todas as coisas fora revelada.

Todas as coisas e todos os fenômenos do imenso universo passam por constantes mudanças. A sociedade e a natureza não param de transformar um momento sequer. Todos os fenômenos aparecem e desaparecem devido a sua relação com os outros fenômenos. O ciclo da formação e desintegração do universo influencia a formação e desintegração da natureza, que por sua vez está intimamente ligado à vida humana. Assim tudo está ligado tanto em termos de tempo e espaço. Nesta relação mútua, todas as coisas passam pelo nascimento e morte, mantendo dessa forma o todo. Este é o verdadeiro aspecto de todas as coisas. Na relação mútua, todos os fenômenos assumem o aspecto de causa numa ocasião e o aspecto de efeito em outra. Sakyamuni despertou para a mística realidade da vida em que todas as coisas do universo inclusive a vida humana se relacionam, permeiam e influenciam entre si.

Em resumo, Sakyamuni despertou-se para a Lei da vida eterna que permeia o universo. Assim ele se tornou um Buda. Através dessa iluminação, ele foi capaz de solucionar o problema sobre o qual meditara por longo tempo: os quatro sofrimentos do nascimento, velhice, doença e morte. Ao mesmo tempo, esta solução abriu um caminho para livrar todas as pessoas desses sofrimentos básicos.

Características do Budismo

clip_image018Talvez o budismo seja a única entre todas as maiores religiões que não clama pela revelação divina. Mais propriamente, é o ensino do ser humano que com seu próprio esforço, desperta para a Lei da vida que existe dentro de si mesmo. Deve se ter em mente que esta Lei exposta no budismo é eternamente inerente ao universo e a todos os fenômenos. Isto não foi estabelecido por Sakyamuni. Depois que atingiu a iluminação, dizem que Sakyamuni afirmou que ele simplesmente despertou para uma Lei que existe desde o infinito passado, e que outros budas também tinham atingido a iluminação para esta mesma verdade antes dele. Entretanto, uma vez que ele é o primeiro Buda conhecido neste mundo, é considerado o fundador histórico do Budismo.

A palavra “Buda” significa “aquele que despertou” ou um ser que se iluminou para a verdade. Era um nome muito comum usado na Índia nos dias de Sakyamuni. Esse é um ponto muito importante no sentido em que a iluminação não é considerada como algo exclusivo de uma única pessoa. O budismo reconhece a existência de outros budas além de Sakyamuni. Por esta razão, quando se fala de Sakyamuni, ele é frequentemente chamado de Buda Gautama, usando o nome de sua família. Sakyamuni significa “o sábio dos Sakyas”.

O fato de que um Buda é um nome comum significando uma pessoa iluminada, demonstra que qualquer um que desperta para a verdade se torna um Buda. Nisto encontramos a visão caracteristicamente igualitária do budismo onde a verdade é acessível a todos. Neste sentido, o budismo não quer dizer somente o ensino do Buda, mas o ensino que capacita a todos se tornarem budas.

Só se pode determinar se alguém é ou não um Buda através do fato dele estar ou não iluminado para a eterna Lei da Vida. Assim não existe distinção entre o Buda e o mortal comum, comparável a existente entre deus e os seres humanos nas religiões monoteístas. A intenção de Sakyamuni era mostrar que todos os seres humanos podem atingir o estado de Buda, ensinando-lhes a maneira de se atingi-lo.

Esta é na verdade a questão vital — como um mortal comum pode compreender a Lei da Vida. Se esta parte não for esclarecida, a iluminação de Sakyamuni permanece como uma mera teoria, incapaz de salvar as pessoas de seus sofrimentos. Os ensinos de Sakyamuni objetivam acima de tudo o esclarecimento desta questão.

Preservando profunda e carinhosamente em seu coração a iluminação que atingira sob a árvore Bodhi, ele viajou pela da Índia por aproximadamente meio século, pregando ao povo sofredor de forma mais acessível conforme capacidade de compreensão dessas pessoas. Seus ensinos foram compilados no assim chamado 84 mil ensinos, os quais são mantidos até os dias de hoje.

Com os seus olhos iluminados, Sakyamuni percebeu que os desejos e os apegos impossibilitavam as pessoas enxergar a Lei da Vida nas profundezas do seu ser. Nesse sentido, os desejos e os apegos expressam especificamente a ilusão de que uma pessoa é absoluta, o que leva as pessoas a ver o mundo e a sociedade de forma egocêntrica. Sakyamuni ensinou que com a transformação dos desejos e apegos, pode-se despertar para o verdadeiro aspecto da vida, no qual a vida e todas as coisas do universo estão ligadas e que são inseparáveis da vida cósmica.

Os quatro sofrimentos do nascimento, velhice, doença e morte são causados pela idéia de que a pessoa existe independentemente da natureza e do universo e que se pode viver uma vida egocêntrica. Em outras palavras, os quatro sofrimentos originam-se da seguinte idéia: “Eu sou um ser absoluto.” Ao basear nossa existência na vida cósmica que eternamente permeia o imenso universo, podemos transformar os quatro sofrimentos: nascimento, velhice, doença e morte nas quatro virtudes nobres do Buda: eternidade, felicidade, verdadeiro eu e pureza. A finalidade última dos ensinos de Sakyamuni era esclarecer este único ponto.

As doutrinas budistas sobre a transitoriedade, a negação do ego e o Nirvana que aparecem nos primeiros sutras, assim como o conceito da dependência da criação ou princípio da causalidade, foram expostos com a finalidade de despertar as pessoas para a Lei da Vida inerente no âmago de seu ser. Entretanto, Sakyamuni ensinou simplesmente que a Lei da Vida existe; ele não revelou concretamente o que ela é. Pode-se dizer que aqui se encontra a maior limitação do seu ensino. Os povos da época de Sakyamuni estiveram em contato com a pessoa que incorporava a Lei da Vida e dela receberam os ensinos apropriados à capacidade de compreensão de cada um, para assim libertarem-se dos quatro sofrimentos. Entretanto, após a morte de Sakyamuni, o budismo enfrentou um período de grande desafio para manter seu objetivo original de conduzir todas as pessoas à iluminação.


A transmissão e o estabelecimento do budismo

Compilação do Cânone Budista

Após a morte de Sakyamuni, seus discípulos defrontaram-se inicialmente com a tarefa de compilar, sem nenhum erro, os ensinos que o Buda havia exposto pelo período de quarenta e cinco a cinqüenta anos de maneira que pudessem ser transmitidos às gerações futuras. Este trabalho era importante no sentido de manter o desejo de Sakyamuni de que seus ensinos e preceitos se tornassem o mestre de cada um, após sua morte.

clip_image020A primeira assembléia para a compilação dos ensinos do Buda aconteceu no local denominado gruta das Sete Folhas, perto de Rajagriha, capital do Estado de Magadha, na Índia Oriental. Essa assembléia se realizou três meses após a morte do Buda e dela participaram quinhentos monges e Mahakashyapa presidiu a conferência. Ele perguntou a Ananda sobre as doutrinas e a Upali sobre as regras das disciplinas. Ambos recitaram as doutrinas e os regulamentos conforme haviam ouvido do Buda. Ananda fora escolhido para recitar os ensinos do Buda porque ele acompanhou Sakyamuni por um longo período e, como seu auxiliar pessoal, havia captado mais do que qualquer outro discípulo a respeito dos seus ensinos. Upali fora escolhido devido sua fama como “o mais notável” a respeito das disciplinas, dominando a fundo as regras e os regulamentos. Quando interrogado por Mahakashyapa sobre o local e o que Sakyamuni havia pregado, Ananda costumava dizer, “Assim eu ouvi. O Buda estava certa vez em...” Todos os sutras iniciam com a frase “Assim eu ouvi” e dizem que ela se origina da recitação de Ananda.

Os membros que participaram dessa assembléia confirmaram a retidão das recitações de Ananda e Upali referentes às palavras do Buda e em seguida todos recitaram de novo em uníssono estabelecendo dessa forma a versão definitiva. Entretanto, não foi feito o apontamento dessa versão, uma vez que na Índia antiga a palavra escrita era considerada vulgar e predominava a idéia de que os ensinos religiosos não deveriam ser gravados em foram escrita, mas transmitidos através da memória.

Após a primeira assembléia, obedecendo a vontade de Sakyamuni, a Ordem acatou as doutrinas e os regulamentos compilados nessa ocasião, tomando-os como seu mestre e neles basearam suas atividades.

Com o impulso dado pela primeira assembléia, a Ordem tomou um grande interesse pela organização e compilação dos ensinos de Sakyamuni. Durante um século após a assembléia, as regras das disciplinas foram compilados e preservados em uma parte do cânone conhecido como Vinaya, e as doutrinas foram compiladas em uma outra parte conhecida como sutras. Essas doutrinas constituem a forma original dos sutras Agama (Agon) que foram compilados mais tarde. Cada uma dessas divisões era denominada de pitaka, que quer dizer “cesta”. Posteriormente, o abhidharma ou comentários foi acrescentado, formando assim o tripitaka (três cestas) ou as três divisões do cânone budista.

Quase um século após a morte de Sakyamuni, ocorreu um incidente de grande repercussão. Um grupo de monges de Vaishali, progressiva cidade comercial localizada na Índia Oriental, apelava por uma interpretação mais flexível dos dez preceitos, uma série de regulamentos cumpridos pela Ordem.

Esses preceitos proibiram que os monges armazenassem qualquer espécie de alimentos. Era proibido comer após o meio-dia como também aceitar oferecimento em dinheiro. Provavelmente as mudanças de condições que ocorreram em Vaishali levaram os monges dessa cidade a propor que a hora permitida para comer fosse prolongada para pouco mais tarde e que os membros da Ordem pudessem aceitar uma quantia especificada de donativos em dinheiro. Essas propostas provocaram uma controvérsia considerável na Ordem.

Uma outra disputa, de natureza doutrinal, começou em Pataliputra e implicava na afirmação de que os arhats3 ainda conservavam as cinco fraquezas humanas. Por exemplo, esta nova interpretação sustentava que os arhats não estavam livres da ignorância e que às vezes sentiam dúvidas. O ponto controverso estava em aceitar ou não estas “cinco novas opiniões”.

Nota

3) Arhats — praticantes que atingiram o mais alto estágio da iluminação Hinayana no qual todos os desejos mundanos e todas as ilusões são erradicados.

Do nosso ponto de vista, estas controvérsias a respeito dos dez preceitos e as cinco características de um arhat, podem parecer exageradamente relevante, entretanto na época, o tumulto criado em torno desse assunto reflete a fé da Ordem Budista na santidade e inviolabilidade dos princípios e das regras da disciplina.

Do ponto de vista geográfico, os monges ativos das cidades localizadas na Índia oriental eram relativamente flexíveis quanto à interpretação das doutrinas e das regras da disciplina. Em contraste, os monges do lado ocidental, que ainda se encontravam sob certa influência do Bramanismo, davam ênfase à interpretação literal e ao cumprimento severo dos regulamentos. As controvérsias sobre os dez preceitos e as cinco novas opiniões eram na verdade uma disputa entre monges progressistas favoráveis às interpretações flexíveis e monges conservadores que insistiam na fidelidade ao sentido exato do ensino.

Conseqüentemente a Ordem Budista dividiu-se em dois. Um grupo denominou-se Threravada ou “Ensino dos Veteranos”, do qual faziam parte os seguidores rígidos, os monges mais conservadores. O número de monges veteranos desse grupo era consideravelmente maior. O outro grupo se chamava Mahasanghika ou “Membros da Grande Ordem”. Esta escola reivindicava monges mais tolerantes e progressistas e tinham a denominação de “Membros da Grande Ordem” porque um grande número de monges ingressaram nela. Essa divisão em grupos hostis ocorreu a cerca de cem anos após o falecimento de Sakyamuni e originou as controvérsias em torno dos dez preceitos e as cinco novas opiniões. Mais tarde, essas duas escolas subdividiram-se e no final do primeiro século antes de Cristo existiam no total, cerca de dezoito a vinte escolas.

Como resultado, os sutras e as regras da disciplina foram preservados e transmitidos em cada uma dessas escolas. Cada escola transmitia e acrescentavam novos ensinos à luz de sua interpretação particular.

Entre os sutras transmitidos pelos inúmeros grupos formados pela divisão Theravada e Mahasanghika, uma versão pali e uma versão chinesa foram preservadas até os dias de hoje. Esses sutras são genericamente denominados Agamas em Pali e compõem a parte do sutra conhecido como Cânone Pali da Escola do Sul do Budismo Theravada.

A palavra pali Agama significa “os ensinos transmitidos pela tradição”. O Agama consiste de cinco partes. No século I a.C., o Agama foi registrado por escrito. A versão chinesa do Agama tem quatro partes. As cinco partes do Agama pali foram transmitidos integralmente pela Escola Theravada do sul, enquanto que cada um das quatro partes do Agama chinês foi transmitido por diferentes escolas.


O Estabelecimento do Budismo

No capítulo anterior foi discutido a compilação dos ensinos de Sakyamuni e também a divisão da Ordem. Nessa segunda parte vamos ponderar se de fato a iluminação e os ensinos de Sakyamuni foram transmitidos corretamente conforme o desejo dos seus devotados discípulos.

O estabelecimento dos ensinos de Sakyamuni apresentou um grande problema. Conforme mencionado anteriormente, Sakyamuni ensinou de várias formas, conforme a compreensão e a situação de cada ouvinte, baseando-se na imutável Lei da Vida que ele mantinha em seu coração. Com a percepção iluminada, ele percebia imediatamente o nível de compreensão e as circunstâncias dos seus ouvintes, dando-lhes respostas e explicações mais adequadas. As palavras do Buda referentes aos princípios e regras da disciplina estavam, sem dúvida, vivas e eram importantes na época em que ele dialogava com as pessoas.

Dessa forma, em cada ocasião, o Buda ensinava sobre a Lei de acordo com as circunstâncias e a capacidade de compreensão de seus ouvintes. Entretanto, à medida em que os seus ensinos eram compilados e colocados em formas definidas após a sua morte, eles ficaram separados pelo nível de compreensão dos ouvintes e das circunstâncias em que os mesmos foram pregados. Nesse processo, as próprias palavras do Buda — mais propriamente do que se pretendia transmitir — passaram a ter autoridade absoluta.

Por exemplo: existe uma doutrina budista que diz que todos os fenômenos são transitórios. Este ensino foi exposto a fim de fazer com que as pessoas compreendessem que elas estão apegadas às coisas efêmeras e que tal apego é tolice pois, ao se apegar a algo que por sua própria natureza estão destinadas a se transformar, isto só resultaria em sofrimentos. Através deste ensino sobre a transitoriedade de todos os fenômenos, o Buda procurou enfim despertar as pessoas para a fundamental e imutável Lei da Vida.

Entretanto, as palavras, “a transitoriedade de todos os fenômenos”, em si passaram a ter a autoridade absoluta. Essa ênfase mudou a verdadeira intenção de Sakyamuni devido a interpretação dada às palavras separadamente. “Por que todos os fenômenos são transitórios?”, “Qual definição de efêmero?” Como resultado, os ensinos compilados ficaram separados de sua finalidade original e os meios foram confundidos com o fim. Inúmeros ensinos budistas eram somente para despertar as pessoas para a Lei da Vida, que o próprio Sakyamuni havia compreendido. Entretanto, as palavras “transitório”, “negação do ego”, “causa”, etc., passaram a ser consideradas como o objetivo em si.

Assim, a profunda e ampla iluminação de Sakyamuni ficou limitada pelas palavras e suas interpretações. Dizem que na ocasião da Primeira Assembléia em Rajagriha, Purna, um dos discípulos mais importantes de Sakyamuni, estava ausente. Quando ele regressou a Rajagriha e ouviu a respeito da compilação, dizem que ele se expressou da seguinte maneira: “Está certo que os veteranos tenham compilado as doutrinas e as regras da disciplina, mas eu continuarei a segui-las conforme ouvi diretamente do Universalmente Honrado.” Não considerando se este episódio é historicamente verdadeiro ou não, percebe-se uma preocupação de que a compilação das doutrinas tenha resultado em torná-las rígidas.

clip_image022Além dos problemas apresentados pelo estabelecimento do budismo, a Ordem estava com dificuldades devido à irresistível grandeza da imagem de Sakyamuni. A reverência ao falecido Buda deu-lhe dimensões cada vez maiores sobre os seres humanos, a ponto de seus seguidores desistirem da idéia de se tornarem um Buda e limitaram-se à condição de shomon — aqueles que recebem os ensinos do Buda. Apesar de que essa idealização de Sakyamuni seja realmente compreensível, ela apresentou um problema sério para as gerações futuras. Isto é, Sakyamuni passou a ser o único “Buda”. Isto de maneira interessante coincidiu com o apogeu do movimento Mahayana. Este assunto será discutido posteriormente.

O aspecto mais característico do abhidharma do Theravada conforme representado pelo Kusha Ron é a sua visão do estado de Buda e da prática budista. Conforme mencionado anteriormente, os Theravadas veneravam o Buda Sakyamuni tão profundamente que acabaram desistindo da idéia de se tornarem Budas e procuraram atingir o estado de arhat, o estágio mais elevado que as pessoas de shomon poderiam atingir. A palavra arhat originalmente significava Buda, assim como as palavras Tathagata e Bhagavata4. Entretanto, os Theravadas disseram que é necessário eliminar todos os desejos mundanos e livrar-se da transmigração nos seis caminhos5, e mesmo que alguém atinja esse estado, ele ainda é um Buda. Poucas pessoas foram consideradas capazes de se tornarem budas. O estado de Buda só poderia ser atingido pela pessoa que, como um bodhisattva, tivesse levado uma vida de práticas benevolentes pelo bem dos seus semelhantes por incontáveis existências. Acreditava-se que tal tipo de pessoa praticamente não existia. Os Theravadas fizeram uma distinção bem clara entre os caminhos de um mortal comum para o arhat e os caminhos de um bodhisattva para o Buda. O último caminho, eles concluíram, era quase impossível de se atingir.

Notas

4) Tathagata e Bhagavat: dois dos dez títulos honoríficos do Buda. Tathagata significa “aquele que atingiu a verdade”. Bhagavat ou “o abençoado” foi traduzido para o chinês como “o Venerável”.
5) Transmigração nos seis caminhos: O ciclo do nascimento e morte que os mortais comuns, que estão no estado da ilusão, sentem. Os seis caminhos são: Inferno, Fome, Animalidade, Ira, Tranqüilidade e Alegria. “Transmigração nos seis caminhos” representa também os sofrimentos que as pessoas comuns que não atingiram a iluminação repetem existência após existência.
Um complicado sistema de prática envolvendo muitos graus foi estabelecido por meio do qual um mortal comum provavelmente atingiria o estado de arhat. Atingindo este estado, exigia-se que a pessoa eliminasse todos os desejos mundanos; assim uma complicada teoria sobre os desejos foi desenvolvida. À medida em que se vive, os desejos não podem ser erradicados completamente. Conclui-se, portanto, que uma pessoa só poderia atingir o estado de arhat na hora de sua morte. A visão e a prática baseadas neste pensamento foi acusada mais tarde de ensino da “redução do corpo às cinzas e da destruição da consciência” pelos budistas Mahayana.
A escola Mahasangrika, em contraste, desenvolveu uma visão mais livre e mais progressista, apesar de que eles também procuraram fugir do ciclo do renascimento e acreditavam que a prática benevolente pela salvação dos semelhantes era algo que somente o Buda poderia fazer. Neste sentido, a escola Mahasanghika não era substancialmente diferente dos Theravadas.
Por enquanto discutidos resumidamente a formação e as doutrinas de várias escolas e como elas perderam de vista a Lei da Vida que brilhava no coração de Sakyamuni e o seu espírito benevolente de salvar as pessoas do sofrimento. Contudo, devemos reconhecer os notáveis trabalhos de compilação e preservação dos ensinos de Sakyamuni, assim como os estudos doutrinais desses ensinos. Sem esses estudos, provavelmente o Budismo Mahayana jamais teria surgido.

Talvez a maior falha dessa escola foi o fato de não terem conseguido propagar o budismo para a felicidade das pessoas. O respeito ao Buda e o desejo de preservar seus ensinos, levaram os monges a se enclausurarem em mosteiros e dedicarem-se aos estudos doutrinais. Mas, como pudemos perceber, este fato provavelmente teve conseqüência inversa ao roubar do budismo o seu espírito original. Durante aproximadamente quinhentos anos após a morte de Sakyamuni, eles se aproveitaram principalmente de partes dos seus ensinos que fossem ao encontro às suas necessidades e desejos como monges que haviam renunciado ao mundo secular. Era inevitável que um novo movimento budista surgisse em resposta às necessidades, não somente dos monges, mas também dos praticantes leigos, como também da sociedade como um todo. Este foi o Budismo Mahayana, o qual comentaremos no próximo capítulo.


O Início e Desenvolvimento do Budismo Mahayana

O Movimento Mahayana

O culto dos santuários

Mahayana significa “grande veículo” e essa palavra é usada frequentemente como o oposto de Hinayana, que quer dizer “pequeno veículo”. Além do significado de “pequeno”, hina leva conotações tais como “excluído” e “inferior”. Hinayana era um termo pejorativo usado pelos budistas Mahayana para expressar o desprezo às escolas Theravada e as que dela se derivaram. É desnecessário dizer que essas escolas não usavam esse termo. Elas se mantiveram à distância do crescente movimento Mahayana e a escola Theravada, em particular, manifestou-se declarando que os ensinos do Mahayana tinha se propagado por toda a Índia, a escola Theravada ainda exercia uma considerável influência. Desde o início da era cristã até o século XIII, quando o budismo na Índia se encontrava quase que totalmente erradicado devido a invasão islâmica, as escolas mais antigas continuaram a existir juntamente com o Mahayana.

Antes do aparecimento do Budismo Mahayana, o Budismo Theravada foi introduzido no Ceilão, atual Sri Lanka, de onde se propagou para a Ásia sudeste, incluindo a Tailândia e Burma, e permanecem até os dias atuais. Este tipo de Budismo que se espalhou pelo sudeste asiático é conhecido como budismo do Sul.

Existem muitas coisas que desconhecemos a respeito da origem e do estabelecimento do Budismo Mahayana. De qualquer forma, parece-nos que ele surgiu, em parte, como um movimento de reforma em reação ao estreito escolasticismo do já estabelecido Budismo abhidharma. Alguns estudiosos modernos dão a entender que o movimento Mahayana surgiu com um grupo de seguidores budistas que praticavam o culto de santuários.

Conforme foi descrito no primeiro capítulo, Sakyamuni quando faleceu, teve seus restos mortais confiados aos leigos e não aos monges. E para tanto oito santuários foram construídos a fim de entesourar as relíquias, além de outros dois para entesourar também o objeto usado na cremação e as próprias cinzas. Estes foram os dez primeiros santuários budistas a serem construídos. E eles foram mantidos somente pelos leigos que os adoravam como santuários das relíquias do Buda. O clero não tinha nenhuma ligação direta com esses santuários.

Durante o reinado de Ashoka, rei da dinastia Maurya, um grande número de santuários foi construído e seu culto expandiu-se pela Índia. Enquanto os monges mais antigos retiravam-se nos grandes mosteiros onde se devotavam à prática dos preceitos e à escrita das interpretações doutrinais, os praticantes leigos devotavam-se à manutenção e adoração dos santuários, que, para eles, representavam o próprio Buda Sakyamuni. Esta prática fez nascer neles uma profunda fé religiosa que por sua vez aprofundava os laços de união.

À medida em que o culto dos santuários começou predominar; algumas escolas foram forçadas a fazer parte desse movimento. Outras escolas permaneceram indiferentes considerando que esse era um assunto que só se referia aos praticantes leigos. De qualquer forma, a prática do culto de santuários foi na maioria das vezes, levado a efeito independente da ordem dos monges.

Com o crescimento da dedicação no culto dos santuários, tornou-se comum a prática de oferecer terras, dinheiro e ornamentos de ouro e prata para contribuir com manutenção dos mesmo. Pode-se imaginar o aparecimento de um grupo de pessoas que se dedicavam totalmente à proteção e manutenção dos santuários. Essas pessoas não eram simples leigos nem tampouco monges das escolas existentes porém um grupo de budistas completamente pronto. Visando promover o culto de santuários entre os crentes, elas devem ter louvado as virtudes do buda e incutido a fé nos santuários. Essas pessoas desempenharam um papel importante para o aparecimento do Budismo Mahayana. Enquanto que no início elas simplesmente protegiam os santuários e louvavam as virtudes do buda, pois mantinham uma fé ativa entre os leigos, mais tarde tornaram-se o olho crítico do isolamento e academicismo estéril nas escolas tradicionais. Aqui, provavelmente, se encontra as origens do Budismo Mahayana. Desse ponto de vista, compreende-se que o Budismo Mahayana foi um movimento reformista que nasceu no meio das pessoas leigas.

Restabelecendo o espírito original do budismo

clip_image024O movimento Mahayana tomou um grande vulto. Os seus adeptos criticaram as escolas já existentes, ridicularizando-as de “hinayana”. Chamaram o novo movimento de “mahayana” e esforçaram-se para voltar ao espírito original de Sakyamuni. Conforme mencionados anteriormente, “mahayana” significa “grande veículo”. Aqui, veículo refere-se aos ensinos do Buda que conduze as pessoas da praia da ilusão à praia da iluminação. Conseqüentemente, a palavra “mahayana” significa o ensino que conduz todas as pessoas ao estado de Buda.
Conforme foi explicado no primeiro capítulo, a palavra “buda” era originalmente um nome comum que queria dizer “aquele que se despertou para verdade eterna ou a Lei da Vida”. Essa verdade transcende todos os limites de tempo e espaço; ela está sempre presente em todos os lugares. Neste sentido a Lei da Vida não é propriedade exclusiva de Sakyamuni, ou deixada somente para os monges budista. A verdade é que ela é acessível igualmente a todos os povos.

Os adeptos do Mahayana procuram restabelecer este espírito imparcial. Eles rejeitavam a diferença inerente entre o Buda e o mortal comum estabelecida pelas escolas existentes e consideravam que a única diferença estava no fato da pessoa estar iluminada e basear sua vida na verdade eterna ou Lei da Vida. Eles ensinaram que um mortal comum possui a natureza de Buda, e conseqüentemente, o potencial para se torna um Buda. Eles condenavam as escolas antigas de Hinayana (pequeno veículo) porque elas limitavam a possibilidade de se atingir o estado de Buda para uma pequena elite. Os adeptos do Mahayana deram grande importância ao fato de que, após a luminação, Sakyamuni dedicou-se de todo coração à iluminação das pessoas. Eles enfatizaram a prática de bodhisattva e denominaram-se bodhisattvas. As escolas antigas definiam como bodhisattva aquele que devotasse à prática altruísta por inúmeras existência a fim de se tornarem um Buda. O uso dessa palavra era limitado quase exclusivamente ao Buda Sakyamuni em suas existências prévia. No Mahayana, entretanto, a palavra bodhisattva tinha um significado mais amplo e queria dizer aquele que se dedica à salvação dos seres vivos e que se devota às práticas budistas com esse objetivo em mente. Enfatizavam ainda os espírito de compaixão acima de tudo e afirmavam que a salvação dos seus semelhantes tinha a prioridade à iluminação de uma pessoa. Eles criticavam as escolas tradicionais de egoístas e autocomplacente.


Compilação das escrituras Mahayana.

No intuito de restabelecer o espírito original do budismo, os seguidores do Mahayana produziram uma série de escrituras. Comparados aos áridos textos do Budismo de Abhidharma, muitas dessas escrituras Mahayana são extremamente poética e expressam simbolicamente a Lei da Vida que Sakyamuni compreendeu. Todas essas escrituras tinham forma de discurso do Buda dirigidos aos bodhisattvas e monges. Considerando que as escolas tradicionais compilaram os princípio e as regras que o histórico Buda Gautama havia exposto, as escrituras Mahayana visavam expressar a verdade eterna ou a Lei da Vida que permeava todo o ser do Buda Gautama. E os adeptos do Mahayana procuram fazer com que as pessoas dessa época compreendessem facilmente essas escrituras Mahayana. É por isso que o Buda que aparece nas escrituras Mahayana é frequentemente descrito como um ser superior e perfeito. Essas característica visavam simbolizar a grandeza da verdade que o Buda compreendeu e não o personagem histórico que ele foi. Sem a compreensão deste ponto, podemos perde de vista o verdadeiro significado das escritura Mahayana.

clip_image026As escrituras Mahayana são inúmeras e de diversos tipos. Os textos em si não mencionam quando, onde e por quem foram compiladas. De qualquer forma, um grupo de bodhisattvas que fez a propagação da Índia para a Ásia Central, personificaram sua fé em forma de escrituras baseados na iluminação do Buda Sakyamuni. Essas escrituras provavelmente tomaram forma no decurso de vários séculos. De acordo com os estudos modernos, os ensinamentos do Mahayana foram compilados durante um período de quase mil anos, desde o primeiro século a.C. até os séculos VII e IX da era cristã, e o processo de compilação pode ser dividido em três período principais. As escrituras do primeiro período foram compilados entre o primeiro século a.C. e o aparecimento do filósofo Mahayana chamado Nagarjuna , cerca dos anos 150-250. Os textos mais importantes são: Sutra Hannya, Sutra Vimalakirti, Sutra Terra Pura, dos quais fazem parte os Sutras Muryoju, Amida e Kammuryoju, Sutra Kegon e o Sutra de Lotús. As escrituras Mahayana do segundo período apareceram desde o tempo de Nagarjuna até Vasubdhu, por volta do quarto e quinto século da era cristã. As obras principais são os Sutras Daihatsunehan, Shrimala Guejimmitsu e Ryoga. E as escrituras do terceiro período são Sutras Esotéricos. Os textos principais são os Sutras Dainiti e Kongotyo.

O Sutra de Lotús

Entre as inúmeras escrituras Mahayana, o Sutra de Lotús é considerado, desde as época mais remotas, como o mais importante. O Sutra de Lotús contém a manifestação da iluminação de Sakyamuni na sua plenitude — a Lei da Vida — e harmoniza com êxito as escolas tradicionais com o Budismo Mahayana. Pode-se imaginar os compiladores do Sutra de Lotús como gênios que certamente tinham atingido a mesma iluminação de Sakyamuni. Provavelmente eles explicaram essa iluminação da forma mais acessível possível para compreensão de seus contemporâneos e a luz da condições vigentes do budismo dessa época.

O Sutra de Lotús tem sido respeitado desde os tempos antigos como o Sutra que Sakyamuni expôs a fim de realizar a finalidade do seu advento neste mundo. E esse respeito era natural devido ao seu conteúdo, do qual trataremos posteriormente. As pesquisas modernas estimam a datada de sua compilação em torno do século I ou II da era cristã cerca de cinco a seis séculos após a morte de Sakyamuni.

As versões existentes do Sutra de Lotús consistem de 27 a 28 capítulos. A primeira parte consiste dos dez capítulos, do 1º ao 10º . A segunda parte é composta de doze capítulos do 11º ao 22º, enquanto que a terceira parte consiste de cinco a seis capítulos, do 23º ao 27º ou 28º. Essas três partes correspondem às “três assembléias em dois locais”, isto é, a Cerimônia no Pico da Águia, a Cerimônia no Ar e a segunda Cerimônia no Pico da Águia, pelos quais os acontecimentos do Sutra estão divididos. As versões sânscritas existentes do Sutra de Lotús estão escritas em sânscritos budista, que não é uma linguagem literária pura do sânscrito pois contém muitas expressões de vernáculo hindu. Das seis versões chinesas, atualmente existem três e entre elas a tradução de Kumarajiva intitulada Myoho-rengue-kyo tem sido considerada desde os tempos antigos como excelente.

Tendo como referência o Myoho-rengue-kyo de Kumarajiva, tomemos uma visão global do Sutra de Lotús. Conforme foi mencionado uma teoria filósofica divide o Sutra de lotús em três partes. Falando doutrinalmente, podemos dividi-los em duas parte: os primeiros quartoze capítulos e os demais quatorze. A primeira metade tem a forma de pregação do Buda histórico que veio realmente a este mundo. A última metade é explanada pelo Buda original que se desfaz da sua identidade transitória como um Buda histórico e revela sua verdadeira identidade como o Buda que atingiu a iluminação num passado remoto. Esta divisão do Sutra de Lotús em duas partes é feita de acordo com a identidade do Buda ao expor a Lei. Em outras palavras a primeira metade expressa a Lei da Vida como um princípio ensinado pelo Buda histórico, enquanto que na última metade revela essa Lei como a vida do Buda eterno. A primeira metade é conhecida como um ensino teórico e a última metade é conhecida como o ensino essencial. Em termos de relação entre o Sakyamuni histórico da primeira metade e o Buda original ou eterno da segunda metade, o primeiro é considerado como uma manifestação comparada com o corpo e a sua sombra.

O capítulo mais importantes do ensino teórico é o segundo ou o capítulo Hoben. Nesse capítulo, Sakyamuni declara explicará a verdadeira finalidade dos ensinos provisórios com os quais ele havia conduzindo as pessoas até este ponto, revelando-lhes o verdadeiro ensino. Mais tarde ele declara que a fé nesse verdadeiro ensino conduzirá todas as pessoas ao estado de Buda.

Conforme comentamos anteriormente, os seguidores das escolas mais antigas procuravam se torna homens dos “dois veículos”, isto é, homens de Erudição e Absorção. Shomon (Erudição), literalmente significa aqueles que ouvem diretamente a voz do Buda e recebe o ensino dele. Isto é, homens de Erudição indicam os discípulos do Buda. No Budismo Mahayana, esta frase passou a indicar os praticantes do Hinayana que buscavam somente a auto-emancipação e não praticavam para beneficiar os seus semelhantes. Engaku (Absorção) originalmente significa aqueles que percebem as doze correntes ligadas da casualidade6 ou aqueles independentes dos ensinos do Buda compreendem a verdade da impermanência através da observação direta dos fenômenos. No Budismo Mahayana, este termo passou a significar praticantes auto complacentes que apesar de haverem atingido um certo despertar, não ensinam para as demais pessoas.

Em contraste a esses dois objetivos da Erudição e Absorção, o Budismo Mahayana estabeleceu o ideal do bodhisattva que se dedica ás práticas altruísticas. Através desses pontos de vista contratantes, tem-se a idéia de que o budismo anuncia três objetivos diferentes, isto é, os três veículos da Erudição, Absorção e Bodhisattva. Entretanto, os três veículos são harmonizados no capítulo Hoben do Sutra de Lotús. Esse capítulo revela que todos os três veículos são nada mais que meios transitório que o Buda estabeleceu para conduzir as pessoas para o único verdadeiro veículo. A escola Tient’ai, fundada posteriormente na China denomina essa revelação “substituindo os três veículos por um veículo”. E “um veículo” significa o único veículo que conduz todas as pessoas ao estado de Buda. Por esta razão, esse único veículo é também chamado de supremo veículo do estado de Buda. O capítulo Hoben revela que o único objetivo do Buda era expor esse supremo veículo do estado de Buda.

O capítulo Hoben do Sutra de Lotús contém uma afirmação atribuída ao Buda histórico de que os três veículos são ensinos temporários expostos como um meio e que o supremo veículos do estados de Buda é o ensino último. Essa afirmação é característica do Sutra de Lotús como um ensino que procurou unificar as doutrinas do mundo budistas da época. As escolas antigas, representadas no Sutra como pessoas da Erudição e Absorção, eram opostas ao novo Budismo Mahayana representado pelos bodhisattva. O Sutra de Lotús transcedente e resolve esta confrontação ao retornar à verdadeira intenção de Sakyamuni em conduzir todas as pessoas ao estado de Buda.

Conforme vimos anteriormente, o Movimento Mahayana empenhou-se em voltar ao espírito original de Sakyamuni, afirmando que qualquer um pode atingir o estado de Buda ao despertar para eterna Lei da Vida. Entretanto, este princípio não é totalmente compatível no Budismo Mahayana. À medida em que o Mahayana continuava a denunciar as escolas antigas de Hinayana ou “pequeno veículo”, não pode evitar uma contradição interna básica. Por exemplo, nas escrituras Mahayana, nos sutras tais como Hannya, Kegon e Vimalakirti, as pessoas de Erudição e Absorção das escolas antigas eram consideradas inerentemente incapazes de atingir o estado de Buda. Isto, obviamente, contradiz a afirmação de que todas as pessoas são budas em potencial. Por esta razão, a escola Tient’ai denominou o Sutra de Lotús de “Mahayana Verdadeiro” e os demais sutras Mahayana de “Mahayana Provisório”.

Os sutras do Mahayana Provisório, ao mesmo tempo em que declaravam que todas as pessoas são budas em potencial, discriminavam as pessoas dos dois veículos dizendo que elas não podiam atingir o estado de Buda. A razão básica de tal discordância estava no fato das escrituras Mahayana não transmitirem na íntegra a iluminação de Sakyamuni à Lei da Vida e conseqüentemente expressavam meramente o aspecto parcial da Lei. O Sutra Hannya expôs o vácuo ou ausência de substancialidade (kuu) de todos fenômeno; o Sutra Kegon revelou a doutrina de “um é todo e o todo é um”, expressando a unidade essencial de todas as coisas; o sutra Vimalakirti ensinou a doutrina da ausência da dualidade; os Sutra da Terra Pura descreveram a Terra Pura da Felicidade etc. Todos esses ensinos expressaram meramente uma parte ou outra da eterna Lei da Vida. Em contraste, o Sutra de Lotús expressa a totalidade da Lei da Vida. O ensino teórico defina essa Lei como “a verdadeira entidade de todos os fenômeno”, enquanto que o ensino essencial, conforme citado anteriormente, a revela como sendo o Buda que atingiu a iluminação no remoto passado.

A doutrina do ensino essencial, é baseada no capítulo 16o ou Juryo. Este capítulo, juntamente com o capítulo Hoben do ensino teórico, são os mais importantes do Sutra de Lotús. O capítulo Juryo afirma que todas as pessoas pensam que o Buda Sakyamuni atingiu a iluminação em Bodh Gaya; entretanto, na verdade, ele atingiu o estado de Buda num passado inimaginavelmente distante e desde então tem habitado este mundo. Além disso, ele tem estado neste mundo e tem continuado a ensinar às pessoas, aparecendo como diversos budas. O Buda que atingiu a iluminação no passado remoto é denominado verdadeiro ou original. Ele simboliza a Lei da Vida eterna e universal com base nos ensinos do Buda histórico. O ensino teórico define a Lei da Vida teoricamente como princípio da “verdadeira entidade de todos os fenômeno”, enquanto que no ensino essencial ela é representada da forma dinâmico como a própria vida do Buda do passado remoto. Juntos os ensinos teórico e essencial expressam a iluminação de Sakyamuni na forma quase que completa. É por esta razão que o Sutra de Lotús é considerado como o mais importante entre os sutras Mahayana.

Entretanto, pode-se percerber que, ao mesmo tempo em que o Sutra de Lotús revela ser o mais importantes dos ensinos Mahayana, indica cautelosamente sua própria limitação. Esse detalhe está habilmente narrado na Cerimônia no Ar, a segunda das três assembléias contidas no Sutra de Lotús.

A Cerimônia no Ar inicia com o aparecimento de um grande santuário denominado Torre de Tesouro e é narrada no capítulo 11º (Hoto). Essa torre gigantesca decorada com sete tipos de jóias, repentinamente emerge da terra na presença do Buda Sakyamuni e da audiência. A seguir, Sakyamuni purifica este mundo e inumeráveis outros para acomodar os incontáveis budas que são suas emanações, os quais ele convoca de todo universo. Então, Sakyamuni eleva-se no ar, abre as portas da torre de tesouro e senta ao lado do Buda Taho que se encontra dentro da torre. Mais adiante, Sakyamuni eleva toda assembléia ao ar, usando seus poderes místicos. Em seguida ele prossegue com a Cerimônia no Ar.

Sakyamuni expressa seu desejo de confiar a Lei àqueles que forem suficientemente corajosos para propagar o Sutra de Lotús após a sua morte, nos Últimos Dias da Lei. Através da comparação dos “seis atos difíceis e nove fáceis”10, ele descreve o quão difícil será propagar o Sutra de Lotús nessa época. O capítulo 13o (Kanji) enfatiza a dificuldade de propagar o Sutra nos Últimos Dias da Lei e descreve o surgimento dos três poderosos inimigos que procurarão atrapalhar aqueles que propagarem o Sutra de Lotús nessa época.

No 15º capítulo (Yujutsu), incontáveis Bodhisattva da Terra, liderados pelos quatros bodhisattvas — Jogyo, Muhengyo, Jyogyo, Anryugyo —, emergem da terra. Posteriormente, Sakyamuni confia-lhes a missão de propagar o Sutra de Lotús durante os Últimos Dias da Lei. Ele explica à assembléia que esteve preparando os Bodhisattva da Terra como seus discípulos desde um passado memorável. A multidão interroga como Sakyamuni podia dizer tal coisa se passaram somente quarenta e poucos anos desde que ele atingiu a iluminação. Essa dúvida é dissipada no capítulo seguinte, Juryo, no qual Sakyamuni declara que na verdade ele atingiu a iluminação num passado remoto. Depois, no 21º capítulo (Jinriki), aos Bodhisattvas da Terra é confiado a Lei e a missão de propagá-la. A parte mais importante da Cerimonia no Ar encerra-se aqui.

O que acabamos de ver é um resumo da Cerimônia no Ar. A questão que permanece é por que o Sutra de Lotús enfatiza tanto sua propagação nos Últimos Dias da Lei. Os Últimos Dias da Lei, também chamado de últimos temerosos anos, é a denominação da época em que os ensinamentos de Sakyamuni perdem seu poder de salvação e não conseguem conduzir as pessoas à iluminação. Aqueles que compilaram o Sutra de Lotús estavam bem cientes disso, consta em outras escrituras Mahayana, como o Sutra Daijuku. Todavia, eles continuam enfatizando repetidamente a necessidade de propagar o Sutra de Lotús, os ensinos de Sakyamuni, na época em que os mesmo perderão sua validade. Essa contradição aparente, passível de ser discutida, é na verdade uma implicação sutil de que o Sutra de Lotús, ao mesmo tempo em que contém a mais completa revelação da iluminação de Sakyamuni à Lei da Vida, não seja a própria Lei. Somente quando se torna consciente de algo além da própria limitação é que se percebe que essas limitações existem. E nesse aspecto, os ensinos de Nitiren Daishonin afirmam que o Sutra de Lotús encerra a existência da Lei Última que supera o próprio Sutra. E esta é a Lei, que fora confiada aos Bodhisattva da Terra, no capítulo Jinriki, para que fosse propagada nos Últimos Dias da Lei. Nesse sentido, podemos dizer que o Sutra de Lotús prediz a necessidade do aparecimento de um budismo novo e poderoso para os Últimos Dias da Lei.

De qualquer maneira, Nitiren Daishonin apareceu nos Últimos Dias, época em que os ensinos de Sakyamuni perdem seu poder. E, conforme veremos posteriormente, Daishonin estabeleceu o budismo para as pessoas dos Últimos Dias.

Até aqui resumimos a história do budismo pelo período de uns cinco ou seis séculos após a morte de Sakyamuni. Vimos que os sutras budistas não foram anotados pelo próprio Sakyamuni, mas compilados por seus discípulos mais próximos e registrados pelos seus seguidores. Os sutras eram o fruto de seus esforços em revelar a iluminação de Sakyamuni de acordo com as necessidade de sua respectiva época e sociedade. Entretanto, não podemos menosprezar os sutras como sem valor por terem sido escritos por outros budistas e não pelo próprio Sakyamuni. Na realidade, as doutrinas de todos os sutras foram originalmente abarcados pela iluminação de Sakyamuni e pelos ensinos durante sua vida. Sua iluminação e as pregações dadas durante sua vida contém os ensinos das escolas Hinayana, do Mahayana provisório e do Sutra de Lotús, que harmoniza os dois primeiros. O que existia desde o início tomou formas concretas de acordo com as necessidade da época, da sociedade e das pessoas. Essas formas e expressões são os sutras. Expressando de uma maneira um tanto quanto difícil, a verdade absoluta ou Lei da Vida que permeia o universo e os seres vivos manifestou-se através dos budistas nos domínios relativos da época, da sociedade e dos seres humanos. Todos os sutras eram essas manifestações. Todos os sutras exceto o Sutra de Lotús estabeleceram uma diferença entre a verdade absoluta e o domínio relativo do mundo real. Em contraste, o Sutra de Lotús quase eliminou essa diferença. Por esta razão, o Sutra de Lotús foi considerado por muito tempo como sendo a razão do advento de Sakyamuni. Partindo deste ponto de vista, o grande mestre Tient’ai examinou as escrituras budistas para analisar a superioridade do Sutra de Lotús em solucionar a diferença entre a verdade última e a realidade. Suas realizações serão examinadas no próximo capítulo.
Nota

7) As doze correntes ligadas da casualidade: Ignorância causa ação; a ação causa a percepção ;a percepção causa o nome e a forma; o nome e a forma causam os seis órgãos dos sentidos causam as sensações; as sensações causam os desejos; os desejos causam apegos; o apego causa a existência; a existência causa o nascimento ;o nascimento causa velhice e a morte. Através desta doutrina, o buda ensinou que a ignorância da verdadeira natureza da vida é a causa fundamental dos sofrimentos neste mundo.

Nagarjuna e Vasubandhu

O sábio Nagarjuna que apareceu após a formação do Sutra de Lotús, contribuiu enormemente para sistematização do pensamento Mahayana. Suas principais obras são Tyu Ron e Daitido Ron. No Tyu Ron, com base no Sutra Hannya, Nagarjuna postulou que a natureza de todos os fenômenos é isenta de substancialidade e vazia (kuu). No início, o Tyu Ron mostrou as famosas oito reações: não nascer, não morrer, não cessar, não permanecer, não diversificar, não ir e não vir. Essas negações também são chamadas de “caminho médio para as oito negações”. Através desse princípio, Nagarjuna tentou esclarecer a iluminação de Sakyamuni.

As oito negações expressam a verdade através das negativas, isto é, explicando o que não é. Entretanto, essa forma de negativas não pode explicar a dinâmica Lei da Vida compreendida por Sakyamuni. O Daitido Ron tenta compensar insuficiência com afirmações semelhantes. Nessa obra, Nagarjuna elogia o princípio do Sutra de Lotús de que o homem dos dois veículos podem atingir o estado de buda. Em virtude de outros sutras Mahayana excluírem as pessoas dos dois veículos podem atingir a iluminação, ele definiu o Sutra de Lotús como o sutra que “transforma veneno em remédio”, considerou-o como o mais profundo ensino e declarou sua superioridade sobre todas as escrituras, em particular o Sutra Hannya.

Vasubandhu apareceu cerca de trezentos anos após Nagarjuna, e é famoso como o mestre da doutrina Somente-Consciência. Ele também estudou o Sutra de Lotús e escreveu o Hokke Ron ou tratado sobre o Sutra de Lotús. Esta obra é notável uma vez que é o único comentário sobre o Surta de Lotús, escrito na Índia, que existe atualmente. Seu título completo e correto é Myoho-rengue-kyo Upadaisha. Nessa obra, Vasubandhu interpreta o Sutra de Lotús em termos de sete parábolas11, três igualdade12 e dez superioridades incontestáveis13, mostrando a idéia de que os três veículos estão unidos em um único veículo. O Hokke Ron explica que o propósito do Sutra de Lotús é manifestar a natureza de Buda inerente à vida das pessoas enfatizando a superioridade do Sutra de Lotús.

O Budismo de Tient’ai

O Cinco Período e Oito Ensino

Classificação comparativa

clip_image028Budismo originou-se na Índia e foi introduzido na China cerca de quinhentos anos após a morte de Sakyamuni. Durante esses quinhentos anos, o budismo propagou-se através da Índia, passando por consideráveis progressos e mutações doutrinárias. Após sua introdução na China, o budismo continuou a se expandir na Índia independente daquele da China. Aqui, entretanto, estamos interessados nos primeiros quinhentos anos após a morte de Sakyamuni, que são os fatores principais para se determinar as característica do budismo chinês.

Vamos rever resumidamente a história do budismo na Índia durante esses quinhentos anos. De forma turbulenta, a ordem budista dividiu-se nas escolas Theravada (conservadora) e Mahasanghika (progressista), cem anos após o falecimento de Sakyamuni. Mais tarde, cada uma dessas escolas principais subdividiram-se novamente. Do primeiro século a.C., existiam cerca de dezoito a vinte escolas.

Dizem que cada uma dessas escolas tinha opiniões diferentes, estabeleceu o budismo em diferentes regiões da Índia.

Ao mesmo tempo que tais divisões em grupos ocorriam, formava-se em confronto entre as escolas antigas lideradas pelo clero que se devotava aos estudos do abhidharma ou trabalhos explicativos um novo movimento popular que recebia o apoio de leigos budistas que enfatizam o culto dos santuários que continham as relíquias do buda. Cada qual se clamava ser o verdadeiro seguidor do Buda Sakyamuni. Aqueles do novo movimento denunciavam as escolas Abhidharma, chamando-as de Hinayana ou “pequeno veículo”, e se denominavam de Mahayana ou “grande veículo” e compilavam as escrituras Mahayana em rápida sucessão. As assim chamadas escolas Hinayana e o novo movimento popular Mahayana espalharam de regiões diferentes. No seu desejo de estender sua influencia, tanto o Hinayana como o Mahayana propagaram seus respectivos ensinos além dos limites da Índia: o Hinayana no sudeste da Ásia e o Mahayana na Ásia central, incluindo Pamir e a Bacia de Tarim. Assim, ambas as escolas contribuíram para a expansão do mundo budista.

Essa é uma descrição extremamente resumida do budismo na Índia durante os quinhentos anos após a morte de Sakyamuni. Na Índia, as vinte escolas Hinayana e o movimento Mahayana desenvolveram-se através do tempo como um processo histórico, entretanto, quando o budismo foi introduzido na China, esse processo de desenvolvimento e a organização sistemática da doutrina não foram levados em consideração, isto é, cada monge missionário levava a doutrina de sua respectiva escola. Tanto as doutrinas de várias escolas Hinayana como as escrituras Mahayana foram trazidas para a China ao acaso, onde todas foram aceitas sem nenhuma distinção e consideradas como os ensinos do Buda Sakyamuni.

Na seqüência, os budistas chineses defrontaram-se com a difícil tarefa de organizar e sistematizar esses numerosos e diversos ensinos de acordo com a vida de pregação do Buda. E as tentativas para resolver essas questões, deu início à pratica de comparação e classificação dos sutras — característica própria do budismo chinês. Outra característica que deveria ser mencionada, de passagem, é que o budismo foi introduzido e propagado na China diretamente das traduções chinesas dos templos budistas e não mais tendo como base os testes em sânscrito.


Os cinco períodos

A prática da classificação comparativa dos ensinos do buda realizou-se amplamente na China e continha uma avaliação e sistematização criteriosa das escrituras em termos do seu método de ensino, a ordem em que fora propagada, sua finalidade, conteúdo, etc. Essas tentativas de sistematização passaram a predominar por volta do século V a.C., atingindo seu apogeu nas dinastias Sui e T’ang. Como conseqüências, vários tipos de classificação foram deixados. Porém, o sistema de Tient’ai, conhecido como “cinco períodos e oito ensinos”, ultrapassou qualquer tentativa de classificação. Baseando em sua própria iluminação que pode ser perfeitamente igualada a de Sakyamuni, o sistema de Tient’ai permanece como uma realização monumental na história do budismo na China.

clip_image029Os cinco períodos é uma classificação dos ensinos budistas de acordo com a ordem em que foram pregados desde o momento em que Sakyamuni atingiu a iluminação até sua morte. Esses períodos são: Kegon (período do Kegon-kyo ou Sutra Grinalda); Agon (período do Agon-kyo ); Hodo (período do Mahayana introdutivo); Hannya (período dos Sutras Sabedoria) e Hokke-Nehan (período dos Sutra de Lotús e do Nirvana). Em termos de textos específicos, os cinco período incluem respectivamente o Sutra Kegon (Sutra Grinalda), Sutra Agon, os textos dos Sutras Vimalakirti, Lamkavatara e Shrimala, o Sutra Hannya (Sabedoria) e os Sutras de Lotús e Nirvana.

É praticamente impossível verificar à luz das fontes existentes se esta classificação por ordem de pregação corresponde à realidade histórica ou não. O valor do sistema de cinco períodos não se encontra somente na sua veracidade como registro, mas na sua percepção sobre a relação entre o Buda e a pessoa, e ainda como o Buda tentou transmitir sua iluminação.

Fugindo um pouco do assunto, a finalidade do sistema de Tient’ai não era simplesmente determinar as condições relativas das escrituras budistas à luz do seu conteúdo doutrinal. Permeando todo o sistema de cinco períodos e oito ensinos, encontra-se a consciência de que a finalidade básica do budismo — a salvação das pessoas — não e atinge somente com teoria e filosofia, mas através da ligação viva entre o Buda e seus discípulos, sendo que a teoria e a filosofia servem-lhes de instrumento. A superioridade do ponto de vista do grande mestre Tient’ai está no reconhecimento desse ponto e foi baseando nessa ligação entre o Buda e as pessoas que ele classificou as escrituras budistas.

Tient’ai, ao ler as descrições nas escritura sobre os diálogos entre o Buda e seus discípulos e ainda sobre as orientações dadas a eles, e pôde discernir nessas considerações um processo que ele compreendeu ter levado cinqüenta anos da vida de pregação de Sakyamuni. Mais especificamente, ele notou que a iluminação do Buda nunca mudou enquanto que as palavras que ele usou para expressá-la mudava de acordo com a capacidade das pessoas. As orientação do Buda faziam com que a capacidade de compreensão das pessoas progredisse e assim seus ensinos tornavam-se gradativamente mais profundos. Em resumo, os cinco período traçam o progresso pelo qual o Buda cultivou a compreensão das pessoas.

A classificação dos cincos período é baseada na premissa de que o propósito dos cinqüenta anos de ensinos do Buda era conduzir os discípulos dos dois veículos, isto é, homens de Erudição e Absorção, à iluminação. Na medida em que a pregação do Buda se tornava mais profunda, melhorava a capacidade das pessoas dos dois veículos. E por fim eles ouviram sobre o Sutra de Lotús e se tornaram capazes de atingir o estado de Buda.

Tient’ai comentou, de passagem, a possível duração de cada um dos cinco período. Conforme sua explicação, o período Kegon durou vinte e um dias; o Agon, doze anos; o Hodo entre oito a dezeseis anos; o Hannya, de quatorze a vinte e dois anos, e o período Hokke-Nehan, oito anos. Conforme mencionados anteriormente, não há meios para se verificar a exatidão histórica dessas datas; de qualquer forma, os cinco períodos não obedecem uma ordem cronológica, mas são avaliações do processo pelo qual o Buda procurou ensinar as pessoas. Visando enfatizar esse ponto, Tient’ai estabeleceu duas formas para se analisar os cinco períodos. Primeiro, tomando cada período separadamente, Tient’ai mostrou que os esforços do Buda para conduzir as pessoas à iluminação podem ser divididos em cinco estágios distintos. Segundo, examinando os cinco períodos como um todo, ele ensinou que em qualquer um desses períodos uma pessoa pode atingir a iluminação imediatamente, caso sua capacidade de compreensão esteja devidamente madura. Quando Tient’ai planejou o sistema de cinco períodos não estava preocupado com a duração de cada período. Fundamentalmente, ele queria saber como o Buda desenvolveu a capacidade das pessoas.

De acordo com Tient’ai, o Buda, após sua iluminação, expôs os ensinos do Sutra Kegon. Os cinco período são também comparados com os cinco estágio em que o leite é transformado em manteiga.

A doutrina Kegon, que foi pregada logo após a iluminação do Buda, é comparada ao “leite fresco” tirado da vaca. Nesse Sutra, Sakyamuni falou sobre sua iluminação sem levar em conta os limites da compreensão dos seus ouvintes. Apesar do Sutra Kegon tê-los despertado para a grandeza do budismo, os homens dos dois veículos não puderam compreende-lo devido ao fato ser muito profundo e a capacidade de compreensão deles não esta devidamente preparada. O Buda, ao perceber a compreensão ainda imatura dos homens, expor os ensinamentos Agon como um meio para desenvolvê-la. Esses ensinos são comparados ao sabor do leite levemente fermentado, chamado “creme”. Neles o buda expôs a realidade dos sofrimentos, da ilusão da impermanência e da negação do ego, os quais libertavam as pessoas dos seis caminhos. Ele expôs esses ensinos de acordo com a compreensão dos seus discípulos sem revelar sua intenção final. Este período também é chamado de período de persuasão porque esses ensinos atraiam os seus seguidores ao budismo ao introduzi-lo de forma compreensível. O Sutra Agon foi explanado como um meio de ensino preparatório para conduzir os discípulo do dois veículos aos ensinos Mahayana. Entretanto, os discípulos, sentindo uma afinidade profunda com o Sutra Agon, acharam que haviam atingido o caminho para a iluminação através desses ensinos Hinayana. Por essa razão, no período seguinte, o Buda expôs os ensinos Mahayana. Ele apontou a inferioridade dos ensinos Agon e reprovou os homens dos dois veículos por sua arrogância e autocomplacência por acharem que já tinham encontrado o caminho da iluminação. Assim o Buda afastou-os do Hinayana e os conduziu ao Mahayana. Esses ensinos introdutório do Mahayana são comparados ao sabor do leite coalhado, os quais constituem o período Hodo.

Devido a repressão que eles receberam por terem se apegado ao Hinayana, os homens dos dois veículos aderiram as diferenças entre o Hinayana e o Mahayana. Com a finalidade de liberta-los desse novo apego, o Buda expôs o Sutra Hannya, a doutrina do vácuo ou ausência de substancialidade (kuu) de todas as coisas. Com essa doutrina, o Buda livrou-se de todas as espécies de apegos. Essa emancipação é descrita de forma metafórica como lavar sujeira com água limpa e revelar a pura realidade original. Conseqüentemente, o período Hannya é também chamado período da impureza. Os ensinos desse período são comparados ao sabor da manteiga. Com os ensinos Hannya, a compreensão das pessoas se desenvolveu a ponto de poderem receber os verdadeiros ensinos do Buda.

O Sutra Kegon exposto primeiramente pelo Buda é também denominados de “ensinos abruptos” na terminologia de Tient’ai. Os ensinos dos três período Agon, Hodo e Hannya, expostos subseqüentemente, são denominados “ensino gradual” porque na sua pregação nesses períodos, o Buda cultivou gradualmente a compreensão dos seus discípulos. Finalmente eles atingiram um nível necessário para compreender só ensino perfeito. No quinto e último período o Buda expôs o Sutra de Lotús, com o qual ele abriu a porta para a sabedoria do Buda permitindo às pessoas atingirem a iluminação. Esse ensino é comparado ao sabor da manteiga de excelente qualidade.

Resumindo até aqui, nos primeiros quatro períodos o Buda cultivou gradualmente a compreensão dos seus devotos. Primeiramente ele tentou expor o Sutra Kegon a fim de verificar se sua iluminação seria compreendida pelas pessoas. No período Agon eles as atraiu ao budismo com o ensino a nível de sua compreensão. No período Hodo ele censurou o apego aos ensinos inferiores do Hinayana, e no período Hannya ele rejeitou todas as espécie de apego. No Sutra de Lotús do período Hokke-Nehan, o Buda revelou sua verdade última e esclareceu todos os ensinos com relação à verdade. Ele removeu o véu que ocultava a verdade e unificou todos os ensinos com a verdade, assim como todos os córregos e rios correm para o imenso oceano onde assumem o mesmo sabor salgado.

O Sutra de Lotús, que contém a verdadeira intenção do Buda, explica que os ensinos anteriores são meios para preparar a compreensão limitada das pessoas dos dois veículos a fim de que possam entender a verdade máxima. O Sutra revela a finalidade do advento do Buda e confere aos homens dos dois veículos a profecia da possibilidade de atingir o estado de Buda. Outros sim, torna possível à todas as pessoas atingirem o estado de Buda. Em conclusão, o Sutra de Lotús é o ensino que revela a verdade e conduz todas as pessoas ao estado de Buda.

Como sua pregação final do quinto período ou Hokke-Nehan, o Buda expôs o Sutra do Nirvana que revela a doutrina de que todas as pessoas possuem a natureza do Buda. Na verdade é uma declaração dos ensinos do Sutra de Lotús em beneficio daqueles que não estavam incluídos na cerimonia do Sutra de Lotús. Essas pessoas dividiam-se em dois grupos: os cinco mil monges, monjas e leigos arrogantes que abandonaram a assembléia quando o Buda estava pregando o capítulo Hoben do Sutra de Lotús12 e os seres humanos e celeste que foram removidas para outros mundos no capítulo Hoto13. No Sutra de Nirvana, o Buda recapitulo os quatros ensinos da doutrina que serão discutidos posteriormente. Tient’ai inclusive considerou que o Sutra do Nirvana fora exposto com a finalidade de conduzir as pessoas de pouca capacidade que viveriam no futuro após a morte do Buda, para o supremo veículo do estado de Buda. Isto é, visava a perpetuação da Lei.


Os oito ensinos

clip_image031Agora vamos verificar resumidamente os oito ensinos. A classificação dos cincos períodos está relacionada com o processo pelo qual Sakyamuni expôs seus ensinos durante sua existência, enquanto que a classificação dos oito ensinos está relacionada com seu conteúdo e os métodos de sua apresentação. Na verdade, os oito ensinos consistem de duas subdivisões: as quatro doutrinas e os quatro métodos de ensino. As quatro doutrinas é uma classificação dos ensinos do Buda em termos de seu conteúdo e os quatro métodos de ensinos é uma classificação em termos de como ele os expôs. As quatro doutrinas podem ser comparadas ao remédio e os quatro métodos de ensino, à receita. Essa analogia mostra a relação entre as duas classificações.

Primeiro, vamos explicar os quatro método de ensino. Conforme mencionados anteriormente, os cinco período indicam o processo pelo qual o Buda ensinou as pessoas de acordo com sua compreensão. Portanto, a divisão dos ensinos do Buda em cinco período não é baseada no conteúdo dos seus ensinos, mas na percepção do Buda com relação à compreensão das pessoas e a maneira como ele expôs seus ensinos. Continuando com a analogia, a classificação dos cincos período não é baseada no tipo de remédio mas na maneira pela qual foi preparada e administrada.

Os quatro método de ensino: abrupto (tonkyo), gradual (zenkyo), secreto (himitsukyo) e indeterminado (fujokyo). Os ensinos abrupto e gradual é a essência dos quatro métodos. O ensino abrupto é aqueles em que o Buda expôs a iluminação Mahayana independente da capacidade de compreensão de seus ouvintes. Essa categoria corresponde ao Sutra Kegon. O ensino gradual indica os ensinos que o Buda expôs gradualmente a fim de elevar o nível de compreensão dos homens dos dois veículos. Esta categoria inclue os ensinos dos período Agon e Hannya. O Sutra de Lotús, que pertence ao quinto período Hokke-Nehan, não faz parte do ensino abrupto nem do gradual. Era considerado como a conclusão do processo gradual de ensino apesar de ter sido exposto diretamente da iluminação do Buda. Assim uniu-se o ensino gradual com uma expressão direta da iluminação do Buda. Por essa razão, Tient’ai denominou-o de “ensino que une o gradual ao abrupto”. O Sutra de Lotús uniu também os ensinos anteriores num ensino mais amplo. Conseqüentemente é também chamado de “o ensino que une o ensino gradual ao perfeito”. Enquanto a classificação em ensino gradual e abrupto focalizava como o Buda divulgou seus ensinos, as duas seguintes classificações do método secreto e indeterminado referiam-se à maneira como as pessoas receberam esses ensinos. Tanto a categoria secreta como indeterminada são baseadas nas suposição de que um mesmo ensino pode ser compreendido de forma diferente pelas pessoas de níveis distintos. E é isso o que o Sutra Vimalakirti quer dizer quando afirma: “O Buda fala com uma única voz, porém, as pessoas compreendem de forma diferente conforme sua natureza.” Devido a essa diferença de capacidade de compreensão, as pessoas numa mesma audiência compreendiam diferentemente o que o Buda ensinava. A categoria indeterminada indica os ensinos em que a pregação do Buda significava coisas diferentes à diferentes pessoas. Por exemplo, quando o Buda expôs o ensino abrupto na tentativa de transmitir sua própria iluminação algumas pessoas podem ter interpretado como se fosse o ensino gradual que visa elevar a capacidade das pessoas de forma gradual. Conforme mencionamos anteriormente, o ensino gradual corresponde às doutrinas dos três períodos: Agon, Hodo e Hannya. Quando o Buda expôs o ensino abrupto, os ouvintes podem tê-lo interpretado como se fosse qualquer um dos três período do ensino gradual, e ainda podem ter compreendido o mesmo ensino de forma diferentes. Estes casos são denominados “indeterminados”.

No caso do ensino indeterminado, os ouvintes estão conscientes de que as pessoas diferentes compreendem o ensino de forma diferentes. O ensino secreto, por outro lado indicam os ensinos em que o Buda transmite coisas diferentes às diferentes pessoas sem que elas estejam conscientes disto. Nenhum dos ouvintes que participaram da assembléia sabe que o Buda transmitiu aos outros. Por isso, o nome de ensino secreto — “secreto” no sentido de que o objetivo do Buda só é compreendido pelo Buda.

Conforme mencionados anteriormente, pode-se atingir a iluminação em qualquer um dos cinco período caso a capacidade de compreensão esteja devidamente desenvolvida. Essa idéia demonstra a profunda compreensão de Tient’ai sobre a relação entre o ensino do Buda e a capacidade das pessoas. Depois de analisar essa relação, Tient’ai formulou as categorias secreta e indeterminada. E é aqui que se encontra sua originalidade. Tient’ai deu grande importância à questão fundamental de como o Buda cultivou a capacidade das pessoas para conduzí-las à iluminação. Podemos notar isso através da formulação dos quatro métodos de ensinos.

Agora vejamos as quatro doutrinas. Dissemos que os quatro métodos de ensino podem ser comparados à receita médica e as quatro doutrinas, ao remédio preparado de acordo com a receita. Conseqüentemente, as quatro doutrinas apesar de serem uma classificação do conteúdo, não é uma classificação formulada independentemente da maneira como o Buda instruiu as pessoas.

As quatro doutrinas são: ensino tripitaka (zokyo), ensino conexiva (tsukyo), ensino específico (bekkyo) e ensino perfeito (enkyo). Essa classificação divide em quatro categorias as formas pelas quais o Buda interpretou e explica a Lei da Vida, baseando-se na sua compreensão das diferentes capacidades das pessoas. O ensino Tripitaka corresponde às três divisões do canône budista que consistem de sutras, regras da disciplinas e os comentários explicativos. Esses ensinos correspondem ao Hinayana e induzem as pessoas a eliminar os seus desejos mundanos e libertá-los do ciclo de nascimento e morte. O ensino conexivo refere-se aos ensinos do Mahayana Provisório que forma uma ligação entre os ensinos Tripitaka e os ensinos do Mahayana real. O ensino específico é assim chamado porque foi ensinado especificamente aos bodhisattvas e descreve de austeridade budistas que deveriam ser praticadas para se atingir a iluminação. Este ensino recebe também a denominação de ensino distinto por ser diferente dos dois primeiros ensinos — o Tripitaka e o Conexivo e do quatro ensino — o Perfeito14. O ensino Perfeito expõe a relação de reciprocidade inclusiva de todos os fenômenos e une os três ensinos.

A seguir vamos analisar a ligação entre as quatro doutrinas e os quatro período, exceto o quinto. A relação é definida pelos seguintes termos: “combinar, excluir, corresponder e incluir”. O período Kegon combina o ensino específico com o perfeito. O período Agon consiste somente do ensino tripitaka e exclue o conexivo, específico e perfeito. No período Hodo todos os quatro ensinos foram explanados, correspondendo à capacidade de compreensão das pessoas. O período Hannya consiste do ensino perfeito e ainda inclue os ensinos conexivo e específico.

A finalidade da definição dessas relações era para demonstrar que o Sutra de Lotús do quinto período é o único ensino perfeito e verdadeiro. Em termos de quatro métodos de ensino, conforme mencionados antes, não se pode defini-lo como gradual nem tampouco como abrupto. Podemos defini-lo com um ensino gradual ao perfeito. O Sutra de Lotús é o ensino no qual o Buda revelou sua iluminação diretamente para as pessoas. Como conseqüências da pregação dos oito ensinos em quatro período pelo Buda, a compreensão das pessoas atingiu o ponto de maturidade necessária para entender seu mais alto ensino. Por essa razão, a escola de Tient’ai afirmou que o Sutra de Lotús transcende os oito ensinos. A pergunta que logo surge é porque não o definiu como o nono ensino. Entretanto, se estivesse estabelecido a nona categoria simplesmente com a finalidade de mostrar comparativamente a superioridade do Sutra de Lotús sobre os oito ensinos, isso não refletiria sua supremacia sobre um ponto de vista absoluto de que é um ensino que abrange tudo. O Sutra de Lotús é diferente dos ensinos que foram expostos para cultivar a compreensão das pessoas. Ele revela que todos os ensinos dos oito ensinos e quatro períodos expressam aspectos da iluminação do Buda. O Sutra de Lotús não pode ser classificado nos oito ensinos; ele esclarece o significado e o valor relativo aos oito ensinos. Em outras palavras o Sutra de Lotús é o ensino que une todos os demais ensinos.

Eis o que Tient’ai demonstrou através do seu sistema de cinco período e oito ensinos que é incomparável na sua visão integral dos sutras budistas.
O Sutra de Lotús e as Três Obras principais de Tient’ai

As três obras principais de Tient’ai

No capítulo anterior citamos que Tient’ai definiu o Sutra de Lotús como o mais importante entre todos os sutras, cerca de oitenta mil ao todo. Ele considerou o Sutra de Lótus como o objetivo máximo do aparecimento de Sakyamuni neste mundo, um ponto de vista sustentado pelo seu magnífico sistema de classificação dos sutras budistas conhecido como “os cinco períodos e oito ensinos”.

Com o estabelecimento desse sistema Tient’ai pode refutar as duas correntes de pensamento da época, afirmando a supremacia dos Sutras do Nirvana e Kegon. Após ter demonstrado a superioridade do Sutra de Lotús com os “cinco períodos e oito ensinos”, ele escreveu os comentários sobre o Sutra de Lotús visando esclarecer a Lei da Vida — a essência da iluminação de Sakyamuni representada no Sutra — e torná-la compreensível para as pessoas de sua época. Esses comentários são o Hokke Guengui (Significado Profundo do Sutra de Lotús), o Hokke Mongu (Palavra e Frase do Sutra de Lotús), e o Maka Shikan (Grande Concentração e Introspecção), considerado as três obras principais de Tient’ai ou as três obras anotações mais importantes sobre o Sutra de Lotús. Mais tarde, eles se tornaram os textos básico da seita Tient’ai na China. Miao-lo, o sexto patriarca da seita, escreveu os comentários sobre as três obras de Tient’ai que são conhecido por: Hokke Guengui Shakusen, Hokke Monguki, Maka hikan Bukkyoden Guketsu.

Vejamos resumidamente as três obras principais de Tient’ai. Primeiro, o Hokke Guengui estabelece uma interpretação detalhada do título do Sutra de Lotús, Myoho-rengue-kyo. Nessa obra, Tient’ai explica que o significado total dos vinte e oito capítulos do Sutra de Lotús está contido no título, Myoho-rengue-kyo, e desse ponto de vista narra o significado filosófico de cada palavra — myo, ho, rengue e kyo — proporcionando uma interpretação global do conteúdo do Sutra de Lotús. O Hokke Mongu interpreta as sentenças e as frases de cada capítulo do Sutra de Lotús.

Nestas duas obras, Tient’ai fez um exame teórico dos ensinos expostos no Sutra de Lotús. Em contraste, no Maka Shikan ele cita a essência da iluminação de Sakyamuni revela no Sutra de Lotús como o princípio de itinen sanzen (três mil mundos numa existência momentânea da vida). Ele estabeleceu também um método de prática de maneira que os mortais comuns pudessem atingir a mesma iluminação. O Maka Shikan é considerado como o propósito do advento de Tient’ai neste mundo e a cristalização de seus ensinos baseados no Sutra de Lotús.

O Maka Shikan e o Itinen Sanzen

O itinen sanzen é o único princípio usado por Tient’ai para expressar a Lei da Vida, isto é, a iluminação de Sakyamuni citada no Sutra de Lotús, levando-se em consideração fatos tais como a natureza do país onde ele viveu, a capacidade de compreensão das pessoas e a época.

A Lei da Vida que o Sakyamuni percebeu em Bodh Gaya foi expressada no sutra de lotús, a mais alta entre todas as escrituras do Mahayana da Ìndia, cerca de quinhentos anos após sua morte. É quase no fim do século VI que ela foi novamente representada como o princípio de itinen sanzen pelo grande mestre Tient’ai da China.

O princípio de itinen sanzen será discutido em detalhes na parte final deste livro. Aqui faremos um breve resumo. Itinen sazen significa que cada instante da vida contem os três mil mundos. Itinen indica instante da vida e sanzen, os fenômenos que manifestam nesses instantes. O número três mil está baseado nos dez fatores da vida, na possessão mútua dos dez estados que foram explanados no ensino teórico do Sutra de Lotús e nos três mundos da existência citada no ensino essencial.

Existem os dez estados ou dez condições diferentes ou estado de vida que o ser humano passa. Essas condições dos dez estados não são fixas; cada estado possui o potencial de todos os dez, totalizando assim cem mundos. Além disso, tem os dez fatores caracterizando as atividades físicas e espirituais da vida em cada um dos dez estados. Multiplicando os cem mundos por dez fatores da vida, dá mil fatores. Finalmente, cada um desses mil fatores envolve três mundos da existência que são: cinco componentes da vida (forma, percepção, concepção, volição e consciência), o ambiente social e o ambiente natural. Assim, o total de mundos da vida totaliza três mil.

O conceito de três mil mundos, apesar de aparecer complicado em sua essência, indica que todos os fenômenos estão divididos em três mil categorias. E isso representa as infinitas formas e aspectos diferentes existentes no universo. A teoria de itinen sanzen afirma que todos os fenômenos do universo estão contidos em um único momento da vida de um mortal comum. Além disso, esclarece a relação inseparável de cada instante da vida de todos os fenômenos.

Cada instante da vida permeia todos os três mil mundos e este por sua vez estão contidos em cada momento da vida. Em outras palavras, o universo inteiro está condessado na vida de cada indivíduo e essa vida exerce sua influência no universo.

clip_image033A vasta dimensão de vida para qual o Buda Sakyamuni despertou sobre a árvore Bodh é um mundo além do alcance da consciência das pessoas comuns, um mundo onde a vida humana e tudo que existe no universo estão relacionados mutuamente, influenciando e fundindo-se entre si. Tient’ai definiu esse mundo místico da vida de itinen sanzen.

A questão é como um mortal comum poderia penetrar nesse mundo. O Maka Shikan trata desta parte de forma bem ampla e estabeleceu uma prática de meditação para analisar a própria mente, baseando-se no estudo do Sutra de Lotús. À medida que essa meditação progride, a pessoa aprofunda-se cada vez mais nos domínios de sua vida até atingir a verdade de itinen sanzen.

Entretanto, esse tipo de prática era possível somente para um pequeno número de monges estudiosos que já dominavam todos os ensinos budistas que se baseavam no Sutra de Lotús. Isto era praticamente impossível para a maioria das pessoas que tinham de ganhar a vida e dedicar-se aos seus inúmeros afazeres diários. É aqui que se encontra a necessidade histórica para o aparecimento do Budismo de Nitiren Daishonin, que será comentado no capítulo seguinte.


O Budismo de Nitiren Daishonin

A Histórica necessidade do Budismo de Nitiren Daishonin

clip_image035Nitiren Daishonin viveu no século XIII, na era Kamakura, no Japão. Do ponto de vista budista, sua época foi denominada de Últimos Dias da Lei, um período que iniciara dois mil anos após o falecimento de Sakyamuni. Ele examinou minuciosamente os ensinamentos budista que se desenvolveram na Ìndia e na China até os seus dias e restabeleceu o budismo retornando ao seu ponto de origem.

Conforme mencionamos anteriormente, a iluminação de Sakyamuni tomou forma no Sutra de Lotús, mais tarde no princípio de itinen sanzen de Tient’ai e assim permaneceu até os Últimos Dias da Lei. Apesar da profundidade desses ensinos, o fevor inicial que havia acompanhado o fundador do budismo diminui com o passar do tempo e o mundo budista ficou limitado a formalidades. Certamente já não atendia mais as necessidade das pessoas.

Uma das causas fundamentais para o declínio do budismo estava no fato das doutrinas serem difíceis demais para serem transmitidas às pessoas. Por exemplo: uma pessoa que lesse o Sutra de Lotús que contém a iluminação de Sakyamuni, este fato somente não possibilitaria perceber de verdade o que seria essa iluminação.

O Sutra de Lotús afirma que Sakyamuni percebeu que todos os fenômenos manifestam a verdadeira entidade da vida que metaforicamente é definida como jóia preciosa oculta sob a roupa. Afirma ainda que o Buda Sakyamuni atingiu a iluminação no passado remoto e que desde então tem estado neste mundo. Entretanto, essas afirmações somente não possibilitam ninguém a compreender a Lei que Sakyamuni percebeu.

Além da dificuldade de compreensão, havia a dificuldade da prática. Por exemplo, o Sutra de Lotús estabeleceu as maneiras de como praticar para se atingir a iluminação. Deveriam crer, seguir, ler, recitar, ensinar e transcrever o Sutra de Lotús. Entretanto, a prática da leitura, ensino e transcrição era possível somente para classe intelectual, e a grande maioria das pessoas era analfabeta e para elas tal esforço era realmente impossível.

Conforme já citado, Tient’ai, da China, compreendeu a essência da iluminação de Sakyamuni e representou-a como o princípio de itinen sanzen. Esse princípio baseia-se no Sutra de Lotús e integra todos os ensinos e conceitos relativos à Lei da Vida que aparece no sutra em referência. Tient’ai ensinou aos seus discípulos para devotarem firmemente à meditação e que dessa forma descobriram a Lei dentro de si mesmos. Uma forma derivada de meditação introspectiva tornou-se popular através da seita Zen que é atualmente conhecida no mundo inteiro. Entretanto, ela foi originalmente estabelecida por Tient’ai que ensinou aos seus seguidores a meditar baseando-se em seus conhecimentos sobre o Sutra de Lotús e a visualizar seus ensinos na vida. Apesar de Tient’ai ter esclarecido minuciosamente os ensinos do Sutra de Lotús expondo o princípio de itinen sanzen, em termos de prática, seus ensinos também ficaram limitados a um pequeno número de pessoas. Para uma pessoa dedicar-se à meditação para observar o itinen sanzen na sua mente, era preciso dominar antes as práticas da leitura, recitação, ensino e transcrição do Sutra de Lotús. Conforme dissemos antes, isto é impraticável a não ser para alguns com preparo.

Em relação às doutrinas de difícil compreensão e prática, surgiram novas formas de budismo tais como Jodo (Terra pura) ou Nembutsu e a seita Zen. Na China, elas surgiram após o declínio dos ensinos de Tient’ai e no Japão, após a morte do grande mestre Dengyo, que introduziu o budismo de Tient’ai naquele país. No Japão essas formas de budismo propagaram-se com rapidez no período de tumulto social que aconteceu após a queda da aristocracia e o surgimento da classe de samurais. As pessoas dessa época rejeitaram as práticas da leitura, recitação dos sutras e o estudo de doutrinas complexas, e em seu lugar, ensinaram formas mais fáceis de práticas. A seita Jodo, em particular, ensinava que bastava orar chamando o nome do Buda Amida e acalentar o desejo de salvação para renascer na Terra Pura da felicidade após a morte. Em parte devido a pressa em rejeitar as doutrinas de difícil compreensão e prática, a seita Terra Pura teve uma aceitação e difusão muito rápida. Entretanto, ela era essencialmente pessimista e escapista, pois ensinava aos seus adeptos a odiar o mundo por ser impuro e aspirar pela Terra pura após a morte. Existem registros na história de que uma onda de suicídios ocorreu durante um tempo devido a influência da seita. A seita Zen, por sua vez, refutava a necessidade de contar com as palavras escritas dos sutras e ensinava que a iluminação pode ser atingida diretamente através da verdadeira natureza da mente.

Os motivos que originalmente impeliram Sakyamuni a levar uma vida religiosa, torna claro que a verdadeira intenção dos seus ensinos não está em aspirar por um mundo transcendental no futuro. Ele procurou libertar as pessoas do nascimento, velhice, doença e morte — os quatro sofrimento inevitáveis desse mundo. Além disso, a realização deste objetivo original necessitava de uma forma de prática budista que todas as pessoas pudessem executar. É por isso que se tornou necessário o aparecimento do Budismo de Nitiren Daishonin.

clip_image037Foi Nitiren Daishonin que, na maior realização da história do budismo, expressou o conteúdo do Sutra de Lotús de Sakyamuni na forma em que todas as pessoas pudesse praticá-lo. Essa forma é a invocação de Nam-myoho-rengue-kyo que ele expôs como o ensino correto para ser propagado nos Últimos Dias da Lei. Superficialmente ele usou Myoho-rengue-kyo, o título do Sutra de Lotús conforme traduzido por Kumarajiva, para representar sua iluminação, adicionando a palavra Nam, que significa “devoção”. De uma visão mais profunda, entretanto, o que ele fez foi definir claramente a Lei contida no Sutra de Lotús. A declaração Nam-myoho-rengue-kyo tornou efetivo o estabelecimento de um novo budismo, baseado na iluminação de Daishonin.

Para explicar um pouco mais, considerando que o Sutra de Lotús é uma declaração da iluminação de Sakyamuni à Lei da Vida, o Nam-myoho-rengue-kyo é efetivamente a Lei da Vida. Nitiren Daishonin interpretou o Sutra de Lotús em relação ao Nam-myoho-rengue-kyo e ensinou que esta era a lei última que todos os sutras budistas procuravam declarar.

O Nam-myoho-rengue-kyo é definido como a lei original de Kuon Ganjo, significando a lei que tem existido desde o passado infinito. Diferente de outros budas que se despertaram para essa lei. Nitiren Daishonin é iluminado originalmente por essa lei; em outras palavras, sua vida originalmente é igual à lei desde o passado infinito ou Kuon Ganjo. Portanto, Daishonin é chamado de buda original de Kuon Ganjo. Tomando a imagem da Cerimonia no Ar do Sutra de Lotús, ele inscreveu sua vida iluminada — que é igual a lei de Nam-myoho-rengue-kyo — em forma física de uma mandala, o qual ele estabeleceu como o Objeto de Devoção.

Naqueles dias, a seita Shingon usava figuras de budas e bodhisattvas como mandalas, mas esses eram meros símbolos de seres sagrados aos quais as pessoas reverenciavam. Nitiren Daishonin escolheu a Cerimonia no Ar, descrita no Sutra de Lotús, para expressar a sua iluminação, porém a mandala que ele escreveu não é um símbolo; é a personificação da vida do Buda Original, que é ao mesmo tempo a eterna Lei de Kuon Ganjo. Em 12 de outubro de 1279, Nitiren Daishonin estabeleceu esse mandala, denominado Dai-Gohonzon (literalmente, Supremo Objeto de Devoção), como base da fé para todas as pessoas do mundo inteiro.

Ele não só estabeleceu o Objeto de Devoção, como também ensinou a prática fundamental com a qual todas as pessoas podem evidenciar a Lei da Vida em si mesmo. Essa prática é a recitação do Nam-myoho-rengue-kyo ao Gohonzon. O ensino de Nitiren Daishonin uniu a doutrina profunda com uma prática acessível a todos. Em todos os sentidos, este foi o nascimento de uma forma revolucionária de budismo.
Nitiren Daishonin e o Sutra de Lotús

Conforme mencionamos na parte anterior, Nitiren Daishonin estabeleceu o budismo de Nam-myoho-rengue-kyo, a eterna lei da vida oculta nas profundezas do Sutra de Lotús. Ele usou o sutra de lotús para explicar o Nam-myoho-rengue-kyo e denominou a si mesmo de devoto do Sutra de Lotús porque ele propagou a essência do sutra. Vejamos agora a relação entre Daishonin e o Sutra de Lotús em termos de prática e doutrina.

Vivendo o Sutra de Lotús

clip_image039Não se pode comentar a relação entre Nitiren Daishonin e o Sutra de Lotús sem levar em conta os acontecimentos de sua vida. Aqui gostaríamos de tomar uma visão global da prática de Daishonin à luz do fato dele ter “vivido” o Sutra de Lotús com suas ações.

Na escritura “Abertura dos Olhos”, Nitiren Daishonin diz: “Quando se trata da compreensão sobre o Sutra de Lotús, tenho apenas uma diminuta parte da vasta habilidade que Tient’ai e Dengyo tinham. Mas, na capacidade de suportar perseguições e na riqueza da compaixão pelo próximo, acredito que os deixara humilhados.” (As Escrituras de Nitiren Daishonin, vol. 2, pág. 98.) Essa afirmação, escrita durante o primeiro inverno que Nitiren Daishonin passou na ilha de Sado, reflete a grande diferença de sua visão sobre o Sutra de Lotús daquela mantida por Tient’ai e Dengyo. Em contraste às extensas introduções acadêmicas empregadas por esses dois sábios, Nitiren Daishonin colocou em prática o espírito de benevolência do sutra.

A intenção original de Sakyamuni, conforme já vimos, era libertar as pessoas dos grilhões de sofrimentos, e o Sutra de Lotús afirma claramente que o propósito do Buda é possibilitar todas as pessoas a se tornarem budas também. Por trás da frase, “minha capacidade em suportar perseguições e a riqueza da minha benevolência pelos outros”, esta o fato de que Daishonin persistiu na vida de perigos, privações e hostilidades com a finalidade de ensinar às pessoas a prática fundamental para a iluminação.

Para que se possa compreender as diferenças entre Nitiren e Tient’ai ou Dengyo em relação às introduções do Sutra de Lotús, é necessário levar em consideração as épocas em que eles viveram. Nitiren Daishonin apareceu no período conhecido no budismo como os Últimos Dias das Lei, época em que os ensinamentos de Sakyamuni perdem seu poder para conduzir as pessoas à iluminação. No Sutra de Lotús, o Buda fez uma referência clara sobre as maldades quando o budismo teria seu declínio e transferiu a Lei aos Bodhisattva da Terra para que a propagassem nessa época.

Os estudiosos budistas da época de Daishonin afirmam que os Útimos Dias da Lei iniciaram em 1052. De qualquer maneira, o mundo no qual Nitiren Daishonin veio a nascer em 1222 coincide perfeitamente com as descrições do sutra como uma era impura e de maldades. O Japão estava sendo agitados por guerras e assolado por sucessivos desastres naturais, e as pessoas não tinha para onde ir. Os terríveis Últimos Dias da Lei não eram uma simples idéia, mas a realidade que as pessoas vivenciaram diariamente.

Ao ver o sofrimento ao seu redor, Daishonin, diferente de muitos budistas, nunca retirou-se para fazer observações passivas a respeito da impermanência da vida. Para ele o budismo tinha a finalidade de realizar uma forma fundamental na consciência e na vida interior da pessoa e, sobre está base, não só aliviá-la do sofrimento mas levar sua influência para fora e reformar a sociedade. Baseando-se no original espírito de benevolência budista, Nitiren Daishonin seguiu o seu caminho entre as pessoas, dedicando-se incansavelmente afim de ensinar-lhes o caminho da iluminação. Neste sentido, ele desempenhou o trabalho do bodhisattva Jogyo, aquele a quem, no Sutra de Lotús, Sakyamuni havia confiado a tarefa de propagação nos Últimos Dias.

Um outro ponto que distinguiu a prática de Nitiren daquela de Tient’ai e Dengyo é no que se refere ao emprego do Chakubuku, um método de propagação, refutando ativamente os ensinos da seitas budistas que não se baseavam no Sutra de Lotús. Tient’ai e Dengyo defendiam também a supremacia do Sutra de Lotús nos debates com os estudiosos de outra seitas, porém a forma de prática observado por eles, visava principalmente a auto-iluminação através da meditação. Daishonin por outro lado, enfatizou vigorosamente a propagação para a iluminação dos outros.

Para que possamos compreender mais profundamente a razão de Daishonin atacar tão implacavelmente os erros de outras seitas, vamos rever brevemente a diferença entre o Sutra de Lotús e aos demais. Daishonin aponta claramente essa diferença na escritura “sobre o emissário mongol”, a qual afirma: “Os textos das filosofias não-budistas e as escrituras budistas Hinayana e o Mahayana provisório explicam somente os aspectos parciais da Lei da Vida. Eles não ilucidam completamente como faz o Sutra de Lotús. Assim, os sutras devem ser divididos em superiores e inferiores”. Os sutras que precedem o Sutra de Lotús explicam somente os aspectos ou funções parciais da Lei da Vida que Sakyamuni percebeu. Em contraste o Sutra de Lotús integra todas as “partes” em um todo perfeito representa a totalidade da Lei da Vida. Enquanto os ensinos pré-Sutra de Lotús explicam alguns aspectos da vida, o Sutra de Lotús apresenta seu aspecto completo.

Quando tentamos ver o todo em termos de partes, ficamos a obter uma visão incompleta e distorcida. Os sutras provisórios têm valor somente quando interpretados através do Sutra de Lotús que contém a Lei da Vida. Em outras palavras, somente quando se vê à luz da verdade total, as parciais assumem suas perspectivas corretas e desempenham seu respectivo papel. Entretanto, seitas como a Nembutsu e Shingon negligenciaram o Sutra de Lotús e escolheram sutras incompletos sobre os quais baseiam seus ensinos. Daishonin ensinou que aqueles que baseiam sua fé numa visão de vida incompleta ou distorcida, estarão fazendo a causa para a infelicidade. Foi com a finalidade de evitar que as pessoas caíssem na miséria que ele atacou esses ensinos incompletos.

Por terem se baseado nas verdades parciais, muitas seitas budistas da época de Daishonin haviam desviado do espírito original do budismo, conforme ensinado pelo Buda Sakyamuni. Alguns lamentavam as incertezas da vida e aspiravam renascer na Terra Pura, no lado oeste do universo. Outros decaíram ao nível das superstições. Visando transpor essa confusão, Nitiren denunciou as quatro seitas principais da época Nembutsu, Zen, Shingon e Ritsu — por enganarem as pessoas e distorcerem a verdadeira intenção do budismo.

Os líderes dessas escolas budistas não conseguiam refutar os argumentos de Daishonin e por isso começaram a tramar conspirações juntamente com os homens do poder afim de persegui-lo, tanto secreta como publicamente. Entretanto, ele já estava preparado para tal acontecimento. O capítulo Hoto (11o) do Sutra de Lotús estabelece as comparações dos “seis atos difíceis e nove fáceis” como uma expressão de quão difícil será propagar o Sutra nos Últimos Dias da Lei, após a morte do Buda. O capítulo Kanji (13º) do Sutra de Lotús afirma que os três poderosos inimigos 15 aparecerão disputando entre si para molestar aqueles que propagam o Sutra após a morte do Buda, e que os devotos do Sutra de Lotús sofreram várias perseguições. Os inimigos do Sutra “irão nos amaldiçoar e caluniar”, “irão nos atacar com varas e espadas”, e “seremos banidos várias vezes”. Nitiren Daishonin pessoalmente passou por todas as perseguições citadas no capítulo Kanji. Nesse sentido, inclusive, ele “viveu” o Sutra de Lotús de acordo com seu conteúdo.

A frase “suportar as perseguições” na citação da escritura “Abertura dos Olhos”, refere-se ao exílio à Península de Izu e à perseguição de Komatsubara que se originaram devido à dedicação de Daishonin em propagar a essência do Sutra de Lotús. A grandeza de Nitiren está no fato dele ter suportado essas perseguições como também de tê-las usado para confirmar a validez dos seus ensinos.

A maior perseguição sofrida por Daishonin foi o atentado e sua quase decapitação, em Tatsunokuti, no dia 12 de setembro de 1271. Com esse atentado, ele realizou a última profetizado no Sutra e estava livre da sua condição provisória como bodhisattva Jogyo e revelou sua verdadeira identidade como o Buda Original de Kuon Ganjo.


O budismo da verdadeira causa

Como foi que Nitiren Daishonin explicou o Nam-myoho-rengue-kyo, a Lei de Kuon Ganjo, em termos de sua identidade como Buda Original? Com relação a essa questão, consideremos a ligação entre o Budismo de Daishonin e o Sutra de Lotús sobre o ponto de vista da doutrina.

Apesar de ser um tanto repetitivo, é bom revermos os princípios mais importantes expostos no Sutra de Lotús. Um deles é a revelação de que os três veículos de Erudição, Absorção e Bodhisattva são meios para conduzir as pessoas ao supremo veículo do estado de Buda. Este ensino foi exposto na escola Tient’ai como “substituindo os três veículos por um único veículo”. No Sutra de Lotús, esse ensino está demonstrado na citação do capítulo Hoben de que a finalidade do advento do Buda é despertar todas as pessoas para a sabedoria do Buda, mostrar-lhes essa sabedoria, motivá-las a compreendê-la e dominá-la. E esse princípio está demonstrado na parábola “As Três Carruagens e a Casa em Chamas16 que se encontra no 3º capítulo, Hiyu. Antes de expor o Sutra de Lotús, o Buda Sakyamuni ensinou seus discípulos a aspirar os dois veículos da Erudição e Absorção como objetivo de sua prática do ensino Tripitaka e elucidou a prática de bodhisattva dos ensinos Mahayana. Mas como ele mesmo afirmou claramente no Sutra de Lotús, a finalidade do seu advento nesse mundo era fazer com que todas as pessoas se tornassem Buda iguais a ele.”

Essa afirmação contém enormes implicações. Ela quer dizer que não existe diferença fundamental entre um mortal comum e um Buda, e que o objetivo do budismo é fazer com que todas as pessoas, sem nenhuma distinção, atinjam o estado de Buda. Aqui surge um grande contraste com as religiões mais importantes que estipulam uma divindade onisciente e onipotente, o criador e soberano de todas as coisas. Embora, da mesma forma como o budismo, elas tenham ensinado a dignidade de cada vida humana, o resultado inevitável foi a diferença surgida entre Deus e os seres humanos. No budismo, todos os seres humanos têm o mesmo potencial para se tornarem Buda. Isso quer dizer que o caminho para o estado de buda está aberto para todos, sem nenhuma exceção. Torna-se um Buda significa desperta-se para imutável Lei da Vida que permeia todo o universo.

clip_image041Todos os sutras, exceto o de Lotús, particularmente das escolas Hinayana, afirmavam que Sakyamuni havia atingido o mérito da iluminação como resultado de suas inúmeras práticas de austeridades em existências passadas. Em resumo, somente aqueles que tivessem praticado o ascetismo por incontável aeons é que poderiam torna-se budas. Em contraste, o Sutra de Lotús revelou que as sementes do estado de Buda são inerentes à vida de cada um. Está revelado também no 16o capítulo, Juryo, que Sakyamuni atingiu o estado de Buda no passado remoto, num tempo chamado Gohyaku Jitengo17, invertendo a afirmação anterior do buda em que ele dizia ter atingido a iluminação nesta existência. Ao inverte a sua iluminação para o distante passado, Sakyamuni demonstrou com seu próprio exemplo que a natureza de Buda é eternamente inerente em todas as pessoas. Essas afirmações devem ter provocado um grande impacto em seus discípulos que, sem nenhuma esperança, consideravam a iluminação como privilégio único de pessoas como Sakyamuni que possuíssem qualidades especiais. Resumindo, o Sutra de Lotús aponta para a existência da Lei Última indicando que para se tornar um Buda depende da pessoa se desperta para a Lei e não do mérito pessoal acumulado em existência passadas.

A possessão mútua dos dez estados, um dos princípios que compõe o itinen sanzen significa que cada um dos dez estados da vida possui o potencial de todos os dez estados em si mesmo. Considerando em termos da iluminação dos mortais comuns, esse princípio resume-se em dois pontos básicos: o estado de Buda existe em todos os nove estados da vida e esses existem no estado de Buda. O primeiro proporciona a chave para se compreender porque um buda, dotado com nobre e absoluto estado de iluminação aparece neste mundo saha. Acrescentando, esse princípio pode ser usado para responder às perguntas comuns sobre o Buda.

A afirmação de que o estado de Buda existe nos nove estados consta no ensino teórico ou seja a primeira metade do Sutra de Lotús. Para esclarecê-lo, há uma passagem do 2º capítulo, Hoben, que menciona o seguinte: “Os budas aparecerem neste mundo porque eles desejam despertar todos os seres humanos para a sabedoria do Buda, mostrar-lhes essa sabedoria, motivá-los a compreendê-la e dominá-la”. “Todos os seres” refere-se a todas as pessoas nos nove estados desde o estado de Inferno aos de Erudição, Absorção e Bodhisattva. A passagem acima está baseada na premissa de que a sabedoria do Buda é inerente à vida das pessoas nos nove estados; essa sabedoria não poderia ser despertada se não existisse dentro deles. Uma vez que a natureza de Buda é inerente à vida dos mortais comuns nos nove estados, todos em qualquer um dos nove estados podem se tornar Buda quando se despertarem para sua sabedoria de Buda inata e fazê-la emergir de sua vida.

Outro ponto importante da possessão mútua dos dez estados é que os domínios do estado de Buda inclue todos os demais nove estados. Este é um dos temas desenvolvido no ensino essencial ou a segunda metade do Sutra de Lotús. No capítulo Juryo, Sakyamuni revela que não atingiu a iluminação pela primeira vez sob a árvore Bodh; na verdade ele a atingiu no passado distante de Gohyaku Jintengo. Essa é a revelação da iluminação Original do Buda.

Aqui surge a pergunta, se Sakyamuni havia atingido o estado de Buda no passado remoto, então porque ele não nasceu iluminado? Eporque ele nasceu no mundo saha de sofrimentos, se um Buda está qualificado a desfrutar de uma vida de felicidade ilimitada num mundo livre de aflições e problemas?

A resposta para essas questões encontra-se no ensino que diz que o estado de Buda abarca todos os nove estados. Torna-se um Buda e atingir a iluminação não significa deixar os nove estados. Mesmo depois de se atingir a iluminação, os nove estados continuam a existir. E isso está revelado numa passagem do capítulo Juryo que diz: “Uma vez eu também pratiquei as austeridades de bodhisattva. E a vida que então alcancei ainda perdura sem se exaurir. Ela durará ainda duas vezes o período de Gohyaku Jintengo.” A frase, “a vida que então alcancei”, refere-se ao estado de Bodhisattva, um dos nove estados. Essa condição nunca desapareceu. Ela continua a existir mesmo que uma pessoa atinja a iluminação.

Por esta razão, mesmo depois de ter atingido o estado de Buda em Gohyaku Jintengo, ele continuou dotado com os nove estados. O capítulo Juryo afirma: “Às vezes mostro a mim mesmo, outras vezes, os outros; às vezes mostro os meus próprios atos, outras vezes, os dos outros.” “A mim mesmo” significa o mundo do estado de Buda, e “outros”, os nove mundos. Essa passagem significa que Sakyamuni aparece, às vezes, como um Buda e em outras vezes, como uma pessoa dos nove estados.

A última parte do Sutra de Lotús descreve as práticas de bodhisattvas como Yakuo, Myo’on, Kanzeon e Fuguen que se devotaram a salvar as pessoas, usando suas respectivas capacidades. Essas práticas podem ser interpretadas como a condição de vida do estado de Buda que está representada através dos atos concretos nos nove estados, contribuindo para a felicidade das pessoas.

O princípio da possessão mútua dos dez estados ensina que um Buda não é um ser que desfruta de um estado absoluto de felicidade, livre das asperezas do mundo real. Constantemente ele manifesta as atividades da vida dos nove estados e dedica-se para salvar seus semelhantes. Em resumo, o princípio de que o estado de Buda existe latente nos nove estados, exposto no ensino teórico, estabeleceu uma análise racional para a afirmação de que os mortais comuns podem atingir o estado de Buda.

Por outro lado, o conceito de que os nove mundos existem dentro do estado de Buda, conforme cita o ensino essencial, explica que o Buda aparece no mundo e dedica-se através das atividades dos nove mundos para salvar as pessoas.

Existe uma grande diferença entre o ensino teórico e o essencial em termos de prática para se atingir o estado de Buda, apesar de ambos ensinarem a possessão mútua dos dez mundos. O ensino teórico mostra que a natureza de Buda é inerente à vida de todas as pessoas, mas é só uma afirmação como um princípio teórico. Embora as pessoas possuam o potencial do estado de buda, elas não poderão torna-se budas efetivamente enquanto a sua natureza latente de Buda não se manifestar.

No ensino essencial, o Buda Sakyamuni demonstrou com seu próprio exemplo que a natureza de Buda latente na vida pode ser manifestada. Com sua experiência pessoal em atingir o estado de Buda em Gohyaku Jintengo, ele deu sentido à afirmação do ensino teórico de que as pessoas dos nove mundos podem atingir o estado de Buda. É por essa razão que a primeira metade do Sutra de Lotús é chamada de ensino teórico e a última metade de ensino essencial.

Entretanto, mesmo o ensino essencial não dá a resposta para a questão de como Sakyamuni realmente se tornou um Buda. O fato de ter atingido o estado de Buda em Gohyaku Jintengo é apresentado somente como um resultado. O próprio Sakyamuni não disse por quê nem como ele conseguiu atingir a iluminação. E uma vez que a causa original da iluminação não foi esclarecida, os outros não puderam atingir esse mesmo nível.

Para se fazer uma analogia, suponhamos que alguém fique sabendo que algo muito valioso está guardado num recinto trancado e que lhe pertence. E por mais minunciosamente que lhe descrevam esse tesouro, ele não poderá usufrui-lo de verdade enquanto não abrir essa porta. Caso tivesse a chave, ele poderia entrar imediatamente e apoderar-se dele. A iluminação de Sakyamuni, conforme demonstrado no capítulo Juryo, é, em certo sentido, o tesouro trancado num recinto. Como o Sutra de Lotús não fornece explicitamente a chave da iluminação de Sakyamuni, as demais pessoas são incapazes de fazer o mesmo.

Nitiren Daishonin ensinou que a causa original da iluminação de Sakyamuni está oculta nas profundezas da frase “Uma vez eu também pratiquei as austeridades de bodhisattva”, que apareceu no capítulo Juryo. O grande mestre Tient’ai considerou as austeridades de bodhisattva como um meio para se desenvolver em direção à iluminação e que consistiam de 22 estágios, apesar desses números variarem nas escrituras budistas. À luz dessa classificação, Daishonin disse que Sakyamuni estava apto para atingir o 11o estágio, o não opressão18, onde infalivelmente atinge-se o estado de Buda, ao abraçar a lei do Nam-myoho-rengue-kyo. Daishonin definiu a lei do Nam-myoho-rengue-kyo como a verdadeira causa que possibilitou Sakyamuni atingir o estado de Buda, no passado distantes de Gohyaku Jintengo.

Esta Lei não só foi a chave da iluminação de Sakyamuni como também “o mestre de todos os budas através do passado, presente e futuro, o mestre de todos os bodhisattvas do universo e o guia que possibilita a todos os seres vivos a atingirem o estado de Buda”, conforme mencionados no escrito “Desejos mundanos levam a iluminação”. Nitiren Daishonin elucidou essa Lei fundamental que não foi esclarecida em nenhuma parte da imensa coleção de sutras que formam os ensinos de Sakyamuni. Em contraste ao “Budismo do Verdadeiro Efeito” de Sakyamuni, o ensino de Nitiren é denominado de “Budismo da Verdadeira Causa” e Daishonin é chamado de “Mestre da Verdadeira Causa”, pois ele revelou a causa fundamental para se atingir o estado de Buda.

Mesmo no Sutra de Lotús, a exposição completa da iluminação de Sakyamuni, apresenta seu estado de Buda somente como um efeito, algo que já fora atingido, e assim não transcende o mundo da teoria. Com o estabelecimento do Nam-myoho-rengue-kyo, o supremo ensino de Sakyamuni — o Myoho-rengue-kyo — pode, por assim dizer, realizar sua missão. É a prática do Nam-myoho-rengue-kyo que possibilita o desenvolvimento verdadeiro da pura natureza do Buda na vida das pessoas e assim dá sentido às afirmações do Sutra de Lotús.
Budismo, um aperfeiçoamento da própria vida

Com o princípio “Abraçar o Gohozon é a própria iluminação”, o Budismo de Nitiren Daishonin possibilita todas as pessoas a manifestarem a natureza de Buda de dentro de sua própria vida. Em termos práticos, a manifestação da natureza de Buda nos dá força para vencer problemas e situações difíceis da nossa vida e ao mesmo tempo realizar uma mudança dentro de nós.

clip_image043Vamos considerar o primeiro aspecto: obter forças para vencer as dificuldades. Nitiren ensina que “este mundo Saha é a eterna terra iluminada”. Em outras palavras, não existe um Buda separado de nossa vida, limitado por várias restrições.

O budismo enfrenta a realidade da vida humana, a qual está corrompida pelas ilusões e limitada pelos sofrimentos da vida e morte. Manifestar o estado de Buda é o mesmo que estabelecer a própria independência, isto é, ser capaz de tirar proveito das circunstâncias da vida em vez de ser controlado ou limitado por elas. O budismo define como básico para se obter esta independência, o despertar para a Lei Última da Vida e a fusão com ela. O estabelecimento dessa independência é o sinônimo da manifestação do estado de Buda no interior da vida. Por esta razão, o estado de buda não pode ser visto como algo separado do mundo real ou como um assunto da vida futura. A natureza de Buda emerge em formas práticas com sabedoria e energia vital as quais proporcionam o avanço da pessoa em todos os aspectos da sua vida.

Vejamos agora, brevemente, segundo aspecto: transformação profundamente positiva no nível da vida. O budismo analisa as condições de vida que o ser humano experimenta e as classifica como dez mundos que são: Inferno, Fome, Animalidade, Ira, Tranqüilidade, Alegria, Erudição, Absorção, Bodhisattva e estado de Buda. Por exemplo: Inferno indica uma vida de sofrimento insuportável, e Fome, um estado dominado por uma ganância insaciável. Esses mundos são descrições da condição interior de uma pessoa.

Os primeiros seis estados, do Inferno ao de Alegria, são condições que emergem em reação aos estímulos do meio ambiente de uma pessoa. Nessas condições ela é influenciada e controlada pelas suas circunstâncias. De acordo com a transformação de suas circunstâncias, a pessoa se move de um estado para outro. O budismo ao procurar um estado independente e absoluto, diferente daqueles seis mundos incertos, examina as profundezas da vida e descobre os quatro mundos elevados: o da Erudição, Absorção, Bodhisattva e o estado de Buda. O Sutra de Lotús ensinou que o estado de Buda, o mais alto entre os quatro, é inerente à vida de todos os seres humanos e definiu como seu último objetivo o estabelecimento de uma vida independente baseada na condição de vida do estado de Buda.

Acabamos de examinar os quatro estados de vida mais elevados em contraste com os seis mais baixos. Examinando-os mais profundamente, vemos que cada um dos dez mundos contém, por sua vez, esses mesmos dez mundos, incluindo o estado de Buda. Esse é o princípio da possessão mútua dos dez mundos. Manifestar o estado de Buda não significa negar os outros nove; antes, ele possibilitará que a pessoa harmonize-os corretamente e use-os positivamente. Nitiren Daishonin ensinou que isso se torna possível quando se abraça o Gohonzon, a entidade da iluminação do Buda Original.

Esclarecendo melhor, quando se consegue praticar e dominar o princípio da vida conforme ensinado no budismo, a natureza de Buda emergirá na vida e ela será o guia e a força motivadora influenciando os nove mundos.

A realização dos desejos materiais e a aquisição de status social não trazem necessariamente a satisfação espiritual. O budismo condena a preocupação exclusiva em adquirir riquezas e poder conforme as características dos seis mundos inferiores e direciona as pessoa para a revolução humana afim de se obter uma condição de vida superior.

Está mais do que evidente que a atual civilização foi longe demais em direção ao materialismo e à satisfação momentânea e muitos estão censurando o nosso empobrecimento espiritual. A solução para tais problemas não se encontra nos sistemas de valores impostos externamente baseados na autoridade de Deus ou do Estado. O budismo, que irradia a luz do interior da vida humana e nele busca todos os valores, servirá como um novo guia para as pessoas do mundo moderno.

O princípio budista de que a vida é sagrada possui atualmente uma importância especial. Daishonin ensinou que todos os tesouros do universo não podem ser comparados com o valor de uma vida humana e que as pessoas deveriam respeitar os seus semelhante como si mesmas como entidades dotados com a vida do Buda.

Vários impulsos, tantos bons como maus, existem nas profundezas da vida humana. Ao se basear na Lei que permeia o âmago da própria vida, todos os impulsos maus e egoísticos assim como os nobres e compassivos, são harmonizados, elevados e dirigidos para serem úteis a si mesmos e aos outros. Eis o significado máximo do Budismo de Nitiren Daishonin.

Tradicionalmente a religião e a moral sempre visaram elevar os impulsos do homem. Nessa tentativa, entretanto, eles invocaram, na maioria das vezes, pelas autoridades externas, como Deus ou o Estado. Em contraste, o Budismo de Nitiren Daishonin encontra o poder para elevar e positivamente dirigir o comportamento humano. Em uma das escrituras, Daishonin afirma: “Nunca procure o Gohonzon em outros lugares. Ele somente pode habitar o coração das pessoas comuns como nós que abraçam o Sutra de Lotús e recitam o Nam-myoho-rengue-kyo.” (As Escrituras de Nitiren Daishonin, vol. 1, pág. 325.) Naturalmente, como mencionamos antes, é a fé no Gohonzon, o Objeto de Devoção que nos possibilita manifestar a Lei Suprema em nossa vida. Todavia, a Lei Mística é inerente em todas as vidas e opor essa razão o budismo considera a vida como sagrada.

Devemos mencionar ainda que essa visão não se limita aos seres humanos mais inclui todas as formas de vida. O budismo considera que cada pessoa, animais, plantas e todas as coisas do mundo natural são “vidas” dotadas de dignidades inerente. Entretanto, isso não quer dizer que tudo que encontramos em nosso ambiente é digno de respeito. O meio ambiente inanimado é dotado com a natureza de Buda, porém são os esforços do seres humanos que farão com que ele se manifeste. O budismo ensina que ao se elevar a própria condição de vida com a prática budista, uma pessoa pode fazer emergir a vida do estado de Buda inerente ao meio ambiente mesmo nas circunstâncias mais adversas.

Em suas escrituras, Nitiren afirma que todos os fenômenos, sensíveis e insensíveis, a vida das pessoas, das gramas e árvores, da terra e mesmo o próprio universo, existem dentro de uma simples vida humana. E, além disso, a essência da vida de cada pessoa permeia todo o universo. É nisso que se encerra a análise racional para a afirmação de que a transformação da vida de uma pessoa com a prática budista pode mudar o mundo. Esse conceito representa o auge dos três mil anos de filosofia e sabedoria budista.


Parte 2

O Conceito Budista sobre a Vida

O Príncipio de Itinen Sanzen

O itinen sanzen (três mil mundos em um momento da vida) é um princípio elucidado pelo grande mestre Tient’ai, que apareceu na China nos Médios Dias da Lei. O itinen sanzen está explicado no 5º volume do Maka Shikan (Grande Concentração e Percepção), e se baseia no Sutra de Lotús que contém a iluminação de Sakyamuni. Podemos salientar, entretanto, que o itinen sanzen não se originou do estudo indutivo de Tient’ai sobre o Sutra de Lotús, mas que representa a iluminação que ele atingiu através de uma aproximativa com a sua vida interior, com base nos ensinos do Sutra de Lotús.

clip_image044Miao-lo, o 6º sucessor de Tient’ai na China, afirma no Maka Shikan Bukkyoden Gukentsu: “Este itinen sanzen é a verdade última dos seus (Tient’ai) ensinos. Por isso Chan-gan19 afirmou na sua introdução: “O Maka Shikan revela o ensino que o próprio Tient’ai praticou nas profundezas do seu ser.”

No 7º capítulo do 5º volume do Maka Shikan, Tient’ai ensinou a perceber a verdadeira natureza da vida com a medição no “espaço inescrutável”, tendo o princípio de itinen sanzen como base. Nitiren Daishonin cita essa passagem do Maka Shikan no começo do escrito “O Verdadeiro Objeto de Devoção para Observar a Mente Estabelecido no Quinto Período de Quinhentos Anos após o Falecimento do Buda”: “O quinto volume do Grande Concentração e Discernimento afirma: “Cada instante da vida está dotado com os Dez Mundos. Simultaneamente, cada um dos Dez Mundos contém todos os Dez Mundos e, em conseqüência disso, uma entidade de vida possui, na verdade, cem mundos. Cada um desses mundos possui trinta domínios, que significa que em cem mundos há três mil domínios. Os três mil mundos da existência estão todos contidos em um único momento da vida. Se não houver vida, nada existe. No entanto, se houver uma fagulha de vida, esta irá conter todos os três mil mundos... É isso o que queremos dizer quando falamos do ‘domínio do incompreensível’.” (The Writings of Nichiren Daishonin, pág. 354.)

Itinen, literalmente “uma mente”, indica momentos da vida que pulsa em cada instante no mortal comum, e Sanzen, o fenômeno que ela manifesta. A passagem acima mencionada mostra-nos que cada instante da vida (itinen) possui os três mil mundos (sanzen) mundos diferentes e que esse instante e os três mil mundos estão relacionadas dinamicamente e integrados em uma única entidade harmoniosa.

A frase “cada instante da vida está dotado com os Dez Mundos” significa que o potencial das dez condições — Inferno, Fome, Animalidade, Ira, Tranqüilidades, Alegria, Erudição, Absorção, Bodhisattva e o estado de Buda — existe um instante da vida. Na parte seguinte lê-se: “Simultaneamente, cada um dos Dez Mundos contém todos os Dez Mundos e, em conseqüência disso, uma entidade de vida possui, na verdade, cem mundos.” Nenhum dos dez estados é fixo ou isolado entre si. A vida em qualquer um dos Dez Estados possui os Dez Estados dentro de si, isto é, ela tem o potencial para manifestar qualquer um dos dez estados a qualquer instante. Este conceito é chamado de “possessão mútua dos dez estados”. Devido ao fato de cada um dos Dez Estados conter os Dez Estados em si, temos o total de cem mundos. Cada um desses mundos, por sua vez, possui trinta mundos. Cada um dos dez estados inclui os dez fatores da vida, cada um dos dez fatores possui os três princípios de individualização. Conseqüentemente, se cada um dos dez mundos é dotado com os trinta princípios da individualização, os cem mundos possuem três mil mundos. Os dez fatores são: aparência, natureza, entidade, poder, influência, causa inerente, causa externa, efeito latente, efeito manifesto e consistência do início ao fim. Os três princípios de individualização são: Cinco Agregados da Vida (forma, percepção, concepção, volição e consciência); Ambiente Natural e Ambiente Social. O termo “três mil mundos” não é simplesmente um número mas representa a profundidade e totalidade da vida.

A frase citada prossegue: “Os três mil mundos da existência estão todos contidos em um único momento da vida. Se não houver vida, nada existe. No entanto, se houver uma fagulha de vida, esta irá conter todos os três mil mundos... ”. Conforme a citação indicada, itinen sanzen é uma filosofia de vida muito sofisticada afirmando que todos os fenômenos, sem exceção, existem em cada momento da vida de um mortal comum. Quanto a relação mútua entre itinen sanzen, o Maka Shikan afirma:

“Não se pode dizer que ‘a mente’ vem antes de ‘todos os fenômenos’ ou que ‘todos os fenômenos’ vem antes da ‘mente’... Nem se pode dizer que alguém procede a outrem... Se alguém disser que todos os fenômenos se originam de uma mente, é uma relação vertical. Ou se alguém disser que todos os fenômenos manifestam a mente ao mesmo tempo, é uma relação horizontal. Nem a vertical ou a horizontal é correta. Tudo que alguém poderia dizer é que a mente representa todos os fenômenos e estes representam a mente. O conhecimento não consegue expressá-lo. Por esta razão denomina-se ‘o espaço inescrutável’.”

Os ensinos provisórios expostos antes do Sutra de Lotús sustenta que a mente é a base de todos os fenômenos e que estes se originam da mente. Em contraste a esta idéia, conforme indicado no Maka Shikan, o Sutra de Lotús ensina que a mente de todos os fenômenos são “dois mas não dois” e não pode ser separados um do outro.

De acordo com a afirmação no Maka Shikan: “ A mente representa todos os fenômenos e estes representam a mente”, a relação de itinen e sanzen é “obscura, sutil e profunda ao extremo”, além dos poderes comuns de percepção e descrição. Essa é a razão porque é dominada “o espaço inescrutável”.

Falando concretamente, três mil leis do universo estão contidos em uma existência momentânea da vida, enquanto que num instante da vida permeia todas as três mil leis. Itinen permeia sanzen enquanto está condensado no itinen. Na relação mútua do itinen e sanzen todos os fenômenos no universo tomam forma. É isto que foi ensinado por Tient’ai no seu princípio de itinen sanzen.

Nos Tríplice Ensinos Secretos (Sanju Hiden Sho), Nitikan Shonin o 26o sumo prelado, discute a relação entre itinen e sanzen, como segue:

“Questão: Um instante da vida é infinitamente breve. Como é que ele pode conter os três mil mundos?

“Resposta: À luz do Sutra de Lotús, a frase “três mil mundos num instante momentâneo” tem dois significados: incluir e permear. Por outro lado, todo universo está incluso em cada instante da vida e, por outro lado, cada instante da vida permeia o universo inteiro. Um instante da vida é uma partícula de pó que possui os elementos de todas as terras do universo, ou uma gota d’água cuja essência não difere daquela do vasto oceano.”

O conceito dos “três mil mundos” integra os princípios dos Dez Mundos, sua possessão mútua, os Dez Fatores, os três princípios de individualização, todos os constantes do Sutra de Lotús. Esses números multiplicados (10 x 10 x 10 x 3) dão o total de “três mil mundos” e significa que todos os fenômenos do universo estão incluídos numa simples entidade ou existência e mesmo um único ser está diretamente relacionado com todas as coisas do universo.

No Maka Shikan, Tient’ai expôs o conceito de itinen sanzen e tomou-o a base para observar “o espaço inescrutável”, isto é, a mente. Quando alguém tenta observar sua própria vida através da meditação introspectiva e prossegue nessa busca incessantemente, no final atingirá a verdade de itinen sanzen.

Em outras palavras, todas as pessoas possuem inerentemente o itinen sanzen, embora essa realidade seja inescrutável, além da capacidade de reconhecê-lo ou concebê-lo. Como meio para se observar este domínio do inconcebível ou itinen sanzen inerente à vida das pessoas, Tient’ai estabeleceu várias práticas tais como a meditação sobre os dez assuntos20, as dez meditações21, os 25 exercícios preparatório e a contemplação tríplice em uma única mente. O Budismo de Tient’ai era extremamente difícil e sua política de observação da mente, por ser exclusivamente relacionada aos domínios internos da vida, não era dirigida para o mundo exterior da sociedade. Além disso, a maneira de se praticar que Tient’ai ensinou não era acessível à maioria das pessoas e sim a uma reduzida elite. Nitiren Daishonin, o Buda dos Últimos Dias da Lei, ultrapassando as limitações do Budismo de Tient’ai, estabeleceu um meio pelo qual todas as pessoas igualmente pudessem compreender o itinen sanzen por si mesma. Na última parte, examinaremos a visão de Nitiren Daishonin sobre o itinen sanzen em relação ao Sutra de Lotús e aos ensinos de Tient’ai. Antes disso, entretanto, gostaríamos de explicar cada um dos conceitos que compõe o itinen sanzen — os dez mundos e sua possessão mútua, os dez fatores da vida e os três princípios da individualização, assim como os demais princípios relacionados, tais como, percepções das três existência e inseparabilidade do corpo e da mente.


Os dez estados de vida (Jikkai)

clip_image046Os dez estados indicam as dez condições de vida que o ser humano sente. É uma análise dos fenômenos que uma vida manifesta no decorrer de sua existência. Originalmente, os dez estados significavam o lugar em que cada um renascia em várias existências como conseqüência do carma acumulado. Por exemplo: no estado de Tranqüilidade ou Humanidade como ser humano, no estado da Animalidade, como o animal e no estado de Fome, como um espírito faminto, e assim por diante. Entretanto, conforme vimos na possessão mútua dos dez estados, à luz do Sutra de Lotús os dez estados podem ser considerados como uma classificação dos vários estados ou condições da vida que uma pessoa manifesta em cada momento de sua vida. Os dez estados descrevem as sensações subjetivas experimentadas pelo “eu” no âmago da vida. Enumerados do inferior ao superior, eles são: Inferno, Fome, Animalidade, Ira, Tranqüilidade, Alegria, Erudição, Absorção, Bodhisattva e estado de Buda.

1) O Estado de Inferno (Jigoku) Inferno indica um estado completamente destituído de liberdade, uma condição de sofrimento extremo que a pessoa passa como resultado do seu carma. Nitiren Daishonin afirma no “Verdadeiro Objeto de Devoção”: “A violência existe no mundo do Inferno”. Conforme essa afirmação indica, essa é uma condição caracterizada pelo impulso de destruir a si próprio assim como tudo e todos que estiverem em seu caminho. De acordo com os sutras, que descrevem este estado como um local físico, existem vários tipos de infernos inclusive os oito infernos maiores (quentes), oito infernos frios e dezesseis infernos menores.

2) O Estado de Fome (Gaki) Nitiren Daishonin cita no “Verdadeiro Objeto de Devoção”, que ganância existe no mundo da Fome. Nessa condição, a pessoa é governada pelos desejos materiais como alimento, roupa e dinheiro, como também desejos de obter o poder e a fama. A pessoa nesse estado é atormentada, tanto física como espiritualmente, pelos desejos implacáveis. As causas para esse estado são atribuídas às tendências negativas como avareza, ganância e inveja. O Abidatsuma Junshori Ron descreve três tipos de espíritos da fome e cada um deles está subdividido em três, e o sutra Shobonenjo descreve cerca de trinta e seis espécies de espírito da fome. Em uma carta endereçada a Shijo Kingo, um dos seus leais seguidores, datada de julho de 1271, Nitiren Daishonin também menciona tipos que representam os espírito da fome como aqueles parecidos com caldeirões, aqueles que comem vômitos, aqueles que estão sempre sedentos, aqueles que invejam as propriedades alheias, aqueles que não possuem propriedades, aqueles que usam a lei para fins maldosos e demônios com cabeça de boi e de cavalo.

3) O estado de Animalidade (Tikusho) Tikusho é um termo usado para animais em geral. De acordo com o sutra Fumbetsu Goho Ryaku e o Sutra Jojitsu, mesmo que a pessoa tenha nascido como ser humano na presente vida, caso ela resmungue ou calunie os outros, abandone-se aos prazeres sensuais ou fique freqüentemente enfurecida, ela poderá renascer como um animal na próxima existência. Observando o estado de Animalidade como uma condição da vida humana, Nitiren Daishonin afirma no “Verdadeiro Objeto de Devoção para Observar a Mente Estabelecido no Quinto Período de Quinhentos Anos após o Falecimento do Buda”: “A insensatez representa o mundo do animal.” Nesse estado a pessoa é escrava dos desejos e do instinto e perde o sentido da razão e da moralidade. O escrito “Sobre o Soberano, Mestre e Pais” descreve o estado Animalidade da seguinte forma: “Os baixos são engolidos pelos altos e os pequenos são devorados pelos grandes.” Na “Carta a Niike” consta: “Animal é matar ou ser morto.” O critério das ações daqueles no estado de Animalidade é a luta pela sobrevivência, a lei da selva. As pessoas desse estado tomam vantagens dos fracos e adulam o mais fortes. Os estados de Inferno, Fome e Animalidade são chamados de três maus caminhos.

4) O estado de Ira (Shura) Shura é uma abreviação de Ashura. Na mitologia indiana, Ashura era demônios que viviam lutando com o deus Taishaku. Os deuses celestes encontraram prazer na bondade enquanto que Ashura se deleitaram com as maldades. Dizem que a aparência de Ashura é feia em virtude do seu ódio para com os deuses celestes. Com relação a esse estado de vida, Nitiren Daishonin afirma: “A perversidade existe no mundo da Ira.” Nesse estado, a pessoa é dominada pelo egoísmo, despresando os outros e valorizando a si própria. Apega-se fortemente a idéia de sua superioridade e não suportar ser inferior a ninguém em nada. Daishonin refere-se a esse estado no escrito “Causalidade nos Sete Estados da Vida” (Jippokai Myoinga Sho): “O primeiro volume do Maka Shikan cita: ‘Aquele no estado de Ira, motivado pelo exagero desejo de ser melhor do que todos os outros, está sempre depreciando os outros e exaltando a si mesmo. É como um falcão procurando pela sua presa. Ele poderá mostrar externamente que possui benevolência, retidão, justiça, sabedoria e fé e ter inclusive um rudimentar senso de moral, porém seu coração permanece no estado de Ira.” Os estados de Inferno, Fome, Animalidade e Ira são chamados de quatro maus caminhos.

5) O estado de Tranqüilidade (Nin) O budismo define o ser humano com uma criatura no estado da Humanidade. No sânscrito, Manushya quer dizer homem ou “uma criatura que pensa”. Uma passagem do Abindo Ron cita: “Existem oito característica que compôem o ser humano: inteligência, caráter, consciência, raciocínio correto, sabedoria, capacidade de distinguir o verdadeiro do falso, uma enorme possibilidade — mais do que as outras criaturas — de atingir a iluminação e, boa sorte desde existências passadas. Portanto, o caminho humano é denominado Manushya. Nitiren Daishonin afirma: “A serenidade existe no mundo da Humanidade”. Nesse estado a pessoa possui senso moral, pode expressar julgamento justo, pensar racionalmente, controlar seus desejos instintivos através da razão e portar-se de modo humano.

6) O estado de Alegria (Ten) Esta é uma condição de alegria. Dizem que existem vinte e oito céus no mundo da Alegria — seis no mundo do desejo, dezoito no mundo da forma e quatro no mundo da abstração21. O “Verdadeiro Objeto de Devoção para Observar a Mente Estabelecido no Quinto Período de Quinhentos Anos após o Falecimento do Buda” afirma que o estado de Alegria existe no mundo do êxtase. Existem vários tipos de alegria, representados pela divisões do mundo tríplice. O mundo do desejo é literalmente um mundo cheio de desejos e alegria. Esse mundo é expressado pelo prazer abstrato que a pessoa sente quando suas vontades imediatas são satisfeitas. O mundo da forma é o mundo material e físico, onde seus habitantes são livres de desejos, porém ainda são limitados por alguns tipos de restrições materiais. A alegria desse mundo inclui sensação de bem-estar, saúde e energia. O mundo de deformidade é um domínio espiritual e sua alegria é representada pela satisfação e contentamento espiritual. Todas as alegrias que sentimos nesse estado são efêmeras e desaparecem com o passar do tempo ou ainda com a transformação das circunstâncias. Os seis estados, do Inferno ao de Alegria são chamados de seis caminho ou seis mundos inferiores. O aparecimento e desaparecimento desses estados são totalmente governados pelas influências externas. Cada um desses caminhos aparece automática e instintivamente de acordo com os vários desejos e suas manifestações e frustrações. A maioria das pessoas passa o seu tempo indo e vindo dentro desses seis mundos inferiores. Ao contrário os quatros caminhos nobres — Erudição, Absorção, Bodhisattva e estado de Buda — são estados mais elevados e que para atingi-los são necessários a auto-reflexão e esforços conscientes na transformação de si próprios.

7) O estado de Erudição (Shomom) Homens de erudição significam, originalmente, aqueles que ouviam o Buda pregar as quatro nobres verdades22, esforçavam-se para eliminar os desejos mundanos e atingiam a iluminação. O Hokke Guengui menciona três grupos de Shomom ou homens eruditos, entre quais ouviram Sakyamuni pregar o Sutra de Lotús. Nos ensinos teóricos, o Buda disse que a finalidade da vida humana não estava em atingir os estados de Erudição, Absorção ou Bodhisattva mas, sim, o estado de Buda, que todas as pessoas possuem na vida. Sharihotsu compreendeu isso quando ouviu o Buda falar a respeito da “verdadeira identidade de todos os fenômenos” no capítulo Hoben. Sharihotsu faz parte do primeiro grupo. O segundo grupo atingiu a mesma compreensão, aquelas das três carroças e a casa em chamas, no capítulo Hiyu, e o terceiro grupo, quando o Buda explicou sua relação com eles no capítulo Kejoyu. Como resultado, o Buda profetizou que todos eles atingiram a iluminação.

8) O Estado de Absorção (Engaku) Em sânscrito, engaku é pratyekabuddha e esse estado é também chamado de “despertar por si mesmo” (dokakku). As pessoas nesse estado compreendem algumas verdades, independentemente dos ensinos budistas, e as usa principalmente para seu próprio proveito. Eles eliminam as ilusões e obtêm a emancipação através da percepção das doze correntes ligadas da causalidade ou despertar por si mesmos para a verdade da impermanência com a observação direta do mundo ao seu redor. A Erudição e Absorção são denominadas de nijo ou os dois veículos. Nitiren afirma no “Verdadeiro Objeto de Devoção para Observar a Mente Estabelecido no Quinto Período de Quinhentos Anos após o Falecimento do Buda”: “O fato de todas as coisas no mundo serem transitórias é perfeitamente claro para nós. Não seria porque os mundos dos dois veículos estão presentes no estado de Tranqüilidade?” Os dois veículos são os estados em que a pessoa desperta para o fato de que a vida é transitória. E ao refletir baseando-se nessa verdade, a pessoa liberta-se de ser controlada pelas condições mutáveis e pelos desejos inatos como aqueles dos seis caminhos, e estabelece uma certa independência. Entretanto, o despertar das pessoas nos dois veículos é dirigido somente para sua própria salvação.

9) O estado de Bodhisattva (Bosatsu) Bodhi significa sabedoria de Buda, e sattva, seres sensíveis. De acordo com a escritura budista, Butsujikyo Ron, sattva também significa valor. Conseqüentemente, “bodhisattva” significa originalmente aqueles que corajosamente aspira pela iluminação. O estado de Bodhisattva é caracterizado pelas ações altruístas. Na “Casualidade nos Dez Estados de Vida” lê-se: “Aqueles no estado de bodhisattva vivem entre os mortais comuns dos seis caminhos e humilham-se respeitando os outros. Os bodhisattvas atraem as maldades para si e dão benefícios aos outros.” Esse é um estado de compaixão de querer salvar os outros dos sofrimentos mesmo que isso lhe custe a vida, e, ao mesmo tempo, objetiva atingir a iluminação com a prática budista. Todos os bodhisattva fazem quatro grandes juramentos quando tentam pela primeira vez realizar a prática de bodhisattva para atingir a iluminação. Os quatro grandes juramentos são: 1) transportar todas as pessoas através mar de sofrimentos para a distante praia da iluminação; 2) erradicar todos os desejos mundanos; 3) dominar todos os ensinos budista; 4) atingir a suprema iluminação. O ensino específico, os segundo mais alto entre as quatro doutrinas, divide as austeridades de bodhisattva em 52 estágios. Nos ensinos pré-Sutra de Lotús, muitas existências de práticas de bodhisattva eram necessárias para se atingir a iluminação, mas o Sutra de Lotús revelou que uma pessoa poderia atingir o estado de Buda nessa existência ao abraçar a Lei Mística.

10) O Estado de Buda (Butsu) Essa é a condição de liberdade perfeita e absoluta, o supremo estado em que se domina todas as leis e se compreende o caminho médio que é realidade última da vida. Os “dez títulos honorífico do Buda”, que aparecem no 12o volume do Juju Bibasha Ron, podem ser considerados como uma descrição do poder, da sabedoria, da virtude e da habilidade próprios do estado de Buda. Eles são:

a. “Assim, o único surgiu” (Nyorai ou Buda — aquele que atingiu a verdade): o Buda incorpora a verdade fundamental de todos os fenômenos e compreende a lei da causalidade permeando o passado, o presente e o futuro.

b. “Digno de oferecimentos” (Ogu — aqueles que é digno de receber oferecimentos): um Buda está qualificado para receber os oferecimentos das pessoas.

c. “Conhecimento correto e universal” (Shohenti — aquele que conhece tudo perfeitamente): o Buda é dotado de sabedoria ampla e perfeita, e compreende todos os fenômenos correta e equitativamente.

d. “Conduta e claridade perfeita” (Myogyosoku — aquele que percebe a verdade e segue o caminho): o Buda compreende a eternidade da vida e age espontaneamente para o bem do seu semelhante.

e. “O superior” (Zenzei — aquele que foi para o mundo da iluminação):o Buda liberta-se das ilusões com a sabedoria ilimitada e alcança o estado de Buda com a prática do caminho óctuplo. 6) “Compreendidos do mundo” (Sekengue — aquele que entende todos os assuntos seculares e religiosos).

f. “O insuperável” (Mujoshi — aquele que não é ultrapassado por ninguém): um Buda permanece supremo entre todos os seres vivos.

g. “Líder do povo” (Jogojobu — aquele que dirige): o Buda ensina e lidera todas as pessoas para a iluminação.

h. “Mestre dos homens e dos deuses” (Tenninshi): o Buda é o mestre capaz de guiar todas as pessoas.

i. 0) “Buda o Augusto” (Butsu-seson): o Buda é um iluminado, dotado de perfeita virtude e sabedoria, aquele que conquista o respeito e a aprovação de todos com seu comportamento. Essas dez categorias e respectivas explicações variam um pouco de acordo com as diferentes escrituras budistas.

j.

A Possessão Mútua dos Dez Estados (Jikkai Gogu)

clip_image048Possessão mútua quer dizer que cada um dos dez estados contém em si todos os outros dez. O Maka Shikan afirma: “Cada um dos dez mundos é dotado com todos eles.” Semelhantemente, o Hokke Guengui afirma: “Cada um dos dez mundos contém outros nove”, e o Hokke Mongu afirma: “Cada um dos dez mundos inclui, por sua vez, todos os dez mundos.” Esse princípio expressa a realidade da vida de que nenhuma das dez condições é estável, mas que mudam de momento a momento. A “possessão mútua” explica a relação mútua dos dez mundos, como cada um deles muda da inatividade para a manifestação ativa e vice-versa. Por exemplo: em um momento, uma pessoa pode estar sentindo a alegria desse estado, porém, no momento seguinte, por algum fator, suas circunstâncias mudam repentinamente e ela é atirada para as profundezas do inferno. Isto não significa, entretanto, que o estado de Alegria não exista mais. Ele passou do estado manifesto para o latente, de uma condição perceptível para a imperceptível. Com estímulo externo apropriado, ele volta à tona novamente, passando da condição de latência para a manifesta. Dessa forma, os dez estados, do Inferno ao de Buda, são ativados pela relação com o mundo exterior e manifestam-se tanto no aspecto físico quanto no espiritual de todas as atividades humanas. Suponha que denominamos um dos Dez Estados que se encontra ativo agora de estado “A”. De acordo com a possessão mútua dos dez mundos, a vida no estado “A” contém todas as dez condições dentro de si. Em outras palavras, no próximo instante ela pode manifestar a mesma condição ou qualquer uma das nove. Se dominamos o estado latente que irá se manifestar no próximo instante de estado “B”, podemos dizer que esse estado existe no estado “A”. Qual dos estados se manifestará no próximo momento não depende somente das influências externas, mas também da tendência básica da vida do indivíduo. A mesma influência externa não evidenciará necessariamente o mesmo mundo em todas as pessoas. Nossa condição de vida oscila de momento a momento, mas, de uma perspectiva mais ampla, podemos descobrir sempre uma ou mais condições em torno das quais as atividades de nossa vida centralizam-se. Essa condição é denominada de tendência básica da vida. Existem duas interpretações desta tendência básica da vida. No escrito “Verdadeiro Objeto de Devoção para a Observar a Mente Estabelecido no Quinhentos Anos após o Falecimento do Buda”, Nitiren Daishonin comenta a possessão mútua dos dez estados em torno de dez estados incluídos no estado de Tranqüilidade. Uma vez que nascemos como seres humanos, ocupamos o mundo da Humanidade ou Tranqüilidade. Desse ponto de vista, o mundo “A”, que possui todos os dez estados dentro de si, indica a forma na qual uma vida vem à existência e realiza suas atividades, por exemplo, como ser humano ou um animal. Essa é uma das tendências básicas da vida. O mundo “B” corresponde aos dez aspectos ou condições diferentes que essa vida assume em cada instante em relação as influência do seu meio ambiente. Daishonin explicou a possessão mútua dos dez mundos dessa maneira porque as pessoas de sua época pensavam a respeito dos dez mundos de acordo com o significado tradicional, dez domínios diferentes, isto é, os seres humanos constituem o mundo da Humanidade, os animais, o mundo da Animalidade e assim por diante. Entretanto, em seu escrito Daishonin abordou o assunto de maneira mais compreensível para os seus contemporâneos.

Certamente, o fato de termos nascido como seres humanos determina sobremaneira a forma de como vivemos nesse mundo. Por exemplo, seria-nos impossível levar uma vida espiritual ou criativa caso tivéssemos nascido como animais. Entretanto, mesmo entre os que nasceram como humanos, algumas pessoas sofrem eternamente nos estados de Fome ou Animalidade, enquanto que outras desfrutam quase que constantemente de uma condição de vida mais elevada, tal como às dos dois veículos e bodhisattva. Em outras palavras, podemos considerar os dez mundos como uma classificação da disposição básica das pessoas com relação à vida. O estado ou estados visíveis de vida em uma pessoa denotam sua tendência básica. Essa é a segunda interpretação. Nesse caso, o estado “B” que existe no estado “A” representa as constantes condições de vida que se manifestam de um momento ao outro, enquanto “A” é a tendência básica da vida.

Aqui surge a questão de como alguém pode mudar a tendência básica da vida, que é formada pelo acúmulo de carmas passados. É por isso que o budismo enfatiza a importância de transformar o carma e reformar a vida interior com a prática budista.

O objetivo máximo da nossa prática budista é elevar nossa tendência e estabelecer o supremo estado de Buda como alicerce da nossa vida. Procedendo assim realizaremos a transformação da nossa vida que é denominada de Issho Jobutsu ou atingir o estado de Buda nessa existência. A conclusão da possessão mútua dos dez estados é que cada indivíduo pode fazer emergir a natureza de Buda inativa dentro dos nove mundos ilusórios, aperfeiçoando desse modo a base da sua vida.
Os Dez Fatores da Vida (Junyoze)

No capítulo Hoben do Sutra de Lotús, em que o Buda prega sua iluminação a Sharihotsu, ele afirma “A Lei que o Buda atingiu é mais rara e mais difícil de se compreender. A verdadeira entidade de todos os fenômenos só pode ser compreendida e compartilhada entre os budas.” “Todos os fenômenos” são as condições transitórias da vida que são classificada em dez mundos, enquanto que a “verdadeira entidade” é o verdadeiro aspecto da vida. Essa “verdadeira entidades de todos os fenômenos” é tão difícil de se compreender que mesmo homens de Erudição como Sharihotsu, considerado como mais sábio entre os discípulos de Sakyamuni, foi incapaz de dominá-la.

clip_image050Em seguida o Buda explica a “verdadeira entidade” como segue: “Esta realidade consiste da aparência, natureza, entidade, poder, influência, causa inerente, causa externa, efeito latente, efeito manifesto e sua consistência do princípio ao fim.” Em outras palavras, quando todos os fenômenos são analisados em termos desses dez fatores, o verdadeiro aspecto da vida emerge. O grande mestre Tient’ai desenvolveu o sistema filosófico de itinen sanzen com base nessa passagem do capítulo Hoben, usando esses dez fatores como princípio numérico de onde se originam os três mil mundos.

Os dez mundos, explicados anteriormente, são também um fator na computação para se chegar aos três mil mundos. Porém, enquanto os dez mundos representam a diferença entre os fenômenos, os dez fatores descrevem o padrão de vida comum a todos os fenômenos. Explicando todos os fenômenos manifestam inevitavelmente um estado dos dez mundos. Cada um dos dez mundo são diferentes entre si. Entretanto cada um deles possui os dez fatores, tanto o estado de Inferno como o do estado de Buda. Assim, o grande mestre Tient’ai considerou os dez fatores da vida como algo que é possuído igualmente por todos dez mundos. Conclui-se portanto que todas as formas e vidas que aparecem e desaparecem do mundo fenomenal são ao mesmo tempo diferentes e iguais.

As diferenças entre os fenômenos são inúmeras, mas todos os fenômenos podem ser classificados de acordo com os dez mundos. Como cada um dos dez mundos contém inerentemente esses dez mundos, o mundo dos fenômenos é ampliado numa centena de mundos. E como cada um desses cem mundos contém, por sua vez, inerentemente, o padrão de vida denominado de dez fatores, o mundo dos fenômenos é ampliado em mil fatores. Assim, o mundo fenomenal passa por uma centena de mundos do ponto de vista da diferença e um mil fatores do ponto de vista da igualdade. O assim chamado uma centena de mundos e um mil fatores no budismo é uma visão da vida que abrange simultaneamente as diferenças e as igualdades.

Agora, vejamos, resumidamente, cada um dos dez fatores à luz das citações do quinto volume do Maka Shikan e segundo volume do Hokke Guengui, ambos de Tient’ai.

1) Aparência (nyoze-so): Ambos os textos afirmam que a aparência é a “manifestação externa que podemos perceber ou observar”. Em outras palavras, aparência significa os aspectos externos e perceptíveis Ela inclui a forma, cor, tamanho e ação, e em termos de seres humanos indica o lado material e físico da nossa existência.

2) Natureza (nyoze-sho): Ambos os textos descreve a natureza como interna. Indica a disposição qualidade inerentes que não são perceptíveis. Em termos de vida humana significa os aspectos espirituais como a mente e a consciência. O Hokke Guengui cita que a natureza significa uma “tendência interna imutável” e o Maka Shikan também descreve natureza como imutável. Nitikan Shonin comenta da seguinte maneira, nos “Tríplice Ensinos Secretos”: “A natureza de todos os dez mundos, seja boa ou má, está enraizada nas profundezas da vida e permanece imutável mesmo em existências futuras”. Por exemplo, a natureza diabólica de inferno jamais muda e está sempre inerente às vidas das pessoas. Assim, a natureza dos dez mundos não muda.

3) Entidade (nyoze-tai): É defendida como “essência”, ou seja, entidade significa a base ou a essência da vida que sustenta e integra a aparência externa e a natureza interna. Nitikan Shonin define-a como “entidade e essência dos dez mundos”. Em resumo, é a essência da vida que se manifesta em cada uma das dez condições de vida dos dez mundos. Os três primeiros fatores explicam todos fenômenos e vidas do ponto de vista estático. Os demais seis fatores – poder, influência, causa inerente, causa externa, efeito latente e efeito manifesto – explicam as ações e funções dinâmicas da vida. Os três primeiros compreendem a realidade essencial da vida a qual sustenta essas ações.

4) Poder (nyoze-riki): O Maka Shikan define poder como “a capacidade de agir”. O Hokke Guengui afirma também que poder indica capacidade. Em outras palavras, poder significa a força inerente ou energia para realizar algo. Nitikan Shonin afirma que poder é a capacidade que a vida possui em cada um dos dez mundos. Por exemplo: aqueles no mundo da humanidade têm o poder de conservar os cinco preceitos*; o estado de bodhisattva é dotado como poder de praticar os quatro grandes juramentos e executar os seis paramitas24 etc.

5) Influência (nyoze-sa): O Maka Shikan afirma que a influência quer dizer movimento ou criação e o Hokke Guengui define como “construção”. Em outras palavras, influência significa ação ou movimento motivado quando a energia potencial (poder) é ativada. Nitikan Shonin define estes fatos como “o esforço da influência, tanto boa como má, através da ação, palavras e pensamentos”. Por exemplo: aqueles no estado de Tranqüilidade praticam o bem e vencem o mal de suas ações, palavras e pensamentos, esforçando-se ao máximo para viver de forma condizente como ser humano. Os dois fatores de poder e influência pressupõem a existência de algo externo em cuja direção o movimento ou ação é conduzido. O fator entidade, quando acompanhado dos fatores dinâmicos de poder e influência, pode ser considerado como “eu” autônomo que pode agir em relação às outras vidas. Então como a ação desse “eu” provoca um desses dez mundos para se manifestar? A resposta está explicada nos quatro fatores da causa inerente, relação, efeito latente e efeito manifesto. O Hokke Guengui explica esses quatro fatores da seguinte maneira: “Causa interna é causa inerente, causa auxiliar é relação, efeito interno é efeito latente e o resultado é o efeito manifesto.”

6) Causa inerente (nyoze-in): O Maka Shikan afirma: “O que produz efeito é a causa. Este é também chamado de carma”. O carma, tanto bom como mau, age para trazer efeitos, tanto bons como maus, e é chamado de causa inerente. “Causa interna”, conforme citado acima significa a causa inerente à vida e que origina um efeito equivalente, isto é, uma boa causa traz um bom efeito e uma causa má, um efeito ruim. Este inevitável efeito latente da vida é chamado da “efeito interno”.

7) Relação (nyoze-in): O Maka Shikan define a relação como “tudo que auxilia a manifestação do carma”. Relação, também chamada de causa externa, é a causa auxiliar que faz com que o carma (causa interna) manifeste o seu efeito. Por exemplo: o mau carma quando ativado por algum estímulo externo, provocará o efeito de sofrimento infernal.

8) Efeito latente (nyoze-ka): Esse é o efeito produzido nas profundezas da vida quando a causa inerente ou direta é ativada pela relação ou causa auxiliar. A respeito disso, Nitikan Shonin afirma nos “Tríplices Ensinos Secretos”: “Se a mente produz o bem ou o mal depende do bem ou do mal realizado antes. Nesse sentido, aquilo que a mente produziu é a causa inerente e o que será feito é o efeito latente. Na verdade, ambos são simultâneos, inerentes em nossa vida.” Como está afirmado, tanto a causa inerente como o efeito latente são subjacentes à vida por existir nas profundezas dela, não existe nenhum espaço de tempo entre os dois, como costuma haver entre a ação e seu efeito manifesto.

9) Efeito manifesto (nyoze-ho): O Maka Shikan afirma: “Efeito significa fazer justiça à causa. Tanto a causa inerente como o efeito manifesto são denominados em conjunto como ‘causa’, porque juntos eles vinculam o efeito manifesto no futuro.” Em outras palavras, o efeito manifesto é um resultado concreto e perceptível que emerge depois que o tempo passa como uma conseqüências de causa inerente e efeito latente.

10) Consistência do princípio ao fim (nyose-honmatsu-kukyoto): Nitikan Shonin afirma: “Aparência é o começo e o efeito manifesto é o fim. Consistência do princípio ao fim é a entidade imutável do caminho médio permeando todos os demais nove fatores.” Em outras palavras, os nove fatores são igualmente sustentados e inseparáveis da verdadeira entidade da vida ou o caminho médio. A consistência do princípio ao fim explica que quando os três primeiros fatores são coletivamente definidos como a entidade (começo) e os seis fatores seguintes como função (fim), ambos começo e fim, isto é, a entidades de todos fenômenos e suas funções são inseparáveis. Todas as coisas e seres existem e agem em virtude desses dez fatores os quais são integrados em uma simples entidade, o tempo todo.


As Três Verdades da Existência (Santai)

As Três Verdades da Existência consistem da verdade da ausência de substâncialidade (Kutai), verdade da existência temporária (Ketai) e verdade do Caminho Médio (tyutai). Tai de Santai significa “aquilo que é óbvio ou claro”. Na realidade, essas três verdades são fases de uma mesma verdade e Santai transforma-se, às vezes, nas três percepções. O acesso a essa verdades foi estabelecido por Tient’ai que se baseou no Sutras Yoraku e Ninno e na parte versificada do Tyu Ron de Nagarjuna. Existem dois aspectos dessas três verdades. Nos sutras anteriores ao Sutra de Lotús, as três verdades eram consideradas como separadas e independentes. O grande mestre Tient’ai, entretanto, baseou-se nas afirmações do Sutra de Lotús de que todos os fenômenos manifestam a verdadeira identidade e ensinou que as três eram fundamentalmente unas e inseparáveis. Isso se chama fusão das três verdades (en’yu no santai). O motivo pelo qual a passagem dos dez fatores da vida, referente à verdadeira entidade de todos os fenômenos, é repetida por três vezes durante o Gongyo, mostra que as três verdades, fundamentalmente, são uma só.

clip_image052Nitiren Daishonin afirma nos “Ensinos Orais” (Ongui Kudem), na parte que se refere ao capítulo Hoben, que a fusão das três verdades é o Nam-myoho-rengue-kyo. Em conclusão, o Nam-myoho-rengue-kyo em si é a Lei que Tient’ai compreendeu e que ele procurou esclarecer com o conceito da fusão das três verdades.

A verdade da ausência de substancialidade é que os fenômenos não têm existência fixa ou absoluta; ou melhor: sua verdadeira natureza é kuu um estado potencial que não pode ser tomado como existência ou inexistência. Com esta percepção da verdade, pode-se dizer que seremos capazes de eliminar os pensamentos e desejos ilusórios, o primeiro das três categorias de ilusões, estabelecidas por Tient’ai. Os pensamentos e desejos ilusórios originam-se na nossa consciência e dos cinco sentidos, assim como apego ao nosso ego superficial ou a outras coisas que nos trarão sofrimentos. A percepção de que nada existe eternamente e que tudo é kuu permite-nos descartar desses apegos.

A verdade da existência temporária é que todos os fenômenos, embora não tenham substância estabelecida, existem como fenômenos temporários (ke) em um estado de constantes mutações. Com a percepção desta verdade, pode-se dominar a segunda categorias de ilusões — inúmeras ilusões que impedem os bodhisattva de salvar os outros. Essas ilusões são obstáculo que se originam da ignorância dos inúmeros fatos que ocorrem no mundo e surgem para pertubar os bodhisattvas quando eles procuram vários ensinos, tanto budista como os demais, os quais eles devem dominar para poder ajudar todas as pessoas.

Com o reconhecimento de que todos os fenômenos são temporários e que passam por constantes mutações, podemos eliminar as ilusões e compreender a respeito de tudo que se relaciona às pessoas e aos fenômenos. A verdade do Caminho Médio é que os fenômenos possuem tanto os aspectos de ausência de substancialidade como a de existência temporária, mas que na sua essência estão longe da verdadeira entidades de todos os fenômenos a qual é difícil de se demonstrar ou compreender. Com a percepção dessa verdade, as pessoas poderão destruir a última categoria de ilusões, aquelas que referem à verdadeira natureza da vida e que impedem que atinja a iluminação. A ignorância da verdadeira natureza da vida é a origem de todas as outras ilusões e desejos mundanos. Ela causa a discriminação entre eu e o outro e assim impede as pessoas de compreenderem a realidade mística de todas as coisas.

Conforme foi explicado até agora, a fusão das três verdades pode ser considerada como um princípio indicado a Lei de Nam-myoho-rengue-kyo. As três verdades são, na realidade, os três aspectos de uma única verdade. Como existe uma única verdade, elas não podem ser separadas, ou melhor, elas estão integradas em uma única verdade da Lei Mística, que também é chamada de entidade da fusão das três verdades. Para nossa conveniência, vamos examiná-las separadamente. Referindo-se à fusão das três verdades, Nitijun Shonin, o 65o sumo prelado, afirmou: “A fusão das três verdades significa que cada uma delas contém as outras três dentro de si. Todas as três estão contidas em cada uma delas, assim como cada uma contém todas as três. Elas não podem ser colocadas verticalmente, horizontalmente ou em qualquer outra ordem.”

Ao observar as três verdades à luz da vida humana, o escrito “Sobre os Dez Fatores da Vida” afirma: “Primeiramente, aparência significa o aspecto físico da nossa vida, que é interpretada como ação, emancipação ou verdade da existência temporária do atributo iluminado do buda. Em segundo lugar, natureza significa o aspecto espiritual da nossa vida e corresponde à sabedoria ou verdade da ausência de substancialidade do atributo espiritual iluminado do Buda. Em terceiro lugar, entidade é a entidade da nossa vida e que se chamam o atributo da Lei, a verdade do Caminho Médio, a natureza essencial da Lei ou iluminação.”

Esta passagem mais difícil correlaciona os três primeiros dos dez fatores — aparência, natureza e entidade — com as verdades (santai), os três atributos do Buda (sanjim) e outros conceitos. Primeiro, aparência corresponde à verdade da existência temporária ou o aspecto físico de vida que passa por constantes mutações. Quando relacionada com a vida humana iluminada, a aparência se manifesta como o físico do Buda ou ao seu tributo iluminado de atos de benevolência (ojin) e a libertação dos grilhões da ilusão e do sofrimentos. Em resumo, aparência indica forma e comportamento. Natureza corresponde ao aspecto espiritual da vida ou a verdade da ausência da substancialidade, tornando-se manifesto como atributo espiritual do Buda da sabedoria iluminada (hoshin), ou a sabedoria que percebe corretamente a verdadeira natureza da vida. Entidade corresponde à verdade do caminho médio, manifestando-se como atributo iluminado de Lei (hosshin). Indica a natureza essencial da Lei ou verdadeira entidade da vida. Conforme a passagem indica, todas as três verdades são encontradas em nossa própria vida.

Com referência à relação entre as três verdades e os três atributos do Buda, Nitiren Daishonin afirma no escrito “Sobre o Ensino Afirmados por todos os Budas” (Sanzen Shobutsu Sokammon Sho): “Nos mortais comuns, eles se chamam três verdades, porém, quando se atinge o estado de Buda, são chamados de três atributos iluminados. As três verdades e os três atributos iluminados são dois nomes diferentes para uma mesma realidade.”

Tient’ai procurou eliminar os três tipos de ilusões e compreender a fusão das três verdades com a prática de meditações denominada tríplice contemplação em uma mesma mente. No Budismo de Nitiren Daishonin, podemos adquirir a sabedoria da tríplice contemplação, superando os três tipos de ilusão, e podemos atingir a realidade da fusão das três verdades em nossa vida, ao abraçar o Gohonzon.

O escrito “A Entidade da Lei Mística” (Totaigui Sho) traz em parte: “Aqueles que têm fé no Sutra de Lotús e recitam o Nam-myoho-rengue-kyo... poderão revelar a tríplice contemplação e a fusão das três verdades em sua vida...” Na sua explanação sobre esta citação, Nitikan Shonin afirma: “As três verdades indicam kyo ou realidade objetiva e a contemplação tríplice, ti ou sabedoria objetiva. Fiquem cientes de que aqueles que têm fé no Sutra de Lotús e recitam o Nam-myoho-rengue-kyo poderão compreender e manifestar a Lei Mística, a fusão perfeita de kyo e ti em sua própria vida, e se tornarem Buda que é a entidade do Nam-myoho-rengue-kyo, oculto nas profundezas do capítulo Juryo do ensino essencial.

Devemos crer no que ele nos ensina. Quando acreditamos no Gohonzon e recitamos o Nam-myoho-rengue-kyo, fazemos a fusão de uma vida como o Gohonzon, a incorporação da Lei Mística, e atingimos diretamente a fusão das três verdades e a tríplice contemplação, manifestando os três atributos do Buda em nossa vida.
A Inseparabilidade do Corpo e da Mente (Shiki-shin-funi)

No comentário sobre o Hokke Guengui do grande mestre Miao-lo consta: “A aparência somente existe naquilo que é matéria e natureza, somente no que é espiritual. A entidade, o poder, a influência, a causa externa e o efeito latente são puramente espirituais; o efeito manifesto somente existe na matéria.” Conforme está claro nesta passagem, a aparência é o lado físico, manifesta externamente o aspecto da vida e é denominada de “material”. Natureza indica o aspecto interior e invisível da vida que se chama “espiritual”. A causa externa e efeito latente são subjacentes à vida e portanto são considerados fenômenos espirituais. A entidade, o poder, a influência e causa inerentes, todos, vinculam os aspectos material e espiritual da vida.

clip_image054Os nove fatores estão perfeitamente integrados entre si através do fator de consistência do princípio ao fim. Entretanto, os dez fatores representam a unicidade da matéria do espírito ou do corpo e da mente. Esse termo aparece pela primeira vez como as “dez unidades” no décimo quarto volume do Hokke Guengui Shakusen comentário de Miao-lo no Hokke Guengui, mas o conceito filosófico originou-se da análise sobre a verdadeira entidade da vida no Hokke Guengu. Miao-lo desenvolveu o princípio da inseparabilidade do corpo e da mente ou da matéria e do espírito, com base na explanação de Tient’ai.

Funi de shiki-shin-funi é uma abreviação dos termos nini-funi (dois mas não dois) e funi-nini (não dois mas dois). Em outras palavras, ao mesmo tempo em que se reconhece uma diferença superficial entre os fenômenos físicos e espirituais, nega-se a existência de qualquer separação essencial e ao invés disso considera-os como duas fases essenciais de uma única entidade. Portanto, o conceito de shiki-shin-funi inicia com tentativa de reconhecimento das diferenças entre os fenômenos físicos e espiritual e que comumente são conhecidos como “corpo e mente” ou “matéria e espírito”. Os fenômenos espirituais são os aspectos internos da vida tais como a razão e a emoção que não possuem cor nem forma e não se pode afirmar a sua existência de forma plausível. Entretanto, esta diferença entre a matéria e o espírito não é absoluta nem fundamental, tampouco considera um como base do outro. O princípio budista de que o corpo e a mente são dois aspectos de uma entidade transcende a visão dualista da matéria e do espírito.

Na interpretação sobre a inseparabilidade do corpo e da mente em termos da “verdadeira entidades de todos os fenômenos”, Tient’ai considerou a diferença entre a matéria e o físico como concernente de “todos os fenômenos” e “unicidade” como parte da dimensão da “verdadeira entidade”. A “unicidade” do dois fenômenos, aparentemente distintos, da matéria e do espírito, representava para ele um meio de demonstrar a verdadeira entidade ou a realidade última da vida.

Recentemente está sendo confirmada a influência mútua dos fenômenos mental e físico nos campos da ciência, tais como a Medicina, Fisiologia e Psicologia. Entretanto, o conceito budista sobre a inseparabilidade do corpo e da mente vai além da relação psicossomática. Ou melhor, esse conceito compreende a realidade última que torna possível o relacionamento mútuo dos fenômenos físico e espiritual. Em outras palavras, o ser humano é visto em termos da realidade última que permeia todos os fenômenos.

clip_image056O escrito “A Verdadeira Entidade da Vida” cita em parte: “Realidade é uma outra expressão para Myoho-rengue-kyo está evidente em todos fenômenos.” Todos os seres do universo, inclusive a vida humana, são funções e manifestações da verdadeira entidade, Myoho-rengue-kyo.

No escritos “A Teoria e a Realidade de Itinen Sanzen” lê-se: “Aparência é corpo... Natureza é a mente. Entidade é tanto um como outro, isto é, corpo e mente.” No escrito “Sobre os Dez Fatores da Vida” lê-se: “Aparência significa o aspecto físico da nossa vida... Natureza significa o aspecto espiritual da nossa vida... Entidade é a entidade da nossa vida.” Nesse escrito, Nitiren Daishonin explica os dez fatores da vida à luz do corpo e da mente humanos, mostrando que a aparência externa e a natureza interna são fases intrínsecas da entidade da vida. Isto é, as funções da verdadeira entidade, Myoho-rengue-kyo, aparecem como aspectos físico e espiritual da vida.

Em contraste a Tient’ai e Miao-lo, que explicaram que os fenômenos físico e espiritual são inseparáveis e tentaram compreender a Lei Mística como a “unicidade” dos dois, Nitiren Daishonin representou essa “unicidade” de forma prática para que todas as pessoas possam manifestar a Lei Mística em sua vida. Nos escritos, ele freqüentemente explica os aspectos físicos e espiritual da vida em relação a prática da fé dos devotos. Por exemplo, a “Carta para o Reverendo Nitiro na prisão”, afirma: “Alguns lêem o Sutra de Lotús com os lábios, mas não com o coração. E mesmo que leiam com o coração não o lêem em suas ações. Louváveis de fato são aqueles que lêem o Sutra com os aspectos físicos e espiritual de sua vida.” Somente quando realizamos nossa prática com os aspectos físico e espiritual da vida podemos manifestar o poder do Myoho-rengue-kyo.

Nos “Ensinos Orais”, consta: “Devoção de uma vida significa a lei física e espiritual da vida. O princípio último incorpora a unicidade das duas leis.” “O princípio último” indica a verdadeira entidade da vida — que é Nam-myoho-rengue-kyo. Quando devotamos nossa vida à Lei Mística e nela baseamos nossas ações, estaremos fazendo a prática nos dois aspectos físicos e espiritual da nossa vida.

Nos Últimos Dias da Lei, Nitiren Daishonin incorporou “o princípio último” no Gohonzon, a entidade do Nam-myoho-rengue-kyo. Com a prática diária do Gongyo, nós devotamos os aspectos físico e espiritual da nossa vida ao Gohonzon. Com essa prática nossa vida funde-se com a vida do Buda e nossa natureza de Buda brota dentro do nosso ser. Quando transformamos nosso interior com base da Lei Mística, podemos dar plena ação aos nossos aspectos físico e espiritual como manifestações da Lei Mística. Esse é o significado da prática da inseparabilidade do corpo e da mente ensinado por Daishonin.


Os três Princípios da Individualização da Vida (Sanseken)

Os três princípios de individualização da vida constituem-se de cinco componentes da vida, ambiente social e ambiente natural. O princípio de individualização da vida aparece no Daitido Ron de Nagarjuna, mas foi Tient‘ai quem o desenvolveu como um componente do princípio de itinen sanzen. Em virtude de cada um dos cem mundos conter os dez fatores e com os três princípios de individualização, chegamos aos três mil mundos.

O princípio da individualização indica que o mundo dos fenômenos, limitado pelo tempo e pelo espaço, e que está em constantes mudanças, assumindo aspectos diferentes à medida que se manifesta cada um dos dez mundos; os cincos agregados são elementos que se constituem os seres vivos e o ambiente natural é onde esses seres vivem. No “Tríplice Ensino Secreto”, Nitikan Shonin afirma: “Individualização significa diferença.” As diferenças das condições de vida dos dez mundos não se manifestam somente na vida de cada ser vivo mas também nos cinco componentes da vida e seus ambientes.

Os cinco componentes da vida (Go’on Seken)

clip_image058A palavra on, traduzida como componente, originalmente tinham dois sentidos: “acumular” e “ocultar ou vendar”. Os cinco componentes — forma, percepção, concepção, volição e consciência — tomam coloração no carma que a pessoa formou em sucessivas existências e agem para formar o carma futuro. Nas condições de vida mais baixas, esses cinco componentes agem para “ocultar” a boa Lei, ou a natureza de Buda da pessoa fazendo com que ela seja vítima das ilusões e incapaz de ver os fatos de forma correta e de levar a vida corretamente. Os sofrimentos surgem dos cinco componentes, os chamados oito sofrimentos25, que são causados pelas ações desses componentes quando estes são controlados pelo estado de vida que não é iluminado. Os cinco componentes são:

1) Forma: Indica o aspecto da vida que possui atributos como forma e cor. Inclui também os órgãos dos cinco sentidos — visão, olfato, audição, paladar e tato — com os quais percebemos o mundo exterior.

2) Percepção: É a função de receber as informações externas através dos seis órgãos sensoriais (os cinco sentido mais a “mente” que integra as impressões sensoriais).

3) Concepção: Esta é a função pela qual a vida compreende e elabora idéias sobre aquilo que foi percebido.

4) Volição: Significa a vontade de agir com relação aquilo que foi percebido e sobre o qual foi concebida uma idéia.

5) Consciência: Essa é a função da vida de discernir fazendo avaliação, distinguir o bem do mal etc. Ao mesmo tempo ela age para apoiar e integrar as demais quatro funções.

Quando os cinco componentes são classificados de acordo com os aspectos físico e espiritual da vida, forma indica o aspecto físico e os demais quatro componentes, o aspecto espiritual. Entretanto, uma vez que os atributos físico e espiritual da vida são inseparáveis, não existe forma sem a percepção, concepção, volição e consciência, nem existe consciência sem a forma, percepção, concepção e volição. Os cinco componentes devem ser compreendidos como todo e considerados em termos de sua interação.

Uma vez que as atividades de um ser vivo são conduzidas pelas ações relacionadas dos cinco componentes, a ilusão que se manifesta nos cinco componentes manifestar-se-à como ilusão em toda vida de um indivíduo. Nitikan Shonin afirma no “Tríplice Ensino Secreto”: “Nos nove mundos, os cinco componentes significam ‘vendar’, pois eles assim agem para ocultar a boa lei. Nesse sentido eles agem como causa. Essa causa resulta no aumento de sofrimentos; assim, os cinco componentes significam, por outro lado, ‘acumular’. Nesse sentido eles funcionam como efeito.”

Como mencionamos, as diferenças manifestam-se em cada um dos cinco componentes. Nos nove mundos desde o Inferno ao de Bodhisattva, os cinco componentes agem para “ocultar” a boa lei ou Myoho-rengue-kyo e conseqüentemente “acumulam-se” sofrimentos. Entretanto, não são somente aqueles que estão nos nove mundos ilusórios que possuem os cinco componentes; as ações daqueles que estão no estado de Buda são conduzidas pelos cinco componentes. Nitikan Shonin cita, ainda, na mesma obra: “No estado de Buda, os cinco componentes agem para ‘acumular’ a alegria eterna e são ‘encobertos’ pela benevolência”. Em outras palavras, na vida das pessoas que se encontram no estado de Buda, os cinco componentes agem para criar uma felicidade indestrutível em vez de sofrimentos e toma as qualidades da benevolência em vez da ilusão. Assim, os cinco componentes da vida esclarecem o fato de que as diferentes condições de vida dos dez mundos se manifestam nesses componentes. A condição de vida que se manifesta nos cinco componentes também está relacionada com a condição de vida manifestada nos outros dois ambientes.


O ambiente social (Shujo Seken)

O que o budismo chama de “seres vivos” são seres que são sensíveis e possuem consciência. Dentro da nossa finalidade, podemos vê-los como seres humanos. Nitikan Shonin afirma nos “Tríplice Ensinos Secretos”: “Os seres vivos são classificados de acordo com os dez mundos e são formados pela união temporária dos cincos componentes. O estado de Buda é o supremo estado dos seres vivos”. Todos os seres vivos, daqueles do estado de Inferno ao de Buda, são formados pela combinação temporária dos cinco componentes.

clip_image060Exatamente como as diferentes condições de vida dos dez mundos manifestam-se em cada um dos cinco componentes, da mesma forma estes se manifestam nos seres vivos que são combinações temporárias desses cinco componentes. O ambiente social é denominado, às vezes, de “ambiente só no nome”, porque “seres vivos” é somente um nome dado à união temporária dos cinco componentes.

Aqui surge a pergunta: Se os seres vivos só existem no nome, então por que foi necessário estabelecer uma categoria separadas para eles, independente dos cinco componentes? No budismo, os seres vivos são geralmente considerados como gregários; raramente vivem isolados. O ambiente social significa que um ser é visto como um todo em relação aos outros seres vivos. Por outro lado, os cinco componentes da vida são uma visão analítica da interação das funções física e espiritual na vida de um ser. O ambiente dos seres vivos inclusive é visto como seu ambiente social.

Em resumo, o ambiente social indica uma verdade comum de que vivemos a nossa vida conjuntamente com outras pessoas. Entretanto, ao tratar com as pessoas, temos a tendência de formar a idéia de eu como oposto e separado dos outros e é fácil cair na ilusão de que o eu é imutável e independente de todos os outros fenômenos. Embora o eu seja governado pelas ilusões e arrastado pelos desejos, alguns consideram, o eu como fixo e absoluto. O budismo ensina que todos os sofrimentos humanos, no final das contas, originam-se deste egocentrismo.

A idéia de que “seres vivos existem só no nome” visava romper essa ligação ao conceito fixo de um eu absoluto. A idéia de que os seres vivos são somente uma “união temporária

O ambiente natural (kokudo Seken)

clip_image062O ambiente natural significa o lugar onde os seres vivos habitam e do qual dependem para desenvolver suas atividades vitais. Nele se incluem os insensíveis como as montanhas, o rio, as plantas etc., que cercam os seres vivos. Nitikan Shonin definiu o ambiente natural como “a morada de todos os seres vivos dos dez mundos”. Os diferentes estados dos dez mundos manifestam-se no ambiente natural, de acordo com a condição da vida das pessoas que aí vivem.

Nitikan Shonin descreveu os ambientes do dez mundos no “Tríplice Ensinos Secretos”. Primeiro, em relação ao ambiente da vida nos seis caminhos inferiores, ele afirma: “O Inferno é a morada de ferro vermelho flamejante, e Fome, um lugar a quinhentos yojana26 sob a terra. Aqueles no estado de Animalidade vivem na água, na terra e no ar. Ira habita o fundo do mar ou a sua superfície. Tranqüilidade é a vida na terra e os seres da alegria vivem em um palácio...”

Todas essas descrições originam-se das avaliações dos habitats dos seres nos seis caminhos inferiores que constam nas escrituras budistas. A submersão no ferro derretido exprime o tormento inevitável que se sofre no estado de Inferno. Uma moradia escura e estreita, nas profundezas da terra, é uma boa descrição do estado de Fome, estado em que a pessoa é prisioneira dos seus desejos. Os peixes, bichos e pássaros que vivem na água, na terra ou no ar e que se matam uns aos outros, representam o mundo da Animalidade, uma condição governada pelos instintos, e as ondas estrondosas do oceano, assim como a sua força de submergir qualquer espécie de vida em um segundo, representam o ego controverso e arrogante de ira. A estabilidade da terra vasta e plana simboliza o tranqüilo estado de Humanidade e uma vida prazerosa em um palácio descreve a condição extasiante da alegria.

Nitikan Shonin descreve mais adiante os ambientes dos quatro mundos nobre: “Aqueles dos dois veículos vivem na Terra de Transição, os bodhisattvas vivem na Terra da Verdadeira Recompensa e os Budas vivem na Terra da Tranqülidade e Luz”. A Terra de transição também chamada de Terra de Transição e dos remanescentes. “Remanescentes” indica que embora as pessoas tenham erradicado as ilusões de pensamentos e desejos e tenham se libertado dos sofrimentos do nascimento e morte nos seis caminhos, elas ainda têm de eliminar as ilusões remanescentes incluindo a fundamental escuridão ou ignorância da própria natureza de Buda.

A Terra da Verdadeira Recompensa é mais precisamente chamada de Terra da Verdadeira Recompensa e Não Impedimento. “Verdadeira Recompensa” significa o benefício que um bodhisattva obtém como resultado de sua austeridade e “Não Impelimento” significa que a pessoa não encontra obstáculos físicos nem espirituais em sua prática budista.

A Terra da Tranqüila Luz é mais precisamente chamada de Terra da Tranqüila Luz Eterna, onde verdadeiros budas vivem. “Eterna” refere-se à eterna natureza de Buda. “Tranqüila” significa a emancipação dos sofrimentos do nascimento e morte, e “Luz” significa sabedoria.

A escola de Tient’ai estabeleceu uma classificação denominada “quatro espécie de terras”, que consistem da Terra da Transição, Terra da Verdadeira Recompensa, Terra da Tranqüila Luz Eterna e Terra dos Seres Iluminados e Não Iluminados. Esse último indica uma terra onde sábios e mortais comuns vivem juntos, assim como neste mundo saha. Nos ensinos pré-Sutra de Lotús, assim como nos ensinos teóricos do Sutra de Lotús, esses quatro tipos de Terra eram consideradas separadas e independentes. Entretanto, no capítulo Juryo dos ensinos essencial, o Buda afirma: “Tenho estado constantemente neste mundo, expondo a Lei e propagando seus ensinos”, revelando que este mundo, onde mortais comuns iludidos vivem, é a própria Terra da Tranqüila Luz Eterna. As quatro espécie de terra não são separadas, mas são, em sua essência, uma única terra. Esta identificação do lugar onde o Buda vive é denominada de Princípio Místico de Verdadeira Terra e ensina que este mundo saha, isto é, a terra dos seres dos nove mundos, é a própria terra do Buda, iluminada pela luz da Lei Mística.

O grande mestre Tient’ai afirma: “Uma terra deste mundo possui também os dez fatores.” O ambiente contém todos os dez fatores e cada um deles, por sua vez, é dotado com os dez mundos, e assim, teoricamente, o ambiente pode manifestar o estado de Buda. Ao esclarecer o Princípio Místico da Verdadeira Terra, no capítulo Juryo do ensino essencial, o Buda demonstrou que a Lei Mística é o poder que traduz essa possibilidade em realidade. Nitiren Daishonin, que ensinou o princípio de “estabelecer o ensino correto para a paz da nação”, demonstrou uma forma real de prática para estabelecer a Terra do buda com base na Lei Mística.
A Inseparabilidade da Vida e seu Ambiente (esho funi)

O conceito dos três princípios de individualização inclui em si o princípio da inseparabilidade da vida e seu ambiente. Explicando, o ser vivo que consiste da união tempóraria dos cinco componentes, constitui o “eu” subjetivo que experimenta as recompensas cármicas de suas ações passadas. Os cinco componentes e o ambiente social — os dois primeiros dos três princípios de individualização — são definidos como “vida” em termos da “vida e seu ambiente”. Por outro lado, deve existir um lugar definido onde a recompensa cármica que a vida sente, toma sua forma. E isso corresponde ao último dos três princípios de individualização, o ambiente natural.

clip_image064Tanto a vida como seu ambiente mostram o efeito manifesto produzido pelas ações internas da vida como a causa inerente, a relação e o efeito latente. Os efeitos do carma aparecem tanto na vida de um ser como no seu ambiente real porque eles são duas fases da mesma entidade e a formação do ambiente de uma pessoa coincide com o aparecimento da sua vida neste mundo.

A vida e seu ambiente, ou, em outros termos, seres sensíveis e insensíveis, são quase sempre considerados como separados e independentes, mas no nível fundamental da vida eles são um e inseparáveis. E isso se chama inseparabilidade da vida e seu ambiente.
Conforme explicamos anteriormente na parte da inseparabilidade do corpo e da mente, “unicidade” inclui os conceitos de “dois mas não dois”. Em outras palavras, a vida e seu ambiente podem ser visto separadamente como fenômenos, mas eles são um e inseparáveis sob o ponto de vista da verdadeira entidade da vida. Pesquisas biológicas e ecológicas mostram a interação estreita entre os organismos vivos e seu ambiente, mas essa influência recíproca é somente uma relação no nível dos fenômenos, onde a vida e seu ambiente ainda estão separados distintamente. O princípio da inseparabilidade da vida e seu ambiente vê a vida como uma entidade total que integra o ser vivo e seu ambiente real. Conforme vimos antes, os cinco componentes da vida podem ser considerados como funções que ligam o ser vivo às suas circunstâncias. As várias condições de vida dos dez mundos que se manifestam nos cinco componentes, estes por sua vez, manifestam-se nos seres vivos e seus ambientes. Miao-lo afirma no seu Hokke Mongu Ki: “Os dez mundos ligam, invariavelmente, a vida e seu ambiente...” A entidade da vida em cada um dos dez mundos é a integração total do ser vivo e seu ambiente. Nitiren Daishonin afirma no “Sobre Presságios”: “As dez direções são ‘ambiente’ (eho) e os seres sensíveis são ‘vida’ (shoho). Ambiente é como a sombra e a vida, o corpo. Sem o corpo, não pode haver sombra. De maneira semelhante, sem a vida, o ambiente não existe, embora a vida seja mantida pelo seu ambiente.”
O Sutra de Lotús e o Itinen Sanzen de Tient’ai

Conforme a explicação anterior, o itinen sanzen é um princípio desenvolvido por Tient’ai como base no Sutra de Lotús. O Sutra de Lotús em si é a expressão da iluminação de Sakyamuni, o estado de vida que ele próprio atingiu. Tient’ai encontrou o princípio de itinen sanzen numa passagem do capítulo Hoben onde consta a explicação sobre os dez fatores da vida. Entretanto, somente os cem mundos e os mil fatores dos seres vivos devem ter-se originado dessa passagem. A idéia de que um momento da vida inclui o ambiente natural, o último dos três princípios de individualização, não se tornou claro até a revelação da Verdadeira Terra no capítulo Juryo do ensino essencial. Embora Tient’ai tenha citado o ensino teórico como base de seu sistema de itinen sanzen, na verdade este sistema está fundamentado no ensino essencial. Com referência a este fato, Nitiren Daishonin afirma no escrito “Os Dez Capítulos”: “A origem escrita do itinen sanzen encontra-se na passagem referente aos dez fatores do ensino teórico... Porém o seu conteúdo encontra-se somente no ensino essencial”. Quando o teórico do Sutra de Lotús é visto com esta compreensão, então a citação do capítulo Hoben referente aos dez fatores pode ser lida como afirmação do próprio itinen sanzen. O itinen sanzen indicado no ensino teórico é chamado de teoria do itinen sanzen enquanto que o itinen sanzen que se baseia nos três princípios místicos da Verdadeira Causa, do Verdadeiro Efeito e da Verdadeira Terra, do capítulo Juryo do ensino essencial é denominado itinen sanzen real. Nitikan Shonin afirma no “Tríplice Ensinos Secretos”: O ensino teórico é denominado de itinen sanzen teórico porque a sua explicação é em termos da verdadeira entidades de todos os fenômenos nas vidas dos mortais comuns, enquanto que o ensino essencial é chamado de itinen sanzen real, em vista da sua explanação concreta em termos da causa, efeito e terra do buda.”

À luz da interpretação de Nitikan Shonin, o sistema de itinen sanzen de Tient’ai, apesar de incorporar o conteúdo do ensino essencial, é considerado teórico por que foi desenvolvido com base na verdadeira entidade de todos os fenômenos inerentes à vida do mortais comuns.

Como vimos, no capítulo Hoben do ensino teórico, Sakyamuni expôs a verdadeira entidade da vida em termos de dez fatores mostram o que existe de comum em todos os fenômenos e vidas. As pessoas em qualquer um dos dez estados, buscavam o padrão comum da vida que se chama de dez fatores, independentes das diferenças em sua condições de vida. Por exemplo, a vida no estado de Inferno é dotada de dez fatores e a vida no estado de Buda também é dotada com os mesmos fatores. Os ensinos do pré-Sutra de Lotús faziam uma discriminação entre o mundo do estado de buda e os demais nove mundos e ela foi refutada através do ensino teórico do Sutra de Lotús.

Nos ensinos pré-Sutra de Lotús, os dez mundos eram vistos separada e distintamente e a maior diferença existente entre eles era aquela que separava o estado de Buda das demais. Por exemplo: as pessoa dos dois veículos eram declaradas eternamente incapazes de atingir a iluminação, da mesma forma as pessoas más. Entretanto, a revelação dos dez fatores no ensino teórico do Sutra de Lotús removeu a barreira entre o mundo do estado de Buda e os demais nove mundos, mostrando que todos buscavam a verdadeira entidade.

O ensino teórico também mostra a possessão mútua dos dez mundos do ponto de vista de que o estado de Buda existe nos demais nove mundos. O capítulo Hoben declara que o propósito do advento do Buda neste mundo é despertar em todos os seres a sabedoria do Buda, revelá-la, fazer com que todos a conheçam e a dominem. Se a intenção do Buda é “despertar em todos a sabedoria de Buda”, pressupõe-se que todos os seres devem possuir, inerentemente, essa sabedoria do Buda (estado de Buda). Isso significa que as pessoas em qualquer um dos nove mundos têm a possibilidade de se tornarem buda em sua vida. A obtenção da iluminação pelas as pessoas dos dois veículos e pelas pessoas malvadas27 aparece nos últimos capítulos dos ensinos teóricos em que se verifica o princípio afirmado no capítulo Hoben. Assim, com a revelação de que o estado de Buda é inerente aos nove mundos, o ensino teórico do Sutra de Lotús mostra que todos os seres humanos podem, teoricamente, atingir a iluminação. É por esta razão que se denominou de ensino teórico de itinen sanzen.

Entretanto, mesmo em termos de teoria, o ensino teórico do Sutra de Lotús é chamado de itinen sanzen somente do ponto de vista amplo. Conforme mencionados anteriormente, apesar do itinen sanzen ter revelado os dez fatores e a possessão mútua dos dez mundos, não esclarece os três princípios de individualização. Além disso, o ensino teórico mostra somente a possibilidade da iluminação universal, porém não esclarece a forma de traduzir essa possibilidade em realidade. Entretanto, no capítulo Juryo do ensino essencial, o Buda Sakyamuni mostrou a Verdadeira Causa, Verdadeiro Efeito e Verdadeira Terra da Iluminação. Com a demonstração da sua experiência real em atingir a iluminação, o Buda consolidou a afirmação de que os mortais comuns são capazes de atingir o estado de Buda. O Buda Sakyamuni afirmou no capítulo Juryo: “O tempo é ilimitado e infinito — muitas centenas de milhares de nayuta aeons — desde que realmente atingi o estado de Buda”. Com essa passagem, o Buda negou sua afirmação anterior de que havia atingido a iluminação pela primeira vez nessa existência e ensinou que atingiu a iluminação em um passado remoto. E essa iluminação é denominada de Verdadeiro Efeito. Buda no passado remoto, ele se referia à causa para esta iluminação, como segue: “Uma vez eu também pratiquei as austeridades de bodhisattva e a vida que então alcancei ainda perdura sem se exaurir. Ela durará ainda duas vezes o período de Gohyaku Jintengo.” A “vida que então alcancei” indica o mundo de bodhisattva. Como esta citação afirma, mesmo após ter atingido a iluminação, a condição de bodhisattva continuou a existir na vida de Sakyamuni. Aqui, estado de Buda indica o efeito e bodhisattva, representando os nove mundos, indica a causa. Tient’ai, conseqüentemente, interpretou esta passagem como indicativo da Verdadeira Causa para a iluminação de Sakyamuni.

Em virtude da possessão mútua dos dez mundos, mesmo depois de ter atingido a iluminação num remoto passado, os nove mundos continuaram fazendo parte de sua vida. Já comentamos a citação do capítulo Juryo: “Ás vezes, ensino a meu respeito, outras vezes, sobre os outros: às vezes, mostro a mim mesmo, outras vezes, os outros; às vezes, mostro os meus próprios atos, outras vezes, dos outros.” Através desta citação, Sakyamuni mostrou que ele personificava a possessão mútua dos dez mundos, sob o ângulo de que o estado de Buda é dotado com os nove mundos.

Outrossim, Sakyamuni revelou o lugar onde ele atingiu o estado de buda — a Verdadeira Terra. O capítulo Juryo afirma: “Desde então, tenho estado sempre neste mundo, ensinando e propagando a lei.” Esclarecendo, este mundo secular é o lugar exato onde o buda sempre viveu e ensinou às pessoas.

De acordo com o ensino pré-Sutra de Lotús, o mundo saha é, no sentido exato da palavra, a morada das pessoas que vivem nos seis caminhos inferiores e, em termos gerais, pode se estender para incluir aqueles nos nove mundos um mundo instável, no estado de alterações contínuas. Pensava-se que o buda apareceria nesse mundo temporariamente com a finalidade de salvar os mortais comuns e que a Terra do buda localizava-se em algum lugar diferente do mundo saha.

clip_image066No capítulo Juryo do Sutra de Lotús, entretanto, o Buda declarou que este mundo secular é a própria Terra da Tranqüila Luz Eterna onde o Buda vive constantemente. Esse é o princípio místico da Verdadeira Terra. Com a revelação de que esse terreno mundo é a própria terra do Buda, torna-se claro que seres insensíveis como árvores, plantas e meio ambiente possuem a natureza de Buda e que o conceito dos três princípios de individualização está completo.

Nitiren Daishonin afirma no “Verdadeiro Objeto de Adoração”: “Pergunta: Qual é a diferença entre o princípio de uma centena de mundos ou mil fatores e o itinen sanzen dos três princípios de individualização da vida? Resposta: A primeira refere-se somente ao seres sensíveis, e a última aplica-se tanto ao seres sensíveis como insensíveis”. O ambiente natural, indicado pelo princípio da Verdadeira Terra no capítulo Juryo, conduziu o itinen sanzen à perfeição. O capítulo Juryo ensina os princípios da verdadeira causa, Verdadeiro Efeito e Verdadeira Terra, conjuntamente; e são conhecidos como a integração dos três princípios místico (Sanmyo Goron). O itinen sanzen, explicando em termos de integração dos três princípios místicos, significa a realidade eterna da vida do Buda e se chama itinen sanzen real. O itinen sanzen revelado no capítulo Hoben do ensino teórico é aquele subjacente na vida das pessoas dos nove mundos e é denominado de itinen sanzen teórico, e o itinen sanzen do capítulo Juryo do ensino essencial é aquele que se manifesta na vida do Buda. Esse é o itinen sanzen real contido no mundo do estado de Buda.
Nitiren Daishonin e a Realidade de Itinen Sanzen

clip_image068Embora o itinen sanzen do capítulo Juryo seja uma realidade manifestada na vida do Buda que atingiu a iluminação no passado remoto, ele é explicado somente no ponto de vista do efeito, isto é, como algo que Buda já havia atingido. A Lei ou a causa que possibilitou Sakyamuni atingir essa iluminação é o itinen sanzen ensinado por Nitiren Daishonin ou Nam-myoho-rengue-kyo dos Três Grandes Ensinos Fundamentais. Em um sentido absoluto, o Nam-myoho-rengue-kyo é o único itinen sanzen real.

Nitikan Shonin afirma no “Tríplice Ensinos Secretos”: “Os princípio dessa seita designou o itinen sanzen, tanto do ensino teórico como do essencial, de itinen sanzen teórico, e o único ensino verdadeiro oculto nas profundezas do capítulo Juryo (Verdadeiro Budismo) é designado de itinen sanzen real.” Em outras palavras, quando comparado como o Nam-myoho-rengue-kyo, o ensino essencial do Sutra de Lotús é considerado itinen sanzen teórico. Nitiren Daishonin deixa esse ponto bem claro em suas várias escritas. Por exemplo, “O Místico Princípio da Verdadeira Causa” afirma: o ensino teórico é chamado de Teoria do itinen sanzen, porém tanto o ensino teórico como o ensino essencial do Sutra de Lotús, que é o Budismo da Colheita, são teóricos.

O ensino essencial é denominado de realidade do itinen sanzen, porém o Budismo da Semeadura que existe nas profundezas do Sutra de Lotús é o único ensino verdadeiro.

O ensino essencial do Sutra de Lotús discute somente a colheita ou o efeito (a iluminação) que o Buda atingiu; não especifica a causa que possibilitou atingir esse efeito, referindo-se a ela como “austeridades de bodhisattvas”. É por essa razão que o Budismo de Sakyamuni é denominado de Budismo do Verdadeiro Efeito. E uma vez que só atinge a iluminação aqueles que já foram ensinados pelo Buda, em existências passadas, este budismo recebeu o nome de Budismo da Colheita28. O Budismo de Nitiren Daishonin transcende essas limitações no que se refere à elucidação da causa que conduz todas as pessoas à iluminação, inclusive o próprio Sakyamuni que atingiu no passado remoto de Gohyaku Jintengo.

É por essa razão que se chama de Budismo da Verdadeira Causa. E é também denominado de Budismo de Semeadura porque a semente é plantada tendo em vista a realização do estado de Buda na vida das pessoas.

Embora o Budismo de Nitiren Daishonin vá além das limitações do Budismo de Sakyamuni, isso não significa que eles não têm ligações. Quando Sakyamuni comente sobre o “efeito”, é natural que subentenda que a “causa” está pressuposta. Essa causa, anteriormente citada, aparece na frase: “Certa vez eu também pratiquei as austeridades de bodhisattvas”. Esse princípio da Verdadeira Causa, um dos três princípios místicos do capítulo Juryo, liga o Budismo de Sakyamuni ao de Nitiren Daishonin.

Nos “Tríplice Ensinos Secretos”, Nitikan Shonin comenta a passagem da “Abertura dos Olhos”, onde se lê: “A doutrina do itinen sanzen só se encontra em um único lugar, oculto nas profundezas do capítulo Juryo do Sutra de Lotús.” O 26º sumo prelado coloca primeiro a questão: “Pergunta: Em que passagem o (itinen sanzen) encontramos?” Em seguida ele dá a resposta: “O mestre afirma que realidade do itinen sanzen, a eterna Lei Mística que conduz todos os mortais comuns à iluminação, está oculta nas profundezas da passagem que se refere à verdadeira causa com a qual Sakyamuni atingiu o estágio da não-regressão. Compreenda que o Buda alcançou esse estágio com a prática desta Lei.”

O ensino específico, a terceira categoria dos quatro ensinos estabelecidos por Tient’ai, contém um elaborado sistema de prática de bodhisattva, dividindo-a em cinqüenta e dois estágios, a pessoa está em busca da semente original da iluminação ou a suprema lei da vida, e nos últimos estágios praticamente se obtém essa Lei e é no processo de se aprofundar na compreensão da Lei que se pode fazer dela parte integrante de sua vida. Assim, no estágio em que se atinge esta Lei está no ponto decisivo dos cinqüenta e dois estágios. Antes de se atingir este estágio, a pessoa encontra-se na incerteza de atingir a iluminação. Entretanto, o momento em que ele a atinge, sua iluminação é coisa certa.

Tient’ai afirmou que uma pessoa seguramente atinge a iluminação caso ela chegue ao décimo primeiro estágio. Por essa razão, ele denominou-a de estágio da não-regressão. Tient’ai interpretou a passagem do capítulo Juryo: “Certa vez, eu também pratiquei as austeridades de bodhisattva”, como concernente ao estágio da não-regressão, que ele considerou como a causa que possibilitou Sakyamuni atingir a iluminação. Entretanto ele não especificou o que possibilitou a Sakyamuni atingir este estágio. Nitiren Daishonin definiu-a como Nam-myoho-rengue-kyo, a suprema lei da vida ou a realidade do itinen sanzen, a Lei Mística que conduz todos os mortais comuns à iluminação. Ele afirma que ela “está oculta nas profundezas’ na frase: “Certa vez, eu pratiquei as austeridades de bodhisattvas.”

Quando se vê a correnteza do budismo fluindo do Budismo da Colheita de Sakyamuni para o Budismo da Semeadura de Nitiren Daishonin, então a citação acima é o seu único ponto de ligação. Entretanto, quando revertemos o ponto de vista e o Budismo de Sakyamuni é visto sob o prisma do Budismo de Nitiren Daishonin, ambos os ensinos, teóricos e essencial do sutra de lotús podem ser interpretados como explicações sobre o Nam-myoho-rengue-kyo, a entidade do Budismo da Semeadura.

Desse ângulo, itinen sanzen tanto o capítulo Hoben como do Juryo podem ser lidos como ensinos expostos para demonstrar o Nam-myoho-rengue-kyo, a realidade de itinen sanzen. Quando comparados com o Nam-myoho-rengue-kyo, tanto o ensino teórico como o essencial do Sutra de Lotús caem na categoria de itinen sanzen teórico. No sentido absoluto, somente o ensino de Nitiren Daishonin pode ser chamado de itinen sanzen real. É o itinen sanzen contido na vida do Buda Original da liberdade absoluta desde o passado infinito, isto é, o itinen sanzen do Buda dos Últimos Dias da Lei, Nitiren Daishonin, incorpora e prática. Comentando sobre o Hokke Guengui, Nitiren Daishonin afirma no escrito “Verdadeira Entidade da Lei Mística”: “O princípio supremo que é a Lei Mística não tinha uma denominação inicialmente. Quando o sábio observava os princípios das dez mil coisas e dava nomes e elas, ele percebeu que aí existia essa maravilhosa Lei que simultaneamente contém a causa e o efeito e denominou-a de Myoho-rengue-kyo, o lotús da Lei Mística. Todas as Leis ou fenômenos dos dez mundos e as três mil condições de vida, sem exceção, estão contidos nesta Lei única que é o Myoho-rengue-kyo. Aquele que praticar esta Lei possuirá, simultaneamente, a causa e o efeito do estado de Buda. O sábio fez dessa Lei o seu mestre e a praticou com a compreensão da Lei. Portanto, ele obteve, simultaneamente, a causa e o efeito místico do estado de Buda, tornando-se o Buda da Iluminação Perfeita. “O sábio” aqui refere-se ao Buda Original da Liberdade Absoluta desde o passado infinito, que em kuon ganjo atingiu a Lei Mística da simultaneidade da causa e efeito, o Nam-myoho-rengue-kyo e é o itinen sanzen do único ensino verdadeiro oculto nas profundezas do ensino Juryo.
Um simples instante da vida contém os três mil mundos e estes estão inclusos em um simples momento da vida. O universo inteiro, que se expressa como os três mil mundos, é o Nam-myoho-rengue-kyo e este está contido em um instante momentâneo da vida do Buda Original. Esse simples instante da vida do Buda Original permeia o universo ao mesmo tempo em que os três mil mundos do universo estão contidos nele. O itinen sanzen ensinado no Budismo de Nitiren Daishonin é denominado de um único itinen sanzen real porque ele é a entidade do comportamento e da iluminação do Buda Original de Nam-myho-rengue-kyo, e Lei Suprema do universo.

clip_image070O Buda da Liberdade Absoluta desde o passado infinito, que aparece nos Últimos Dias da Lei como Nitiren Daishonin, manifestou a realidade do itinen sanzen, ou sua própria vida como Buda Original, em forma de Gohonzon a fim de confiá-lo aos mortais comuns nos Últimos Dias. Daishonin afirma na escritura “Iluminação das Plantas”: “O ensino do itinen sanzen está incorporado no grande mandala que os filósofos contemporâneos jamais o teriam imaginado devido ao conhecimento limitado”. Nitikan Shonin afirma nos “Significados Ocultos nas Profundezas” (Montei Hitin Sho): “Questão: Por que é que o único ensino verdadeiro encontra-se nas profundezas do capítulo Juryo e é denominado Objeto de Devoção do itinen sanzen real? Resposta: De acordo com os princípios dessa seita, a realidade (de itinen sanzen) manifesta-se na realidade. Portanto, a entidade da Lei (que é Objeto de Devoção) é originalmente a realidade de itinen sanzen. É por esta razão que é denominada de objeto de devoção do itinen sanzen real.” “A realidade de itinen sanzen manifesta-se na realidade” significa que a vida de Nitiren Daishonin, o Buda Original, está eternamente em fusão com a Lei do Nam-myoho-rengue-kyo que está incorporada no Gohonzon como objeto de devoção. O Gohonzon é a própria vida do Buda Original representando a unicidade da pessoa e Lei. Os mortais comuns que vivem nos Últimos Dias da Lei poderão desenvolver em sua vida sabedoria e a benevolência do Buda Original ao abraçar o verdadeiro Objeto de Devoção inscrito por Nitiren Daishonin e recitar o Nam-myoho-rengue-kyo com uma firme fé. É o que subentende no princípio que diz “abraçar o Gohonzon é a própria iluminação”.

Conforme foi visto anteriormente, Tient’ai ensinou que, ao “observar a mente” através da meditação sobre o “objeto” invisível do itinen sanzen, poder-se-á manifestar a sabedoria para se fazer a fusão com esse objetivo, ou “o espaço insondável” da vida da pessoa. Em contraste, Nitiren Daishonin ensinou que abraçar o Gohonzon que incorpora a realidade de itinen sanzen é aprimorar a observação da mente. Conforme Tient’ai, este ato é meditação, e nos Últimos Dias é abraçar e crer no Gohonzon. Nessa era atual, o requisito fundamental para se atingir o estado de Buda é a fé no Gohonzon.

O Budismo de Nitiren Daishonin expõe que todos os seres humanos são entidades do itinen sanzen. Na verdade, entretanto, os mortais comuns não conseguem manifestar o estado de Buda por si próprios. Conseqüentemente eles são chamados de entidades do itinen sanzen teórico. Quando se tem fé firme no Gohonzon e se recita o Nam-myoho-rengue-kyo, ocorre a fusão da vida das pessoas com o Gohonzon e ela manifestará a vida do Buda ou o itinen sanzen real.

Nitiren Daishonin afirma no escrito “Tratamento da Doença”: “Existe duas maneiras para se compreender o itinen sanzen. Uma teórica e outra real. O itinen sanzen de Tient’ai e Dengyo era teórico, porém o que eu pratico agora é real. Uma vez que a prática de Tient’ai e Dengyo era do itinen sanzen do ensino teórico e a minha é aquela do ensino essencial. Estes dois são tão diferentes assim como o céu e a terra”.

No início deste capítulo citamos a passagem do quinto volume do Maka Shikan, citado no “Verdadeiro Objeto Devoção para a Observação da Mente Estabelecido no Quinhentos Anos após o Falecimento do Buda”, que mostra o sistema de itinen sanzen de Tient’ai. Em termos do Budismo de Nitiren Daishonin, o Maka Shikan pode ser considerado como base preliminar para o aparecimento do Gohonzon dos Últimos Dias. No sentido absoluto, o Budismo de Tient’ai serve para explicar o Budismo de Nitiren Daishonin.

Desta visão absoluta, Nitikan Shonin interpretou a passagem do Maka Shikan que explica o itinen sanzen, dividindo a citação em duas partes: a primeira indicando o Objeto de Devoção, e a segunda, a observação da mente. Para referência, repetimos a frase: “Cada momento da vida é dotado com os dez mundos. Ao mesmo tempo, cada um dos dez mundos é dotado com todos os outros, de maneira que cada entidade da vida possui, na verdade, cem mundos. Cada um desses mundos, por sua vez, possui trinta mundos, o que significa que em cem mundos existem três mil mundos. Os três mil mundos da existência são possuídos por uma única entidade de vida. Caso não exista vida, o assunto está encerrado. Porém, se existir, mesmo que seja uma mínima partícula de vida, então ele a conterá todos os três mil mundos... Isso é o que queremos dizer quando nos referimos ao ‘espaço insondável’.“

“Cada momento da vida” significa um instante momentâneo da vida do Buda da Liberdade Absoluta do passado infinito que é o Nam-myoho-rengue-kyo inscrito no centro do Dai-Gohonzon. “Está dotado com os dez mundos” significa possessão mútua dos dez mundos, cem mundos e mil fatores, assim como os três mil mundos, que são representados pelos budas, bodhisattva, deuses celestes e demais seres que estão inscritos à direita e à esquerda do Nam-myoho-rengue-kyo. O Dai-Gohonzon incorpora a realidade do itinen sanzen que é ao mesmo tempo a vida do Buda Original.

“Os três mil mundos da existência são possuídos pôr uma única entidade da vida” significa, conforme o ensino de Nitiren Daishonin, que o Gohonzon somente existe nas pessoas que o abraçam com a fé e recitam o Nam-myoho-rengue-kyo. Caso não se tenha a fé, não se pode evidenciar o estado de Buda na própria vida. “Se existir mesmo que seja uma mínima partícula de vida” significa que se uma pessoa tiver a fé no Gohonzon, mesmo que seja por um momento, ela poderá manifestar a natureza de Buda.

Em relação “ao espaço insondável”, Nitikan Shonin disse que é assim denominado por que representa um instante momentâneo da vida do Buda Original, e ao mesmo tempo representa o Objeto de Devoção do itinen sanzen real, indicando assim o Gohonzon que incorpora a unicidade da pessoa e Lei.

Em conclusão, o ponto importante é que um instante momentâneo da vida baseado na fé ao Gohonzon manifesta a rigorosa energia vital do estado de buda que permeia todo o universo.


Teoria do Carma

Carma

Em muitos escritos Nitiren Daishonin afirma que o seu budismo tem o poder de mudar todos os tipos de carma. Por exemplo, no escrito “Sobre a Extensão da Vida” lê-se: “O carma também pode ser dividido em duas categorias: mutável e imutável. O arrependimento sincero erradicará inclusive o carma imutável, sem mencionar o mutável.” O sutra Fuguen, epílogo do Sutra de Lotús, também cita: “O mar de todos os obstáculos cármicos nasce das ilusões. Se deseja transformar (seu carma), sente-se ereto e medite sobre a verdadeira entidade da vida e todas as suas ofensas desaparecerão como a geada e as gotas de orvalho desaparecem com a luz da sabedoria iluminada.” “Medite sobre a verdadeira entidade da vida” significa orar ao Gohonzon de acordo com o ensino de Daishonin.

clip_image072Como o Budista de Nitiren Daishonin consegue transformar o carma de uma pessoa? Neste capítulo vamos esclarecer essa questão em termos de conceito de carma, desejos mundanos e a prática budista para se atingir a iluminação.

A idéia do carma parece ter-se originado na era Upanichadia na Índia, cerca de duzentos a trezentos antes do aparecimento do budismo. A partir daí, esse conceito tem fundamentado a maioria das principais filosofias da Índia. O budismo incorporou a estabelecida idéia de carma e o desenvolveu muito mais. O budismo considera a negação do carma como uma visão distorcida, os chamados ensinos falsos que negam a lei da causalidade.

A palavra sânscrita, karma, ou karman, significava, princípio, “ação”. Um comentário sobre o Kusha Ron de Vasubandhu explica que a conduta de uma pessoa é definida como carma. O budismo identifica três categorias de ação: física, verbal e mental. Em outras palavras, a pessoa forma o carma de três maneiras: Pelas ações, palavras e pensamentos. Mesmo que ela não traduza seus pensamentos em palavras ou ações e que os outros não saibam a respeito, ela não deixa de formar algum tipo de carma com seus pensamentos.

A seqüência normal para a formação do carma é a seguinte: primeiro, as intenções — tanto positivas como negativas — agem na mente da pessoa. Em seguida, as intenções originam as palavras e ações reais. Em terceiro lugar, os efeitos dessas palavras e ações não desaparecem, elas permanecem na vida da pessoa como uma espécie de força ou energia latente. Assim o carma, uma espécie de força potencial para decidir o destino da pessoa, está formado através do pensamento, palavra e ação. Através desses três tipos de atitudes, o carma, tanto bom como mau, é acumulado gradualmente na vida do indivíduo. O carma como uma força potencial é denominado de carma latente, carma não manifesto ou ações cármicas. Ele é invisível, todavia produz efeitos visíveis.

O Budismo Mahayana define a esfera última da vida, onde as ações cármicas são depositadas, de forma potencial, como a oitava ou consciência alaya — consciência que se encontra sob os domínios do consciente. Acrescentando as ações cármicas, ilusões, desejos mundanos e outras funções mentais, tanto boas como más, agem deste nível de consciência. Alaya significa depósito; alaya-conciência é assim denominada porque nesse local todas as experiências passadas – carmas — são depositadas. A consciência alaya é considerada como um agente que passa pelo ciclo de nascimento e morte na vida do indivíduo.

A força do carma depositada como energia latente na consciência alaya não diminui nem desaparece por si só. Vasubandhu afirmou no tratado sobre a visão Mahayana sobre o carma: “O carma latente não desaparece mesmo com o passar de uma centena de aeons. Quando a pessoa encontra o estímulo apropriado, seu efeito aparecerá, invariavelmente.”

As ações cármicas, positivas e negativas, continuarão a existir na consciência alaya até que, ativadas pelos estímulos externos, manifestar-se-ão com os efeitos correspondente. Boas causas trazem efeitos agradáveis e as causas más, efeitos dolorosos.

Assim, as ações do passado exercem influência na vida presente enquanto que a vida presente formará, por sua vez, o futuro. A lei de causa e efeito permeia a vida através do passado, presente e futuro. A rigorosidade da lei causal é representada, simbolicamente, nas escrituras budistas através das figuras de Dosho e Domyo, dois mensageiros celestes que acompanham a pessoa desde o momento do seu nascimento e registram todas as suas ações sem esquecer um mínimo detalhe.

Agora vejamos alguns tipos e graus de carma. O carma pode ser dividido, de uma forma geral, um bom e mau. O bom carma nasce das funções mentais positivas, tais como benevolência e tolerância, enquanto o mau carma origina-se das funções mentais negativas, como as ilusões e os desejos mundanos, como a Ira e a Fome. Existem graus relativos para os carmas bom e mau.

O grau do carma que a pessoa forma depende da força da intenção. Por exemplo, quanto maior for o ódio que uma pessoa sente, maior será o grau de carma que ela estará criando. Além disso, o grau do carma formado aumenta à medida que os pensamentos dão origem às palavras e ações. Quando alguém se sente ressentido somente consigo próprio, o carma formado em sua vida é relativamente leve. Entretanto, quando ele traduz a sua raiva em forma de ação física ou verbal, ele cria um carma mais pesado. Acrescentando, o grau do mau carma que se forma varia de acordo com aquilo que odiamos. Nitiren Daishonin afirma no escrito “Carta aos Irmãos”: “Para simplificar, se alguém golpear o ar, seu punho não ficará ferido mas se ele bater numa rocha, sentirá dores... A gravidade de um pecado depende de quem ferimos.”

Na “Carta de Sado”, Daishonin cita os oito tipos de sofrimentos descritos no Sutra Hatsunaion e ilustra a lei da causalidade de uma forma simples, dizendo: “Aquele que escala uma montanha alta, certamente deverá descer. Aquele que despreza os outros será, por sua vez, desprezado.” Continuando esta frase, entretanto, ele afirma: “Os sofrimentos de Nitiren, entretanto, não se atribuem a essa lei causal. No passado, ele desprezou os devotos do Sutra de Lotús e ridicularizou o sutra em si, às vezes com exagerado prazer e outras vezes com desdém. Ele encontrou todos esses terríveis sofrimentos por tais atos contra o Sutra de Lotús o qual é tão magnificente quanto duas jóias combinadas, duas luas brilhando lado a lado...

“Se alguém ridicularizar ou desprezar os outros, ele será de alguma forma ridicularizado e desprezado. Isso se chama a lei da causa e efeito. Entretanto, aquele que zombar do Sutra de Lotús ou dos seus devotos, a retribuição é muito mais rigorosa. Ele não só será ridicularizado pelas pessoas como também experimentará os oito sofrimentos: 1) ser desprezado; 2) ter uma forma física desprezível; 3) ser carente de comida; 4) ser carente de vestimenta; 5) procurar a riqueza em vão; 6) nascer numa família pobre; 7) nascer numa família herética; 8) ser perseguido por seu superior. Além disso, parece que esses sofrimentos atormentam a pessoa por muitas existências, aparecendo uma por vez. Considera-se que a ofensa de caluniar a Verdadeira Lei forma o pior de todos os carmas. Ao contrário, abraçar a Verdadeira Lei, forma o melhor carma. A atitude de uma pessoa em relação à Verdadeira Lei, se positiva ou negativa, forma um carma completamente diferente daquele criado pelas ações diárias.

clip_image074Apesar das várias classificações, o carma é basicamente dividido em duas categorias: mutável e imutável. O carma imutável gera infalivelmente um resultado fixo. No caso do carma mutável, entretanto, os tipos de efeitos que surgirão não são fixos. Geralmente considera-se que as causas mais sérias, boas ou más, formam o carma fixo ou imutável, enquanto que as causas mais suaves criam o carma mutável. Por exemplo, aqueles que cometem os cinco pecados principais ou ainda aqueles que caluniam a Verdadeira Lei inevitavelmente sofrerão as dores do Inferno. Esse é um exemplo de carma imutável.

De outro ponto de vista, o carma imutável pode ser considerado como efeitos destinados a aparecer em um tempo certo, e o mutável, como efeitos que não têm uma época específica para se manifestarem. Neste sentido, o carma imutável formado em um tempo específico, consiste de três tipos que são carmas cujo efeito destinado a aparecer nesta existência, aqueles destinados a aparecer na próxima existência e aqueles destinados a aparecer numa terceira existência ou mais tarde ainda. Como regra geral, o carma mais leve manifesta-se completamente na mesma existência em que foi formado. A maioria das nossas ações diárias pertence a esta categoria. Entretanto, se alguém cometer ofensas excepcionalmente graves, este carma pode ser transportado, causando-lhe sofrimentos em uma outra existências ou muito mais. O carma excepcionalmente bom, como aquele formado pela prática budista, também será transportado para muito além desta existência.

Uma parte do carma ora acumulado em nossa consciência alaya foi formado por nossas atitudes desde o momento do nosso nascimento. Parte deste carma poderá manifestar seus efeitos nesta existência e parte na próxima ou mais tarde ainda, dependendo da natureza desse carma. Acrescentando as nossas ações atuais, o carma acumulado em existências passadas tem um importante significado para a nossa atual felicidade ou infelicidade. A força do carma latente formada pelas ações da pessoa não acaba com sua morte. Como a consciência alaya resiste ao ciclo do nascimento e morte, a influência aí do carma acumulado é transportada para próxima existência, a existência após essa e mais além, continuando a influenciar a vida do indivíduo neste mundo. Em outras palavras, nascemos com o carma do passado, já acumulado nas profundezas da nossa vida. Essas diferenças devem ser consideradas entre as pessoas e suas respectivas situações desde o momento do nascimento.

O exemplo clássico, freqüentemente usado na budismo com relação ao carma passado influenciando a vida de uma pessoa, refere-se à extensão de sua vida. Nitiren Daishonin usa constantemente a expressão “carma imutável” em seus escritos como sinônimo da extensão da vida de uma pessoa. No escrito “Sobre a Extensão da Vida”, ele cita o exemplo do rei Ajatashatru e Ch’en Ch’en, o irmão mais velho de Tient’ai, assim como o bodhisattva Fukyo que transformou seu carma imutável e prolongou sua vida com a prática do Sutra de Lotús.

O budismo considera, de modo geral, que aqueles que nascem no estado de Tranqüilidade estão destinados a viver no máximo até 125 ou 150 anos. Dentro deste limite mais ou menos fixo, alguns nascem com o carma da longividade e outros com o carma de morrerem cedo vítimas de acidentes ou alguma doença incurável. Entretanto, se uma pessoa consegue transformar seu carma imutável e prolongar sua extensão de vida fixa, então ela poderá, facilmente, transformar qualquer outro carma. Não importando quão terrível seja o carma que uma pessoa traz das existências passadas, ele poderá transformá-lo para um carma melhor, sem mencionar aquele formado nesta atual existência. Nitiren Daishonin usa o exemplo do prolongamento de extensão da vida para ilustrar a possibilidade de transformar, inclusive, o carma profundamente enraizado na vida, com a prática budista.


Desejos Mundanos

O escrito “Ouvindo pela Primeira Vez Sobre o Supremo Veículo” afirma: “Quando se examina a causa dos sofrimentos físico e espiritual, vemos que tais sofrimentos nascem dos três venenos da avareza, ira e estupidez. Esses sentimentos mundanos e os sofrimentos que eles geram estão ligados ao carma o qual prende as pessoas no mundo dos sofrimentos”.

Os desejos mundanos, carma e sofrimentos constituem aquilo que o budismo chama de três caminhos. Chama-se “caminhos” porque conduz para o outro; existe uma relação recíproca entre eles. O mundo do sofrimento é cheio de desejos. Esses desejos mundanos inspiram ações que vão formar o mau carma. Os efeitos deste mau carma. Os efeitos deste mau carma manifestam-se então como sofrimentos, mental ou físico, que por sua vez provocam os desejos mundanos. Esses desejos formam um carma cada vez pior que dará origem a mais sofrimentos e assim por diante. Presos a este círculo, as pessoas sofrem nos seis mundos inferiores.

Em termos de seqüências, conforme podemos mostrar, o sofrimento é causado pelo mau carma e este é formado pelos desejos mundanos. Portanto, para transformar o sofrimento em felicidade e o mau carma em um bom, a pessoa precisa, em primeiro lugar, transformar o mundo dos desejos mundanos. Não pode existir uma transformação positiva do carma sem a solução dos problemas dos desejos mundanos.

O termo budista “desejos mundanos” (bonno) origina-se do sânscrito klesha, que às vezes é traduzido como “ilusões” ou simplesmente “desejos”. É um termo coletivo para uma série de funções mentais que perturbam a pessoa tanto física como espiritualmente.

Em sua anotação sobre a doutrina “Somente-Consciência”, Dharmapala, um filósofo do século VI, da Ìndia, dividiu os desejos mundanos em duas categorias: fundamental e secundários. Como desejos mundanos fundamentais ele citou: ira, avareza, estupidez, arrogância, dúvida e visões falsas. As visões falsas ele dividiu em cinco: 1) Apesar do corpo ser formado pela união tempóraria dos cinco componentes, o indivíduo considera, erroneamente, o eu como absoluto e apesar de que nada no universo pertença ao indivíduo, ele vê, erroneamente, todas as coisas ao seu redor como se fossem de sua propriedade; 2) Acredita erroneamente que sua vida, como a dor dos outros, perecem com a morte ou que irão existir, depois da morte, sob alguma forma eternamente imutável como espírito; 3) Não reconhece a lei de causa e efeito; 4) Adere as concepções errôneas de formas tão fantástica que considera o que é inferior como se fosse superior; e 5) Vê as práticas e os preceitos errôneos como verdadeiro caminho para a iluminação. Incluindo essas cinco falsas visões, os desejos fundamentais totalizaram o número de dez. Dharmapala afirma, ainda, que existem dez tipos de desejos secundários, tais como irritabilidade, aflição e a tendência de ter rancor.

Tient’ai classificou todos os desejos mundanos em três categorias: 1) desejos e pensamentos ilusórios; 2) inumeráveis ilusões como partículas de pó de areia; e 3) ilusões sobre a verdadeira natureza da vida. No escrito “Ouvindo pela primeira vez sobre o supremo veículo”, Nitiren Daishonin explica também sobre os desejos mundanos em termos dessas três categorias de ilusões. Os pensamentos e desejos ilusórios causam o sofrimento dos seis caminhos.

clip_image075Os pensamentos ilusórios originam-se dos desejos mundanos fundamentais, citados anteriormente. Eles são considerados como ilusões mentais ou adquiridas que impedem a pessoa de compreender a verdade das coisas. Em contraste, os desejos ilusórios são instintivos e emocionais. Os fundamentais são: ira, avareza, estupidez e arrogância.

“Inumeráveis ilusões como partículas de pó de areia” são obstáculos que impedem os bodhisattvas de conduzir os outros à iluminação. Estas em essência resumem-se na compreensão inadequada. No Mahayana provisório, a pessoa teria de dominar vários ensinos, inclusive assuntos terrenos. Entretanto, os mortais comuns tendem a negligenciar os estudos devido à preguiça. Conseqüentemente, os assuntos que eles não compreendem permanecem tão inumeráveis quanto as partículas de pó de areia; por isso o nome desta categoria. Uma vez que essas ilusões eram os obstáculos para bodhisattva poder conduzir as pessoas à iluminação, ele tinha que erradicá-los. A última categoria, as ilusões referentes a verdadeira natureza da vida, Tient’ai define-as como ilusões que impedem a pessoa de atingir a iluminação. Estas são origens dos demais desejos mundanos. Em outras palavras, o fato da pessoa ignorar a respeito da verdadeira natureza da vida, ela é facilmente enganadas pelos ensinos falsos e inferiores e não consegue perceber a natureza de Buda.

A vida dos mortais comuns é obscurecida por esses três tipos de ilusão. Quando desafiarmos essas ilusões, as direcionarmos para a iluminação e manifestarmos a natureza essencial da Lei, podemos transformar até o carma mais difícil, liberarmo-nos dos sofrimentos dos seis caminhos e emergir para os quatro nobres mundos da Erudição, Absorção, Bodhisattva, e estado de Buda. Ao vencer os três tipos de ilusões, o caminho para manifestar o estado de Buda torna-se acessível.

Desejos Mundanos são Iluminação (Bonno-Soku Bodai)

Assim como foi mostrado pela estória dos Quatro Encontros, o motivo pelo qual Sakyamuni renunciou ao mundo foi sua busca da solução fundamental para os problemas do sofrimento humano. Este é o assunto principal dos ensinos que ele expôs após ter atingido a iluminação.

Os sutras budistas enfatizam que a vida é cheia de sofrimentos e que estes são causados pelo desejos mundanos. As pessoas têm uma tendência constante em pensar que seus sofrimentos são causados por fatores do mundo exterior, porém, o budismo considera que a causa básica de tais sofrimentos encontra-se nos desejos inerentes à vida da pessoa. Segue-se portanto que a questão mais importantes no budismo é o que se fazer com esses desejos mundanos.

O Budisma Hinayana ensina que a pessoa deve enfrentar e livrar-se de todos os desejos e que este é o único caminho para se atingir a iluminação. Os seguidores dessa escola tinham formulado uma variedade de métodos para erradicar os desejos mundanos. O corpo era considerado como a origem dos desejos e portanto eram ensinadas austeridades para controlar e subjugar o corpo. Além dessas práticas, existem literalmente centenas de preceitos e regulamentos.

É inegável que os desejos dão origem ao sofrimento, porém seria muito simplista rejeitá-los como se fossem a própria maldade. À medida em que vivemos, nós somos obrigados a ter desejos; eles são necessários para manter a vida. Os desejos instintivos pelo alimento, sono e sexo são desejos mundanos. Sem desejos, a pessoa morre.

Adiantando um pouco mais, podemos dizer que o desejo é a força motriz da civilização. Tome por exemplo a ganância. A fome pelo conhecimento abre novos campos de pesquisa e esforço, e a fome, ao pé da letra, a necessidade de alimentos, contribuiu para o progresso agrícola e industrial. A “ira” quando dirigida contra a maldade tem motivado a concepção de leis assegurado a ordem social. A “ira” diante a doença tem estimulado o avanço da ciência médica. A “arrogância” tem o aspecto positivo em forma de orgulho na profissão das pessoas, e a “dúvida” em forma de ceticismo saudável. A “estupidez”, “visões falsas” e todos os outros desejos mundanos poderão ter funções úteis.

clip_image077De qualquer maneira, o desejo tem desempenhado um papel crucial no desenvolvimento da civilização humana. Em virtude das pessoas terem desejos elas podem sobreviver; então os desejos são, por assim dizer, a afirmação das suas existências. Entretanto, o Hinayana reconheceu somente os aspecto negativo dos desejos e tentou extirpá-los totalmente. A conclusão inevitável desses ensinos, conforme apontados pelos adeptos do Mahayana, foi a destruição do corpo e a aniquilação da consciência.

Os seguidores do Mahayana consideravam os desejos mundanos de uma maneira diferente. Algumas escolas foram ao extremo oposto, aceitando todos os desejos exatamente como eles são. Esta visão é muito parecida com as seitas do Japão, Shingon e Tendai, este durante o seu período de declínio. A seita Tendai inicialmente considerava que todos os mortais comuns tinham o potencial para se tornarem budas, porém sua doutrina degenerou quase ao ponto de afirmar que os mortais comuns, tais como eles são, são budas e seus desejos, como tais, são iluminados. Os adeptos sustentavam que uma vez que os desejos mundanos são originalmente inerentes à vida, não existe razão para desafiá-los ou mudá-los. Os rituais de orações foram estabelecidos a fim de se obter riquezas ou satisfação dos desejos sexuais. Esta visão do desejo enfatizou somente o ponto de que os desejos são inerentes à vida e perdeu de vista a premissa original do budismo de que os desejos mundanos são a causa da infelicidade.

Outros ensinos Mahayana afirmavam que os desejos mundanos eram a maldade, porém os consideravam próprios do mundo humano e não eram encontrados no mundo de buda. Esses ensinos definiam o mundo como uma “terra impura” porém era corrompida pelos mundanos e induziam os seus seguidores a aspirar à terra pura do Buda. Este conceito evitava o confronto com os problemas dos desejos mundanos. Ensinar as pessoas a aspirar por um mundo transcendental, fora da realidade mundana, não só falham em solucionar os problemas do desejo como também tendem a enfraquecer a sociedade, dirigindo sua atenção para longe dos problemas sociais e assuntos relacionados.

Em contraste, a concepção do Sutra de Lotús é que “desejos humanos são iluminação” (bonno soku bodai), ou desejos mundanos e iluminação são inseparáveis. O Sutra Fuguen, que é o epílogo do Sutra de Lotús, afirma: “Mesmo que não se eliminem os desejos mundanos ou quer se neguem os cinco desejos (desejos que se originam dos cinco sentidos), eles poderão purificar todos os seus sentidos e erradicar todas as suas más ações.” A seita Tendai manteve, inicialmente, o ensino de que os desejos mundanos são inseparáveis da iluminação, porém conforme já mencionamos, mais tarde ela degenerou passando para a idéia de que não existe diferença entre os desejos mundanos e a iluminação. A palavra “são” (soku) na frase “desejos mundanos são iluminação”, não significa que os desejos mundanos em si sejam iluminação. É um erro pensar que os desejos, tal como são, sejam iluminação, e é também errado pensar que os desejos são a própria maldade e que devem ser eliminados. Esses dois extremos são separados pelo princípio de Sutra de Lotús. Como o Sutra Fuguen afirma: “Mesmo que não se elimine os desejos mundanos ou que negue os cinco desejos...”, a pessoa não precisa se livrar dos desejos. Sem eliminar os desejos mundanos, pode se atingir a iluminação. Isso é que está indicando no princípio de que os desejos mundanos são inseparáveis da iluminação. Este princípio é ilustrado através da metáfora sobre a flor de lotús. A flor de lotús desenvolve-se no pântano. Sem a lama não há lotús. A água lamacenta é necessária para sustentar a vida da lotús, porém esta não é a própria água lamacenta. Os “Ensinos Orais” cita: “Agora, Nitiren e seus seguidores recitam o Nam-myoho-rengue-kyo... queimam a madeira do desejos mundanos e revelam a chama da sabedoria iluminada.” Por existirem os desejos mundanos, a iluminação pode ser atingida, conforme está indicado na citação acima.

Nossa vida está cheia de desejos mundanos. Entretanto, mesmo sem eliminá-los, podemos purificá-la e atingir a iluminação. Desejos mundanos indicam ilusão. Iluminação indica penetração clara ou o despertar para a verdade. Assim que nossa condição básica da vida emerge, o que tinha funções como desejos mundanos começa a ter suas funções iluminadas e o que formava os sofrimentos passa a gerar alegria. O que torna isso possível é o poder do Nam-myoho-rengue-kyo conforme está revelado no Budismo de Nitiren Daishonin. Quando fazemos emergir a natureza de Buda em nossa vida com a prática ao Gohonzon, nossos desejos mundanos são naturalmente direcionados para a felicidade, quebrando assim o círculo dos desejos mundanos — carma-sofrimentos —, e torna-se possível a transformação do nosso destino.


Abraçar o Gohonzon é a própria Iluminação (Juji soku Kanjin)

clip_image079O grande mestre Tient’ai, com sua mente perspicaz, discerniu o princípio implícito no Sutra de Lotús de Sakyamuni e o esclareceu como itinen sanzen. Entretanto, para que pudesse realizar o princípio de itinen sanzen na própria vida, implicava numa prática terrivelmente difícil e complexa. No método da prática que Tient’ai ensinou, estão o assim chamados de “cinco práticas” demonstradas no Sutra de Lotús. O 11ºcapítulo, Hosshi, do Sutra de Lotús, afirma: “Aqueles que abraça, lê, recita, ensina e transcreve mesmo um simples verso do Sutra de Lotús e a reverencia como se fosse o Buda... Já fez oferecimentos a dez bilhões de buda e com eles realizou o grande desejo.” Conforme está afirmado na passagem citada, as cinco práticas são abraçar, ler, recitar, ensinar e transcrever o Sutra de Lotús. “Abraçar”, é desnecessário dizer, significa abraçar o ensino exposto no Sutra de Lotús. “Ler” é recitar o Sutra enquanto lemos o texto. “Recitar” significa recitar o Sutra de cor. “Ensina” significa explicar o ensino do Sutra de Lotús para as outras pessoas. “Transcrever” significa copiar o Sutra. Essas cinco práticas, mais tarde, foram subdivididas, e várias maneiras de ler, recitar, e copiar foram formuladas.

clip_image080Enquanto essas práticas eram efetuadas em termos formais, durante muitos séculos após a morte do Buda, pergunta-se por quanto tempo elas foram efetivas. O Sutra de Lotús demonstra o estado de vida atingido por Sakyamuni e ele expôs o Sutra de Lotús para que todos pudessem atingir o mesmo despertar. Entretanto, o grande mestre Tient’ai viu que, nos Médios Dias da Lei, as práticas efetuadas no sutra de lotús já não eram adequadas para que alguém pudesse perceber a realidade interior de sua própria vida à luz dos ensinos do Sutra de Lotús. Portanto, acrescentando às formalidades da prática ensinadas no próprio Sutra, ele estabeleceu a prática da meditação sobre o instante momentâneo da vida e a lei.

O Budismo Mahayana tradicional mostrou seis espécies de prática para a iluminação denominadas “seis paramitas” (perfeições). Elas são: oferecer donativos, observar os preceitos, tolerância, constância, meditação e obtenção da sabedoria. Por meios desses paramitas podemos ver que o budismo, desde o seu início não deu importância somente às ações físicas tais como oferecimentos de donativos e a observação dos preceitos, mas também às ações espirituais tais como a meditação.

A meditação sobre a Lei demonstrado por Tient’ai foi o desenvolvimento completo do paramita da meditação. A meditação de Tient’ai ensina a livrar-se de todas as preocupações com os fenômenos externos e focalizar somente o mundo interior. Primeiro, a pessoa precisa silenciar as funções mentais que reagem ao mundo exterior e concentra-se na própria mente. Meditação sentada (zazen) e outras disciplinas eram usadas para auxiliar este estado de consciência. Ao atingi-lo, pode-se finalmente entrar em meditação para observar a verdadeira natureza da sua vida, usando como espelho os ensinos do Sutra de Lotús para a qual ele tinha sido condicionado através das cinco práticas.

Uma observação é suficiente para perceber que este tipo de prática requer uma enorme dedicação de tempo e esforço, sem mencionar a inteligência e a capacidade. O próprio Tient’ai lamentou que tão poucas pessoas se dedicaram a esta prática e a aperfeiçoaram. A maioria das pessoas estava com as suas responsabilidade e problemas diários e era praticamente impossível dedicar-se a tal disciplina.

Nitiren Daishonin, transcedendo as limitações da meditação de Tient’ai, demonstrou uma prática para observação da mente que fosse acessível a qualquer pessoa. O princípio dessa prática, que é abraçar o Verdadeiro Objeto de Devoção, é igual a atingir a própria iluminação.

Como já foi mencionado, Nitiren Daishonin incorporou a verdade de itinen sanzen em forma de uma mandala que se chama Gohonzon. Ele ensinou que qualquer um pode aperfeiçoar a observação da mente ao abraçar o Gohonzon. No escrito “Verdadeiro Objeto de Devoção para a Observação da Mente Estabelecido no Quinto Período de Quinhentos Anos após a Morte do Buda” ele diz: “O sutra Muryogui afirma: (Se você abraçar este sutra) receberá naturalmente os benefício dos sei paramitas, mesmo que não os tenha praticado... As práticas de Sakyamuni e as virtudes que ele, conseqüentemente, obteve, estão todas contidas nas simples palavras Myoho-rengue-kyo. Se acreditarmos nestas palavras, seremos, naturalmente, agraciados com mesmos benefícios”.

“Abraçar este sutra” em termos do Budismo de Nitiren Daishonin significa acreditar no Gohonzon e recitar Daimoku a ele. Com o poder da fé e do poder da prática, os quais são inerentes em nossa vida, poderemos manifestar o poder do Buda e o poder da Lei incorporados no Gohonzon. Desta maneira está constituída a observação da mente. No Budismo de Tient’ai, uma pessoa observa os três mil mundos em um instante momentâneo de sua vida, através da prática de meditação, percebendo assim a verdade da vida. No Budismo de Nitiren Daishonin, observar a própria mente, significa que através da virtude do Gohonzon ligamos nossa vida diretamente com o instante momentâneo da vida do Buda Original de kuon ganjo e desse modo manifestamos a nossa natureza de Buda latente, elevando as condições de vida e transformando nosso carma.

A observação da mente de Tient’ai é realizada somente com o esforço da pessoa, usando como Objeto de Devoção a verdade inerente em sua própria vida. No Budismo de Nitiren Daishonin, observar a própria mente quer dizer manifestar a própria natureza de Buda que se completa através do poder do Gohonzon. Portanto, as pessoas comuns poderão realizar esta prática prontamente.

Abraçar o Gohonzon inclui o benefício de observar todos os preceitos do Hinayana e o Mahayana Provisório, a prática dos seis paramitas e a observação da própria mente conforme demonstrado por Tient’ai. Através da simples prática de abraçar o Gohonzon, pode-se manifestar a realidade do itinen sanzen do Buda em sua própria vida. Este é o significado do princípio de que abraçar o Gohonzon é atingir a própria iluminação.

Notas:

*Seis atos difíceis e nove fáceis: Os sei atos difíceis são: propagar o Sutra de Lotús amplamente; copiá-lo; recitá-lo; ensiná-lo mesmo a única pessoa; ouvir sobre o Sutra de Lotús e procurar saber sobre seu significado; manter sua fé no Sutra de Lotús mesmo na época de maldades após a morte do Buda. Os nove atos fáceis incluem feitos como: ensinar inúmeros sutras exceto o Sutra de Lotús; arremessar o monte Sumeru através do universo; chutar a galáxia através do universo com o dedo do pé etc. Apesar dos nove atos fáceis parecerem impossíveis de se realizar, são todavia fáceis quando comparados com as dificuldades de abraçar o Sutra de Lotús depois da morte do Buda.

*Sete parábolas: São as parábolas citadas no Sutra de Lotús que são: 1) Parábolas das três carroças e a casa em chamas (Hiyu; 3º capítulo); 2) Parábola do homem rico e seu filho pobre (Shingue, 4º capítulo); 3) Parábolas Três tipos de ervas medicinais e dois tipos de árvores (Yakusoju, 5º capítulo); 4) Parábola do castelo transitório (Kejoyu, 7º capítulo); 5) Parábola da pedra preciosa escondida no manto (Juki, 8º capítulo); 6) Parábola da pedra preciosa escondida no topete (Anrakugyo, 14º capítulo); 7) Parábola do bom médico (Juryo, 16º capítulo). *Três igualdades: 1) Igualdades dos três veículos; 2) Igualdade da ilusão e Nirvana; e 3) Igualdade do corpo do Buda. Vasubadhu estabeleceu estes três pontos deve vista para mostrar que o Sutra de Lotús é a Lei da absoluta igualdade. A igualdade dos três veículos significa que eles estão unidos pelo sutra de lotús em um supremo veículo e que portanto não existe nenhuma diferença fundamental entre os três veículos. A igualdade da ilusão e Nirvana indica que não existe uma distinção fundamental entre os mortais comuns e o Buda. A igualdade do corpo do buda indica que, apesar de o buda assumir várias formas para ensinar as pessoas, o estado de buda é subjacente a todas elas.

*Dez superioridades incontestáveis: Dez pontos de vista de Vasubandhu declarando a superioridade do Sutra de Lotús sobre todos os demais sutras. Por exemplo, as sementes do Sutra de Lotús são “inigualáveis” porque conduzem todas as pessoas à iluminação.

*Os cinco mil monges... o capítulo Hoben do Sutra de Lotús: Nesse capítulo, antes de Sakyamuni revelar o único veículo do Buda, cinco mil pessoas arrogantes deixaram os seus lugares pensando que já sabiam o que o Buda ia lhes ensinar.

*Os seres humanos e celeste... no capítulo Hoto: Nesse capítulo, antes de abrir a Torre de Tesouro, Sakyamuni primeiro purificou o mundo Saha, removendo os seres humanos e celestes.

*Ensino perfeito: Existem dois tipos de ensino perfeito: aquele exposto antes do Sutra de Lotús e o exposto no próprio Sutra de Lotús. Ambos ensinam que os mortais comuns podem atingir o estado de Buda sem passar pelos estágios progressivos da prática de bodhisattva. O primeiro porém, diferente do Sutra de Lotús, ensina teoricamente, sem ter nenhum exemplo de fato em si e ainda faz várias distinções e exceções. A expressão “ensino perfeito” é freqüentemente usada como sinônimo de Sutra de Lotús.

*Três poderosos inimigos: 1) Pessoas leigas que desconhecem o budismo, e que denunciam os devotos do sutra de lotús e os atacam com varas e espadas; 2) monges arrogantes e astutos que caluniam os devotos; 3) Líderes religiosos que gozam do respeito público mas que têm medo de perder os benefícios e a reputação e por isso induzem as pessoas no poder a perseguir os devotos.

*Parábolas da três carroças e a casa em chamas: A casa de um homem riquíssimo incendeia-se e os filhos, absortos nas brincadeiras, não percebem a gravidade do fato. O pai para convencê-los a sair da mansão, conta-lhes que lá fora estão três espécies de carruagens maravilhosas esperando por eles — carruagens puxadas por carneiros, gamos e bois. Desta maneira, ele conseguiu persuadi-los a saírem da mansão. Quando as crianças saíram, o pai não deu as três carruagens que havia prometido anteriormente, porém, deu-lhes uma carruagem muito mais bonita, puxada por enormes bois brancos. A mansão incendiada representa os sofrimentos dos seis caminhos, as crianças são os mortais comuns e o homem rico é o buda. As três carruagens que o pai prometera dar às crianças para saírem da mansão indicada os três veículos, e a carruagem maior que realmente lhes deu representa o único supremo veículo, o estado de buda.

*Gohyaku Jintengo: Uma expressão da extensão do tempo que passou desde que o Buda Sakyamuni atingiu a iluminação pela primeira vez, aplicando partículas de pó para representar aeons. O capítulo Juryo cita: “Suponha que alguém possa reduzir cinco centenas de milhares de Nayuta aeons de três mil mundos maiores em partículas de pó e então levá-las em direção ao leste, deixando cair uma partícula cada vez que ele atravessar cinco centenas de milhares de nayuta aeons do países. Suponha que ele continua viajando assim para o leste, até acabar com todas as partículas... Suponha que todos esses países, mesmo que recebam ou não a partícula, representem um aeon. Então, o tempo que se passou desde que atingi o estado de Buda, ultrapassa centenas de milhares de nayuta aeons de eternidades.”

*Mundo Saha: Esse mundo, onde as pessoas devem suportar inúmeros sofrimentos. Saha significa tolerância.

*O estágio da não regressão: O Budismo de Nitiren Daishonin não tem estágio distintos de prática, pois, conforme ele ensina, abraçar o Gohonzon é a própria iluminação. Portanto, de acordo com seu ponto de vista, atingir o estágio de não regressão abraçando a Lei de Nam-myoho-rengue-kyo é igual atingir o estado de buda.

*Chang-an (561-532): Sucessor de Tient’ai. Ele registrou as explanações de Tient’ai e as compilou em forma das três obras principais — Hokke Mongu, Hokke Guengui e Maka Shikan.

*A meditação sobre os dez assuntos: meditações sobre (1) o mundo dos fenômenos que existe por força dos cinco componentes, a relação entre os seis sentidos e seus seis propósitos e as seis consciências que se originam dessa relação; (2) desejos mundanos; (3) doença; (4) efeito cármico; (5) funções malígnas; (6) o efeito da contemplação; (7) visões distorcidas; (8) arrogância; (9) os dois veículos; (10) o estado de Bodhisattva. Com essas meditações, pode-se compreender as limitações dos nove mundos.

*As dez meditações; 1) A meditação sobre o espaço inescrutável (esta prática é a base das outras nove); 2) A prática para estimular verdade; 4) A prática para se eliminar os apegos; 5) A prática para discernir o que conduz à realização da verdadeira entidade da vida e o que impede; 6) A prática para se fazer o uso correto das trinta e sete condições que conduzem à iluminação; 7) A prática para remover os obstáculos para a iluminação através dos seis paramitas; 8) A prática para reconhecer o estágio do seu progresso; 9) A prática para estabilizar a mente; e 10) A prática para remover a última barreira para a iluminação.

*Os 25 exercícios preparatório: Exercício para serem dominados antes de iniciar na prática da meditação. Incluem as regras de uma vida diária através da prática de preceitos, obter alimentos e vestimentas apropriados, suprimir os cinco desejos que nascem do cinco sentidos etc.

*Contemplação tríplice em uma única mente: Meditação para perceber a união das três verdades (ausência de substancialidade, existência temporária e o caminho médio) em um único momento da vida.

*O mundo do desejo, da forma e da abstração: As três divisões do mundo tríplice, habitados pelos seres que não atingiram a iluminação segundo ponto de vista da Índia antiga. O estado de Inferno até o de Tranqüilidade e parte do estado da Alegria estão inclusos no mundo do desejo. O mundo da forma e da abstração fazem parte de divisões mais elevadas do estado de Alegria.

*As quatro verdades nobres: Uma das primeiras doutrinas ensinadas pelo Buda. Elas são: 1) A vida é sofrer; 2) Os sofrimentos são causados pelos desejos mundanos; 3) A eliminação dos desejos mundanos conduz o Nirvana; e 4) Nirvana se atinge seguindo o caminho óctuplo.

*Os cinco preceitos: Não matar, não roubar, não cometer adultério, não contar mentiras e não tomar bebida alcoólicas.

*Os seis paramitas: Oferecer donativos, observar os preceitos, ser tolerante, ser perseverante, praticar a meditação e obter sabedoria.

*Oito sofrimentos: Os sofrimentos fundamentais da vida. Juntamente com os quatro sofrimentos de nascimento, velhice, doença e morte, eles são os sofrimentos de separação dos entes queridos, o sofrimento de encontrar-se com aqueles que odiamos, o sofrimento de ser incapaz de obter-se o que se deseja e os sofrimentos que surgem dos cinco componentes.

*Yojana: Unidade de distâncias usadas na Índia antiga. A distâncias que o exército real caminhava em um dia.

*A obtenção da iluminação pelas as pessoas dos dois veículos e pelas pessoas malvadas: Essa iluminação é representada pela profecia do estado de Buda que Sakyamuni deu a Shariputra no 3º capítulo, Hiyu, a Kashyapa e Maudgalyayana no 6º capítulo, Juki, a Purna no 8º capítulo, Gohyaku-deshi-juki etc. A profecia do 12º capítulo, Devadatta, de que ele se tornaria Buda, representa a realização da iluminação pelas pessoas malvadas. A profecia da iluminação foi também conferida a Mahaprajapati e Yashodhara, respectivamente, mãe de criação e esposa de Sakyamuni, no 13º capítulo, Kanji, representando a obtenção da iluminação pelas as mulheres. O capítulo Devadatta refere-se também à realização do estado de Buda por uma menina-dragão.

*Budismo da Colheita: O processo pelo qual o Buda conduz as pessoas à iluminação é comparado com o crescimento de uma planta, o qual está dividido em três fases — semeadura, maturação e colheita. A semeadura significa plantar a semente do estado de Buda na vida das pessoas, ensinando-lhes a Lei. A maturação significa ajudar as pessoas a continuarem a praticando a Lei e gradualmente aproximá-las ao estado de Buda. A colheita significa capacitar as pessoas a atingirem finalmente o estado de Buda. No caso do Budismo de Sakyamuni, esse processo requer um período de tempo inimaginavelmente longo para se completar. Dessa perspectiva, o advento do Buda Sakyamuni na Índia foi para conduzir à iluminação aquelas pessoas que ele já havia preparado em existências prévias. Nesse sentido, o seu budismo é chamado de Budismo da Colheita. No caso do Budismode Nitiren Daishonin, o processo de semeadura, maturação e colheita pode ser reduzido em um simples momento da vida. Além disso, o seu ensino implanta a semente ou causa fundamental do estado de Buda na vida das pessoas e assim conduz qualquer pessoa à iluminação independente de sua relação com o budismo em existências passadas. Por esta razão é que o Budismo de Nitiren Daishonin é denominado de Semeadura.
Parábolas

Parábola do Homem Rico e seu Filho pobre

clip_image082Há muitos anos, um menino havia fugido da casa de seu pai, que era um homem muito rico. Durante aproximadamente cinqüenta anos, ele perambulou de um lugar para outro, em extrema pobreza, realizando trabalhos serviçais. Um dia, em suas andanças, por obra do acaso, ele foi parar na mansão de seu pai. O homem rico exultou ao ver o filho novamente, pois desejava legar-lhe toda a sua riqueza e suas propriedades.

O filho, contudo, não reconheceu o pai e fugiu, assustado com o explendor de sua mansão. O homem rico, então, envia mensageiros para trazê-lo de volta, mas o filho, pensando que vieram prendê-lo, desmaia de medo. Ouvindo isso, o homem rico pede aos mensageiros que o soltem e, no lugar deles, manda dois de seus servos vestidos com roupas sujas para oferecerem a seu filho o trabalho de recolher excrementos.

clip_image084O filho rapidamente aceita esse emprego na casa do homem rico. Após algum tempo, o homem rico também se disfarça com roupas sujas para poder se aproximar de seu filho. Por vinte anos o filho se dedicou a limpar excrementos e, gradativamente, começou a se firmar. O homem rico então promove o filho a administrador de sua propriedade e, passo a passo, este começa a aprender todas as suas funções. Finalmente, o pai sente que a morte está próxima. Ele então declara ao rei, aos ministros e a seus parentes que seu empregado é, na realidade, seu filho verdadeiro. E lhe transfere todas as sua posses.

clip_image086Esta história foi criada e contada pelos quatro homens de Erudição (Shubodai, Kasennen, Mokuren e Kasho) a Sakyamuni com o intuito de mostrar-lhe que haviam compreendido seu ensinamento. O homem rico dessa parábola representa o Buda, cujo desejo único é possibilitar a todas as pessoas desfrutar o mesmo estado sublime de vida que o dele, assim como o homem rico deseja legar toda a sua riqueza a seu filho. O filho pobre simboliza os mortais comuns, que vagam, transmigrando no mundo tríplice, sem encontrar o veículo supremo.

clip_image088A fim de conduzi-los à iluminação, o Buda primeiro lhes ensina o budismo Hinayana, assim como o homem rico oferece a seu filho um meio de sustento - recolher excrementos. Então, ele expõe os ensinos Mahayana provisórios, assim como ao filho, em seguida, é dada a tarefa de administrar a propriedade de seu pai. Deste modo, percebendo a capacidade das pessoas, o Buda as conduz gradativamete com os três veículos inferiores - Erudição, Absorção e Bodhisattva - e, finalmente, lhes revela o veículo único do budismo do Sutra de Lótus.

Terceira Civilização — Abril/1976


Parábola do Bom Médico

clip_image090Havia um médico muito habilidoso que sabia como preparar remédios para curar eficazmente todos os tipos de doenças. Ele tinha muitos filhos, talvez dez, vinte ou até mesmo cem.

O médico viaja para uma terra distante para tratar um determinado assunto. Na sua ausência, seus filhos bebem veneno por engano, o que os faz enlouquecer e se contorcer de dor. Nesse momento, o pai retorna para casa e percebe que eles haviam tomado veneno. Alguns haviam perdido totalmente a razão, enquanto outros não. Ao notarem que o pai havia retornado de tão longe, felizes os filhos o abraçam.

- Que bom que está aqui a salvo. Fomos estúpidos ao tomar veneno por engano. Suplicamos que nos cure e nos deixe continuar a viver! - implora de joelho um dos filhos.

O pai, vendo as crianças naquele sofrimento, começa a preparar vários remédios. Colhe excelentes ervas medicinais que reúnem todas as qualidades de cor, fragrância e sabor. Ele então as mói, peneira e mistura. Oferece uma dose para os filhos e lhes diz:

- Este é um remédio altamente benéfico que reúne todas as qualidades de cor, fragrância e sabor. Tomem-no e irão se sentir rapidamente aliviados de seus sofrimentos e livres de todos os males.

As crianças que ainda estavam com a mente sã, compreendendo que se tratava de um remédio excelente tanto na cor como na fragrância, tomaram-no. Pelo fato de beberem-no rapidamente, conseguem se curar por completo da enfermidade. As que haviam perdido a razão se alegram igualmente ao ver o pai regressar e suplicam-lhe que as cure. Porém, quando ele lhes dá o remédio, recusam-se a tomá-lo. Por quê? Porque o veneno havia penetrado profundamente e a mente delas já não raciocinava como antes. Assim, embora o remédio tivesse excelente cor e fragrância, elas não percebem o bem que ele pode lhes fazer. O pai pensa: "Meus pobres filhos! O veneno ingerido afetou a mente deles por completo. Apesar de estarem felizes por me ver e de me pedirem que os cure, recusam-se a tomar este excelente remédio. Agora terei de recorrer a algum meio para que eles tomem o remédio. Devem tomá-lo sem se preocupar se fará efeito.

clip_image092Logo após ter dado essas instruções, ele parte para uma terra distante, de onde envia um mensageiro para anunciar aos filhos:

- Sinto informar, mas vosso querido pai faleceu.

Nesse momento, os filhos, ao escutarem que o pai havia morrido, são tomados pela dor e consternação e pensam: "Se nosso pai ainda estivesse vivo, teria piedade de nós e faria algo para nos salvar. Porém, ele morreu em alguma terra distante. Agora estamos órfãos, desprotegidos e não temos ninguém em quem confiar!"

Sentido essa profunda angústia, por fim recobram a razão e compreendem que o remédio de fato tem excelente cor, fragrância e sabor. As crianças tomam o remédio, sendo portanto curadas de todos os efeitos do veneno.

O pai, ao saber da cura dos filhos, regressa imediatamente para casa e aparece diante deles uma vez mais.

Entre as sete parábolas, somente uma é exposta a segunda metade do sutra, ou seja, no ensino essencial, e essa é justamente a Parábola do Bom Médico. As demais constam na primeira metade, ou ensino teórico.

clip_image094Essa parábola mostra de que forma o Buda (o bom médico) se vale do meio hábil, ou seja, a sua morte, para fazer com que as pessoas que viveram neste mundo após seu falecimento (os filhos) acreditem no ensino (o remédio benéfico) que ele deixou para o bem deles. Isso reitera o tema principal de todo o Capítulo Juryo (Revelação da Vida Eterna do Buda).

O mensageiro também desempenha um papel fundamental, pois se não fosse por ele os filhos doentes não teriam sido salvos. Ele representa os Emissários do Buda, ou seja, aqueles que propagam os ensinamentos budistas cheios de esperança em uma época desprovida de alento. Com relação a esse ponto, Nitiren Daishonin disse: "O 'Mensageiro', em nossa época, refere-se aos Bodhisattvas da Terra que aparecerão no começo dos Últimos Dias." (END, vol. I, pág. 83.) Na condição de Bodhisattvas da Terra e de seguidores de Nitiren Daishonin, nós somos os "emissários do Buda" que propagam a Lei Mística para as demais pessoas, principalmente para aquelas que se encontram em meio a grandes sofrimentos.

Terceira Civilização — Abril/1976
Parábola das Três Carroças e a Casa em Chamas

Havia na cidade um velho bem rico. Ele possuía muitas terras, casas e uma mansão suficientemente grande para quinhetas pessoas viverem confortavelmente. Mas a mansão estava muito velha. Suas vigas, paredes, pilares e base ameaçavam ruir. Os filhos do homem rico, contudo, gostavam de brincar na velha casa. Um dia irrompeu um incêndio que se propagou rapidamente por toda a mansão. Mas as crianças estavam tão entretidas nas brincadeiras que não perceberam o perigo.

clip_image096O pai, vendo a casa em chamas, corre aos gritos para avisar os filhos:

- Fogo! Fogo! Saiam rápido antes que morram queimados! Mas as crianças, absortas, não ouvem o alerta do pai. Desesperado, o velho decide usar uma tática especial. Lembrando-se de que seus filhos gostavam de objetos raros, gritou o mais alto que pôde:

- Tenho algo maravilhoso para vocês. Se não vierem receber, mais tarde irão se arrepender. Tenho aqui fora belíssimas carroças: uma puxada por um carneiro, outra por um cervo e outra puxada por um boi. Poderão brincar à vontade com elas. Agoram saiam e eu as darei a vocês. Ouvindo isso, as crianças saem da casa apostando corrida entre si para ver quem chega primeiro até o pai.

-

- Assim, o bom velho dá a cada um dos filhos uma carroça que, na realidade, era bem maior e muito mais bonita do que as que lhes foram prometidas. Cada uma delas era puxada por um grande boi branco e decorada com sete espécies de pedras preciosas. O pai observa os filhos brincando com suas carroças e pensa consigo: "Minhas riquezas são imensuráveis e eu amo todos os meus filhos igualmente. Não posso lhes dar veículos inferiores. Tenho riqueza suficiente para presentear todas as pessoas de meu país com carroças puxadas por bois brancos. Portanto, com certeza, não poderia deixar de dá-las aos meus próprios filhos."

clip_image098E foi assim que as crianças foram salvas.

A casa em chamas é uma metáfora do nosso mundo, envolto pelas chamas do sofrimento. Os filhos que brincam na casa são as pessoas que sofrem no mundo dos desejos. O pai, o homem rico, representa um Buda que aparece no mundo em chamas para salvar seus filhos queridos. Na parábola, os pai usa as três carroças representando os três veículos de Erudição, Absorção e Bodhisattva. Sakyamuni havia exposto seus ensinos a seus discípulos antes de terem desenvolvido a devida capacidade de crer no Sutra de Lótus e de compreendê-lo. No final da parábola, o pai ou Buda concede a cada um de seus filhos a carroça do grande boi branco, que indica o supremo veículo da iluminação, capaz de conduzir todas as pessoas à felicidade. Essa representação indica a substituição dos três veículos pelo veículo único do Buda.

Terceira Civilização — Abril/1976
Parábola da Cidade Fantasma

Um grupo de viajantes, tendo ouvido falar de uma cidade cheia de tesouros, parte para enfrentar uma difícil jornada. Para chegar à tal cidade têm de percorrer uma estrada extremamente longa, que atravessa desertos, florestas e terras perigosas. Nenhum trecho dessa estrada é seguro, e os viajantes têm de ter muita coragem e persistência para atingir sua meta.

clip_image100Quando haviam completado mais da metade da jornada e acabado de sair de uma densa floresta, o guia do grupo, que conhece bem o caminho, avisa que logo irão se aventurar por um deserto.

O sol escaldante e as fortes tempestades de areia provam ser demais para eles. Os viajantes se mostram tão cansados que começam a perder a coragem e a querer desistir dos tesouros em troca da segurança de seus lares que haviam deixado para trás. O guia, contudo, está determinado a levar todos, não importando como. Ele então usa seus poderes místicos para fazer aparecer uma cidade no meio do deserto.

Num instante, os viajantes têm uma visão fantástica. Surge do nada um lindo oásis repleto de árvores, por entre as quais podem ver uma cidade. Imediatamente correm até lá com grande alegria.

clip_image102Todo o cansaço, as dores e o desânimo desaparecem num instante para dar lugar ao otimismo e à esperança. Eles se banham, saboreiam comidas deliciosas e dormem tranqüilamente. Em suas conversas, nem se cogita a idéia de desistirem da jornada e de retornarem aos seus lares.

Na manhã seguinte, logo que despertam, ficam estarrecidos ao ouvir o guia dizer-lhes que teriam de deixar aquele lugar maravilhoso e seguir viagem.

- Mas este é com certeza o paraíso que procuramos por tanto tempo! - exclama um deles.

- Não! - responde o guia

- Os senhores ainda estão na metade da jornada. Este é somente um ponto de descanso, um lugar para se refrescarem. Acreditem! O destino final é muito mais belo do que esta cidade e não está tão longe. Agora que tivemos tempo para descansar e relaxar, vamos continuar nossa viagem.

Dito isso, a cidade desapareceu na areia.

No capítulo Kejoyu, os viajantes representam toda a humanidade, o guia é o Buda e a cidade fantasma indica os três veículos, ou os meios pelos quais o Buda conduz as pessoas à terra do tesouro ou ao veículo único do estado de Buda.

No Ongui Kuden (Registro do Ensinos Orais), Nitiren Daishonin utiliza esta parábola para explicar que a cidade fantasma é a própria terra do tesouro (kejo soku hosho) e que a iluminação pode ser atingida no mundo real dos fenômenos temporários. Ele examina esse conceito de diversos ângulos. Por exemplo, do ponto de vista dos Dez Mundos, a cidade fantasma representa os nove mundos e a terra do tesouro, o estado de Buda.

Terceira Civilização — Julho/1999
A Beleza Transitória

Há muito tempo, quando o Buda Sakyamuni se encontrava no Pico da Águia, havia uma cortesã chamada Lótus, na cidade de Rajagriha. Ela era mais bela do que qualquer outra mulher da cidade, e não parecia haver ninguém que pudesse se igualar à sua beleza. Todas as mulheres a invejavam e todos os homens a adoravam. Por tudo isso, um dia, Lótus concebeu um desejo de iluminação e decidiu segregar-se dos assuntos mundanos, tornando-se uma freira budista.

Ela partiu para o Pico da Águia para visitar o Buda Sakyamuni. No caminho sentiu sede e parou num riacho de águas límpidas. Quando estendeu suas mãos para a água, ficou impressionada com o reflexo de seu rosto na superfície e foi cativada pela sua própria beleza. Seus olhos claros, seu nariz afilado, os lábios vermelhos, as maçãs rosadas, os cabelos exuberantes e a perfeita harmonia de suas feições combinavam completamente, convencendo-a de que era extraordinariamente bela. Ela pensou: "Que mulher bonita sou eu! Por que pensei em querer deixar de lado este corpo belo e viver como uma freira budista? Não, não farei isto. Com uma beleza como a minha, tenho certeza de que encontrarei a felicidade. Que idéia tola a de me tornar uma asceta." Imediatamente, ela virou-se e começou a retornar, pelo mesmo caminho.

No Pico da Águia, o Buda Sakyamuni havia assistido Lótus durante o tempo todo. Ele achou que estava na hora de ajudá-la a desenvolver o desejo de iluminação. Utilizando-se de seus poderes ocultos, o Buda se transformou numa mulher extraordinariamente bela, muito mais ainda do que Lótus, e a esperou no caminho ele Rajagriha.

Desconhecendo a intenção do Buda, Lótus, enquanto imaginava vários prazeres mundanos, encontrou uma mulher desconhecida muito bonita no sopé de uma montanha. Atraída pela sua beleza, Lótus dirigiu-se espontaneamente a ela: "Você deve ser estranha por aqui. Para onde está indo completamente sozinha? Você não tem marido, filhos, irmãos? O que uma mulher tão bonita está fazendo aqui totalmente só." A desconhecida respondeu: "Estou voltando para a cidade de Rajagriha. Sinto-me tão solitária caminhando o trajeto todo. Se não for inconveniente, poderia acompanhá-la?"

As duas mulheres logo se tornaram muito amigas e viajaram juntas pela colina. Quando passaram por um pequeno lago, decidiram descansar um pouco. Sentaram-se na grama e conversaram por algum tempo. Enquanto Lótus falava, a outra mulher repentinamente adormeceu, com sua cabeça sobre os joelhos de Lótus. No momento seguinte, sua respiração cessou. Diante do olhar aterrorizado de Lótus, o corpo da mulher começou a degenerar, exalando um odor cadavérico. O corpo inchava grotescamente, a pele se rompia e as entranhas saíam, logo sendo infestadas por vermes. O cabelo da mulher morta caiu de sua cabeça, seus dentes e sua língua se separaram de seu corpo. Era realmente uma visão odiosa.

Vendo essa fealdade apavorante diante de si, Lótus ficou pálida, pensando: "Mesmo uma beleza celestial é reduzida a isso quando morre. Não obstante o quão confiante eu era de minha beleza, não tenho meios para saber por quanto tempo irá durar. Oh! Como fui estúpida! Devo procurar o Buda e buscar a iluminação." Então, Lótus dirigiu-se novamente ao Pico da Águia.

Chegando à presença do Buda, Lótus se atirou diante dele e relatou-lhe o que havia acontecido a ela no caminho até lá. O Buda fitou-a com benevolência e pregou-lhe os quatro seguintes pontos:

1) Todas as pessoas envelhecem;

2) Mesmo um homem muito forte infalivelmente morrerá;

3) Não importando quanto a pessoa viva feliz com sua família ou amigos, o dia da separação certamente virá;

4) Ninguém pode levar sua riqueza para o mundo após a morte.

5) Lótus compreendeu imediatamente que a vida é efêmera e que somente a Lei é eterna. Ela se aproximou do Buda e pediu-lhe que a aceitasse como sua discípula. Quando o Buda lhe deu a sua permissão, seus abundantes cabelos pretos caíram no mesmo instante e sua aparência transformou-se completamente na de uma freira budista. Desse momento em diante, ela se devotou sinceramente à prática budista e atingiu eventualmente o estágio de arhat, sendo qualificada a receber os oferecimentos e o respeito das pessoas.
Terceira Civilização — Maio/1985
Parábola das Três Ervas Medicinais e Dois Tipos de Árvores

Há muitas espécies de flores, árvores e ervas, diferentes em tamanho, forma e denominação. Ao redor do mundo há uma nuvem densa e vasta, que faz com que a chuva caia em todas as partes. Evidentemente, a chuva molha o solo ressequido e, como resultado, as árvores, as ervas e as plantas de todos os lugares são nutridas e crescem. A água que cai da nuvem é imparcial, mas as plantas recebem umidade conforme sua natureza e crescem de acordo com sua espécie. Embora as árvores e as ervas sejam grandemente diversificadas em tamanho e em natureza, suas raízes, ramos, galhos, folhas, botões e frutos crescem graças à mesma chuva.

Nesta breve parábola, Sakyamuni mostra a benevolência imparcial do Buda.

O aparecimento do Buda é como a vasta nuvem que envolve o mundo inteiro. O Buda revela a verdade da vida a todas as pessoas sob diversos ângulos. Ele ensinou a Lei igualmente para todas as pessoas. Entretanto, como elas diferem quanto à capacidade de compreensão, o desenvolvimento de cada uma é diferente. Dessa forma, algumas continuam no estado de Alegria, outras no de Erudição e outras no estado de Absorção. Sakyamuni compara os três tipos de ervas e os dois tipos de árvores com esses estados de vida. As ervas inferiores correspondem às pessoas nos estados de Tranqüilidade e Alegria; as ervas comuns, àquelas de Erudição e Absorção; e as ervas superiores, às de Bodhisattva que buscam o autoaperfeiçoamento.

Quanto às árvores, as pequenas indicam os bodhisattvas que dedicam a vida ao caminho do Buda, praticando sempre o altruísmo. As árvores grandes indicam os bodhisattvas que se esforçam para salvar muitas pessoas. Sakyamuni diz: "O ensino imparcial do Buda pode ser comparado à chuva. Entretanto, a compreensão das pessoas difere, assim como as plantas e as árvores recebem diferentemente a chuva." Mas a chuva benéfica acaba, no final, nutrindo todas as espécies de plantas e árvores, fazendo com que, sem exceção, dêem flores e frutos.

Terceira Civilização — Abril/1976
Espírito de Procura de Um Devoto Budista

Há muito tempo havia uma montanha chamada Sessen (literalmente, Montanha Nevada) ao norte da Índia. Um jovem chamado Sessen-Doji (menino) estava vivendo neste local, onde fervorosamente conduzia exercícios budistas.

O deus budista Taishakuten (Sharo Devano Indrah) dirigiu do céu seu olhar sobre Sessen-Doji e murmurou consigo: "Apesar de muitas pessoas se tornarem budistas, somente algumas podem conseguir a Iluminação, ultrapassando toda sorte de obstáculos. Eu porei a fé de Sessen-Doji em teste." Taishakuten, então, se disfarçou em demônio.

Quando Sessen-Doji estava meditando sob uma árvore, ouviu uma voz sussurrante lhe recitando algumas frases de profunda filosofia budista. Ele ficou muito surpreso, e quando olhou ao seu redor encontrou um demônio mal encarado ao seu lado.

Sessen-Doji estava muito desejoso de aprender sobre a lei para temer aquele demônio. Ele lhe perguntou: "Você recitaria, por favor, a última parte das frases?" O demônio então lhe disse: "Eu não tenho comido nada há vários dias, por isso eu estou morto de fome. Nem tenho forças para falar mais."

Escutando estas palavras, Sessen Doji pensou: "Algum dia eu terei de morrer. Eu sacrificarei minha vida pelo budismo. É como transformar barro em ouro."

Assim ele decidiu, e disse ao demônio: "Aqui está sua comida. Minha carne e sangue são quentes. Por favor, me coma depois de me deixar ouvir a última parte das frases."

A princípio o demônio desconfiou de Sessen-Doji, mas finalmente atendeu ao seu ardente pedido.

Sessen-Doji ficou muito feliz. Gravou aquele ensino em rochas e em árvores para a posteridade e em seguida subiu numa árvore alta e se atirou na boca do demônio.

Subitamente o demônio se transformou em Taishakuten e, cuidadosamente, colocou Sessen-Doji no chão, pedindo-lhe desculpas por haver testado sua fé.

Terceira Civilização — Abril/1976
A Águia e o Pombo

Certa vez, duas divindades benevolentes, Taishaku e Bishamon, estavam conversando. Taishaku disse:

-Meu amigo, como você sabe, existem muitos governantes de países neste mundo. Qual desses reis você acha que é o mais benevolente e compassivo? Bishamon pensou um pouco. Era uma pergunta difícil que não admitia resposta imediata. Logo depois, respondeu:

- Algumas pessoas dizem que o rei Shibi tem uma reputação extremamente boa. Taishaku reclinou-se e disse:

- Sim, eu também ouvi a mesma coisa. Ele trata todos com a mesma benevolência que demonstra com seu próprio filho. Taishaku, então, sugeriu:

- O rei Shibi nunca foi desafiado. Sabemos de sua reputação somente por meio de palavras e, por isso, acho que seria bom fazer um teste. Sugiro fazer o seguinte: Por que você não se transforma num bonito pombo e voa diretamente para os braços de Shibi, como se estivesse fugindo de alguma coisa, enquanto eu o persigo disfarçado de águia, fingindo estar à sua caça? Mostre-se extremamente cansado e farei como se estivesse pronto para fazer de você o meu almoço. Assim podemos verificar se os rumores sobre a benevolência e a compaixão do rei são de fato verdadeiros.

O rei Shibi estava andando em seu jardim quando um pombo repentinamente caiu esvoaçando em seus braços. Uma águia irada e feroz girou em cima e pousou num galho próximo ao rei. Ela olhou para o rei e gritou:

- Dê-me este pombo!

O rei balançou levemente a cabeça:

- Há muito tempo jurei que seria sempre benevolente com os seres vivos. E, por isso, não posso lhe dar o pombo. Realmente, sinto muito. A águia então disse:

- Que juramento idiota! Mas, caro rei, se suas palavras são verdadeiras, então deverá ter piedade de mim, pois sou um ser vivo. Tenho de me alimentar, você sabe, e não como há dias. A menos que me dê o pombo agora, ficarei muito fraco para apanhar outro. E então morrerei, com certeza. O que você diz?

O rei queria sinceramente salvar a vida do pombo, mas também teve pena da águia. Portanto, resolveu dar-lhe um pedaço de sua própria carne com o mesmo peso do pombo. Então puxou da sua espada e cortou um pedaço de sua coxa. Colocou-o num dos pratos da balança do castelo e o pombo, no outro prato. O rei olhou para a águia e lhe disse:

- Ouça bem, eu lhe darei minha própria carne se salvar a vida deste pombo.

A águia concordou, mas uma coisa estranha aconteceu. A balança mostrou que o pedaço considerável da própria carne do rei estava mais leve que o pombo.

O rei ficou perplexo, mas continuou a cortar mais da sua carne. Desafortunadamente, o peso ainda continuava menor que o do pombo. Ele continuou cortando seus membros um a um, mas não conseguia igualar o peso do pombo. Finalmente, a águia disse:

- Majestade, evidentemente seus esforços são inúteis. Por que não poupa tanta dor e tristeza, dando-me o pombo? - e então reprimiu severamente o rei pela tolice. O rei, entretanto, recusou categoricamente. Já estava habituado a tais críticas, e disse ao adversário:

- Este sofrimento é pequeno quando comparado com os do inferno. Mas nem mesmo o sofrimento do inferno pode me fazer parar agora! Jurei ser benevolente e compassivo com todos os seres vivos. Farei tudo para salvar este pombo, mesmo que isso me custe a vida.

De repente a terra tremeu com violência e flores caíram do céu, enquanto outras nasceram de árvores secas, e várias divindades vieram de longe. Elas elogiaram então o rei:

"Ele daria sua própria vida. Até mesmo para salvar um pequenino pombo. Ele pouparia sua preciosa vida.

É verdadeiramente a compaixão de um Bodhisattva. meu coração merece certamente o elogio do Buda."

Bishamon, o pombo, tomou então a sua forma original e disse à águia:

- Taishaku, a grande benevolência do rei é, sem dúvida, verdadeira! Ferimos o corpo de um precioso Bodhisattva. Depressa, use seus poderes para salvá-lo! Taishaku perguntou:

- Grande rei, não se arrepende de ter sofrido tanto pelo seu juramento? E o rei respondeu:

- Envolvido pela benevolência do Buda, não posso sentir senão alegria profunda. Por que deveria me arrepender?

Taishaku, ouvindo tais palavras, pensou em seu coração: "As pessoas estavam certas. Que maravilhoso rei!"

E então aplicou remédio divino no rei, recuperando seu corpo ferido.

Terceira Civilização — Setembro/1986
O Pássaro preguiçoso

Kankutio literalmente significa o pássaro sempre atormentado pelo frio. Diz-se que Kankutio, morando em Sessen (a montanha nevada) na Índia, lamenta-se numa voz chorosa durante toda noite. O pássaro se lamenta: "Quando raiar o dia, eu construirei meu próprio ninho, porque não posso suportar mais esse frio."

No entanto, quando finda a noite, o pássaro se esquece completamente de fazer o ninho, perdendo seus bons propósitos, dormindo ao gosto calor do sol.

"Eu não sei o que acontecerá no futuro. Eu poderei morrer a qualquer momento. O melhor é desfrutar a vida o mais que posso", diz o pássaro preguiçoso a si mesmo, sem fazer o ninho para a noite. Mas quando a noite vem outra vez, ele repete a promessa de fazer o ninho na manhã seguinte.

Nitiren Daishonin escreve sobre esta história no Niike Gosho: "O pássaro chamado Kankutio em Sessen sofre com o frio. Assim ele se lamenta que quando o dia raiar ele construirá seu próprio ninho. No entanto, quando finda a noite, ele dorme no calor do sol e esquece a sua promessa. Desta forma o pássaro continua a se lamentar por toda a vida. Todas as pessoas são assim."

A passagem acima tirada do Gosho mostra que os crentes no Budismo de Nitiren Daishonin não podem ver só o dia de hoje e negligenciar a prática do Budismo.

Adverte-se que nós devemos nos devotar nesta vida á prática do Verdadeiro Budismo com o espírito de "Fujishaku Shinmyo" (não nos importar de devotar nossa vida ao Budismo no grande desejo de ver o Buda ou de atingir a Iluminação).

Quando não há um problema em particular, nós, as pessoas comuns, tendemos a esquecer nossa prática diária como o Kankutio. Mesmo que nós resolvemos invocar abundante Daimoku ao Gohonzon hoje, muitos de nós esqueceremos de fazê-lo de amanhã.

Daishonin também nos adverte na passagem seguinte do mesmo Gosho: "Quando os homens caem na infelicidade e sofrem profundamente, sendo nascido como mortais comuns nesta vida, eles desejam respeitar os Três Tesouros (o Buda, a Lei e o Sucessor do Buda) com o propósito de atingir a iluminação na outra vida. No entanto, os ventos da fama e da fatalidade sopram violentamente e a luz das austeridades budistas são facilmente extinta."

No princípio os membros tomam parte ativa na prática do Verdadeiro Budismo, no entanto eles são sujeitos a parar a sua prática de fé no Gohonzon no meio do caminho ou tornarem-se fracos na sua fé. Isto é, principalmente porque eles praticam por força do hábito, restringindo sua satisfação em receber pequenos benefícios do Gohonzon, ou perdem o propósito de sua fé.

Estes são os mais perigosos obstáculos no caminho da obtenção de Iluminação.

Terceira Civilização — Abril/1976

1 comentário:

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